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Estado de Minas

Casais que decidiram n�o ter filhos falam sobre op��o e como s�o alvo de preconceito

Para eles, filhos definitivamente n�o est�o nos planos. Casais bem-resolvidos que abdicaram � prole contam como chegaram a essa decis�o


postado em 05/03/2012 08:04 / atualizado em 05/03/2012 14:06


L� se v�o tr�s d�cadas desde que a escritora feminista e historiadora Elizabeth Badinter colocou contra a parede a certeza de que toda mulher deseja ser m�e. Em L’amor en plus, que no Brasil ganhou o t�tulo de Um amor conquistado: o mito do amor materno (Ed. Nova Fronteira), a pesquisadora mostrou dados hist�ricos que balan�aram a rela��o m�e e filho. A maternidade seria uma constru��o social e n�o um desejo natural. O livro � considerado um desaforo por conservadores que acreditam ser o instinto materno algo inquestion�vel. Mesmo assim, a discuss�o n�o cessou. Pelo contr�rio, a voz da autora francesa se juntou a de outras mulheres que reavaliaram a maternidade como uma d�diva. A partir da d�cada de 1990, mais brasileiros t�m repensando o combo casamento + filhos. N�o s� por uma quest�o financeira, uma vez que os gastos com apenas um filho pode corresponder a 40% do or�amento familiar, segundo o educador financeiro Reinaldo Domingos, mas simplesmente porque a vinda do primog�nito n�o est� nos planos. As raz�es s�o diversas e apontam para um caminho ainda visto com certo preconceito.

A met�fora do servidor p�blico Hugo Garcia, 28 anos, ilustra uma situa��o pela qual nem ele nem a mulher, a servidora Patr�cia Luque, 37, gostariam de passar. “Ter filhos � como pular em uma piscina gelada. Quando se mergulha nela, tenta-se convencer os outros de fora a entrar dizendo: “Como est� gostoso aqui”, brinca Hugo. Mas o casal n�o entrou nessa “fria”. Casados h� cinco anos, n�o precisaram quebrar a cabe�a quanto a ter ou n�o uma crian�a em casa. “No come�o, falamos sobre isso. Foi um ponto em comum. Eu nunca quis, nunca me vi gr�vida, e ele tamb�m n�o queria ser pai.”

A ideia de que a liberdade do casal ficaria por um fio por causa de um beb� � o que mais d� certeza aos dois de que felicidade � permanecer a s�s. “Observamos que o assunto do casal que tem filhos � s� o filho. Todas as quest�es da casa s�o por conta dele. � ele quem dita para onde voc� vai. Voc� n�o pode viajar para qualquer lugar e em qualquer �poca do ano por causa da din�mica do filho. � essa responsabilidade que n�o anima a gente”, justifica Hugo.

Acordar a hora que quiser, n�o se preocupar se a geladeira est� cheia ou n�o — eis alguns dos motivos triviais que desestimulam Hugo e Patr�cia a dar esse passo. Mas quando perguntam ao casal se a op��o por n�o ter filhos passa pela quest�o financeira, eles afirmam em un�ssono: “N�o”. “Esse nunca foi um argumento nosso. At� porque crescemos sem muito luxo, da forma que deu. Hoje temos condi��o financeira de ter filho, ainda que agora esteja um pouco mais apertado porque abrimos uma nova empresa. Por isso, essa nunca foi uma justificativa preponderante”, conta Hugo.

O educador financeiro Reinaldo Domingos tamb�m descarta a “desculpa” da condi��o financeira quando escuta jovens casais dizerem n�o ter filhos porque falta dinheiro. “Assim, como ter filhos � uma op��o, tamb�m � uma op��o se preparar e ter reservas financeiras mensais, e isso se faz por meio da educa��o financeira. Por isso, n�o se pode tomar a decis�o de ter filhos sem antes saber que � demandado, no m�nimo, 30% do ganho l�quido mensal para proporcionar uma vida saud�vel e financeiramente sustent�vel. Acredite, se fizer uma boa faxina financeira em tudo que se consome em casa, certamente encontrar� de 20% a 30% de excesso em tudo. Se houver disciplina e perseveran�a, � poss�vel ter filhos”, constata Domingos.

