Eles escondem o rosto. N�o por vergonha, mas por medo. Portadores de espondilite anquilosante convivem n�o apenas com dores, que os acompanham durante todo o dia, mas com a possibilidade latente de demiss�es sum�rias ou rejei��es em concursos p�blicos. Todos t�m pr�-disposi��o gen�tica � doen�a que progressivamente calcifica ossos da coluna, ombros e bacia, comprometendo seus movimentos. Debilitados, n�o gozam da cortesia ou paci�ncia de seus empregadores enquanto resolvem pend�ncias com o INSS, que, por lei, deveria aposent�-los. A dist�ncia entre o direito e o benef�cio, muitas vezes maior que a pr�pria esperan�a por dias melhores.
“� s� uma tendinite”. A vendedora de 35 anos cansou de escutar o diagn�stico ao longo dos anos. Consulta ap�s consulta. Antes fosse. Ap�s quase dois anos com fortes dores, teve que tirar licen�a por tempo indefinido do trabalho. Virar o rosto, levantar os bra�os ou abaixar-se passaram a ser verdadeiros desafios cotidianos. A doen�a de nome estranho lhe parecia cotidiana. “Para mim era como se ele dissesse que eu tinha uma gripe e tomaria um analg�sico para melhorar. N�o conseguia compreender que aquilo n�o tinha cura”, conta.
As lembran�as da inf�ncia passaram a fazer sentido. Enquanto as demais crian�as corriam pelas ruas ao redor da casa da av�, preferia ficar em cama. A ‘tendinite’ da �poca chamavam de ‘dor do crescimento’. E assim seguiu a vida de priva��es. Incluindo a de ter um outro filho. “Era minha vontade. Mas n�o teria como aguentar a dor”, explica.
Ao buscar aux�lio junto ao INSS, a dor f�sica se tornou tamb�m emocional. Foi obrigada a encarar os temidos cursos de reabilita��o, exigidos para se manter no aux�lio-doen�a e sequer sonhar com a aposentadoria. Em um deles, o de computa��o, ficava a duas viagens de �nibus “de dist�ncia”, em um pr�dio de primeiro andar sem elevador. Al�m da multiplica��o das dores, desenvolveu derrame nos pulsos. Submetida a nova avalia��o m�dica, passou por um intenso question�rio. “Mas e voc� n�o tem fam�lia? Tenho certeza que em casa n�o deixa de fazer os afazeres, ent�o n�o pode trabalhar?” foi apenas uma das perguntas. O laudo que a aposentadoria n�o veio. Em seu lugar, uma encaminhamento para um novo curso. “� a hist�ria de v�rias pessoas. Tem gente que passa quase seis anos nisso. Sempre fazendo