Sal�rio versus filho: 2 X 0
No Brasil, o grupo dos sem-filhos ganhou uma abrevia��o, dinc, que quer dizer “duplo ingresso, sem crian�as”. Trata-se de uma adapta��o da express�o em ingl�s dink, “double income, no kids”. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domic�lio (PNAD), em 1996, a fam�lia dinc representava apenas 2,7% do total de domic�lios, passando para 3,7% em 2006. Um crescimento de quase 90% em uma d�cada. O n�mero de brasileiros que optaram por n�o ter filhos saltou, portanto, de um milh�o para 1,9 milh�o no per�odo.
Essa fatia da popula��o pode ser ainda maior, indica a S�ntese de Indicadores Sociais 2010 (dados de 2009). Dos 62,3 milh�es de arranjos familiares no Brasil, 15,2% s�o de casais sem filhos e sem parentes. Em Santa Catarina, esse percentual chega a 19,9% (maior), enquanto no Amap� � de apenas 9,7% (menor). Em Bras�lia, a porcentagem chega a 12,6%. Os dados, por�m, n�o s�o conclusivos, uma vez que n�o discernem entre arranjos familiares de casais sem filhos e casais cujos filhos j� sa�ram de casa. Um retrato mais apurado da realidade s� quando o pr�ximo Censo for divulgado.
Pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) acreditam estar diante de um fen�meno social. Al�m da fam�lia que predominou historicamente — pai, m�e e filhos —, outras forma��es como a dinc merecem aten��o. Segundo a pesquisa A fam�lia dinc no Brasil — algumas caracter�sticas sociodemogr�ficas, publicada pela Escola Nacional de Ci�ncias Estat�sticas em 2010, os casais sem filhos colocam em xeque os pilares da institui��o familiar pois n�o h� continuidade geracional.
Esse seria, segundo a pesquisa, reflexo de uma sociedade p�s-industrial e p�s-moderna. Quer dizer, fatores como a inser��o da mulher no mercado de trabalho, a cria��o de m�todos anticonceptivos e o reconhecimento de diferentes tipos de uni�o geram mudan�as na fam�lia e, por isso, pedem reflex�es.

A s�s e em grupo
S�o v�rios os grupos de discuss�o em redes sociais cujo objetivo � legitimar a escolha dos casais dinc. A rede passou a abrig�-los e um dos casos mais populares � o clube No kidding, fundado pelo professor canadense Jerry Steinberg, casado e sem filhos. Ele tamb�m derruba a teoria de que “pessoas que n�o querem ter filhos odeiam crian�as”. Pelo contr�rio, Jerry adora os pequenos, mas n�o em tempo integral. Em 1984, esse canadense teve a ideia de montar um clube para casais na mesma situa��o. Tudo come�ou quando ele passou a sentir falta dos amigos, que se distanciaram ap�s a chegada dos primog�nitos. Atualmente, o clube tem mais de 40 filiais espalhadas em quatro pa�ses. S�o aceitos como membros aqueles que n�o querem ter filhos, os que n�o podem t�-los e os que est�o indecisos. Depois de quase 30 anos, Jerry n�o est� mais � frente da agremia��o. Ele se aposentou, mas se orgulha da continuidade do projeto. Ainda hoje, quando o professor canadense escuta que n�o ter filhos � escolha de gente ego�sta, rebate: “�. Mas as pessoas t�m filhos por raz�es bastante ego�stas: por prazer, para cuidar delas na velhice, para ter algu�m para amar e am�-las de volta, para viver coisas que n�o puderam viver quando eram crian�as, para exercer poder sobre algu�m, para dar continuidade ao nome da fam�lia. O que � mais ego�sta que fazer um mini-eu?” (Confira: www.nokidding.net)


Juntos na velhice
D�cadas antes desse cen�rio se ampliar pelo pa�s, a arquiteta Maria do Carmo Araujorge, 62 anos, e o administrador M�rcio Borsoi, 59, casados h� 30 anos, j� tinham decidido que maternidade e paternidade n�o estavam nos planos. A decis�o foi natural. Primeiro, o namoro, que durou nove anos. Em seguida, o casamento. Depois, a mudan�a do Rio de Janeiro para Bras�lia. O tempo foi passando e o casal n�o demonstrava o desejo de ter filhos. “N�o conhecemos tantos amigos que tenham feito a mesma escolha. Tamb�m n�o temos arrependimentos”, conta M�rcio. Maria do Carmo lembra que a fam�lia dele fez cobran�as sutis. Perguntavam quando viria o primeiro filho. “Se quis�ssemos mesmo ter filhos, ter�amos. N�o havia um impedimento real, mas a gente n�o tem que viver nos moldes. Eu e ele nos completamos”, defende.

Com uma agenda cheia de encontros com amigos, o casal descarta a ideia de que ter filhos � garantia de companhia na velhice. Eles percebem por experi�ncia pr�pria. No caso de M�rcio, seus pais j� faleceram, mas a m�e de Maria do Carmo mora em Niter�i e recebe a visita da filha �nica somente em algumas datas especiais. Por causa da dist�ncia entre ela e a m�e, a arquiteta se deu conta de que ter filho n�o significa assist�ncia 24 horas. “Viajamos de f�rias juntos e, quando ela est� doente, vou para Niter�i. S� que, contabilizando, passo apenas algumas semanas do ano com minha m�e. Isso tamb�m poderia acontecer comigo. N�o d� para saber se o filho vai morar perto de voc� ou na Nova Zel�ndia, por exemplo. Criam-se filhos para o mundo. N�o d� para prend�-los”, constata Maria do Carmo.

M�rcia Leite e Alexandre Lobo concordam. “Nos dizem isso quando estranham nossa decis�o e afirmam que vamos envelhecer sozinhos, mas estamos tranquilos”, conta M�rcia. No entanto, F�bio Anjos teme por essa etapa da vida sem uma prole ao redor. “Tenho um certo medo quanto ao futuro. Dizem que s�o os filhos que cuidam dos pais no fim da vida e isso n�o vamos ter. Portanto, cuidamos muito da nossa sa�de e mantemos uma �tima rela��o com sobrinhos e irm�os”, reconhece F�bio. J� a mulher de F�bio, Eline, n�o v� problemas. “Tem asilo e casa de repouso para isso. Alguns dos idosos t�m filhos. E onde eles est�o?”, questiona.

Guardar economias para que a velhice n�o seja uma etapa dif�cil j� � um projeto de Patr�cia Luque e Hugo Garcia. Nada de se preocupar se fulano ou sicrano da fam�lia v�o cuidar deles. “N�o queremos ser um fardo para ningu�m”, diz Hugo. Cientes de que escolheram uma estilo de vida bem diferente dos pais, eles sabem que ter�o que tomar iniciativas pouco convencionais no futuro. “Viajamos h� pouco para a Calif�rnia (EUA) e vimos um asilo muito bonito por l�. Ou seja, se tivermos que nos preocupar com o futuro, vamos poupar algum dinheiro para usufruir da velhice em grande estilo”, brinca Hugo.

Seja qual for a escolha do casal, a psic�loga Carolina Freitas aconselha que ela seja bem pensada e analisada. Pr�s e contras na mesa. “Ser pai e/ou m�e � uma experi�ncia que pode ser escolhida. Existem v�rias experi�ncias durante nossa vida pelas quais n�o passaremos por op��o ou por n�o acontecer. A felicidade est� ligada ao sentir-se bem, ter feito boas escolhas para sua viv�ncia”, lembra.

Da mesma forma, a escritora ga�cha Martha Medeiros, m�e de duas filhas, aconselha as amigas a refletir muito sobre o tema. Questionada sobre o que achava dessa op��o, escreveu a cr�nica Maternidade ou n�o, publicada no livro Coisas da vida (Ed. L&PM Pocket). “A gente nunca sabe como teria sido se… � por isso que, neste caso, compensa queimar bastante os neur�nios antes de decidir. N�o d� para pensar no assunto levando-se em conta apenas o momento que se est� passando, mas o contexto geral de uma vida. Porque n�o ser m�e tamb�m � para sempre.”

Derrubando mitos
Especialistas nas �reas de psicologia, antropologia e educa��o financeira derrubam meias-verdades que falham ao definir o perfil desses casais que optaram por n�o ter filhos.

“Eles n�o gostam de crian�a”
N�o querer ter filhos n�o tem rela��o direta com n�o gostar de crian�as. Muitas mulheres e homens exercem o lado afetuoso e cuidadoso da paternidade e da maternidade com sobrinhos, filhos de amigos, crian�as ao seu redor. O casal apenas n�o quer ter a responsabilidade de gerar e educar uma crian�a. Seja por falta de condi��es financeiras, seja por estilo de vida n�o compat�vel com filhos.
(Carolina Freitas, psic�loga)

“Toda mulher nasce com o instinto materno”
Podemos dizer que n�o existe amor materno como instintivo. O amor materno � relacional e, portanto, � constru�do na vida social. Por isso, um grande mito � aquele que diz que toda mulher deve ser m�e e que esse amor materno � natural quando, na verdade, a rela��o m�e e filho � constru�da, ou seja, h� para ela a possibilidade da escolha da maternidade.
(Lia Zanotta Machado, professora do departamento de antropologia da UnB)

“S� � poss�vel ser feliz quando se tem um filho”
Ter um filho para se sentir pleno � delegar a outra pessoa — que ainda nem nasceu — uma grande responsabilidade. E se aquela m�e ou aquele pai n�o se sentem realizados depois do nascimento de seus filhos, a crian�a acaba carregando o peso dessa frustra��o. Se um filho estiver nos planos para compartilhar (e n�o para carregar) essa felicidade, �timo. O importante � que homens e mulheres saibam que s�o livres para escolher outro caminho, e que tamb�m poder�o encontrar a felicidade em uma vida sem filhos.
(Verena Kacinskis, psic�loga)

“N�o ter filhos � contra as leis da natureza”
A mulher n�o � uma f�mea submetida apenas aos des�gnios de sua esp�cie. A mulher � um ser dotado de uma hist�ria e imersa em um universo simb�lico — isso a distingue e lhe permite fazer escolhas pessoais quando a sociedade oferece outros caminhos de realiza��o, al�m do da maternidade.
(Luci Helena Baraldo Mansur, psicanalista)

“Casais que n�o querem filhos s�o ego�stas”
N�o querer engravidar pode ser sim uma decis�o ego�sta, mas o casal tem o direito de querer liberdade e n�o vivenciar as turbul�ncias, boas e n�o t�o boas, de se criar um filho. Engravidar tamb�m tem suas raz�es ego�stas: ter filhos porque todo mundo tem, por vaidade, para dar continuidade ao nome da fam�lia, para ser cuidado na velhice, para amar e ser amado. Ent�o, ter ou n�o ter filhos pode ter seu lado ego�sta. Isso n�o � necessariamente ruim. � melhor optar por n�o ter filhos a t�-los e abandon�-los ou negligenci�-los das mais diversas formas.
(Carolina Freitas, psic�loga)

“Minha vida financeira vai � ru�na se eu tiver filhos”
Para se ter filhos � preciso entender que esse investimento � por, no m�nimo, 25 anos, sem contar os 9 meses de gesta��o. Em uma pesquisa, o Instituto DSOP de Educa��o Financeira apurou que um casal gasta em m�dia 40% do or�amento total da casa tendo um filho. Isso corresponderia a uma m�dia de R$ 20 mil por ano para uma crian�a. Portanto, se h� a inten��o de se ter filhos, o melhor � saber na ponta do l�pis o que vai se investido. Exemplos: maternidade, ber�o, assist�ncia m�dica, roupas, escolas, alimenta��o, presentes de anivers�rio, Dia das Crian�as, p�scoa, formatura, carro aos 18 anos e, em alguns casos, casamento. O encarecimento para ter um filho nos dias atuais se d� porque, hoje, as necessidades criadas em uma sociedade de consumo s�o maiores.
(Reinaldo Domingos, educador financeiro)

“Eles v�o sentir solid�o na velhice”
Ter filhos n�o � garantia de t�-los pr�ximos na velhice. N�o s�o todas as rela��es entre pais e filhos que prezam pelo amparo. Se ter filhos garantisse cuidados na velhice, n�o ter�amos, como hoje, muitos idosos abandonados. As boas rela��es s�o o que garantem a n�o solid�o na velhice.
(Carolina Freitas, psic�loga)


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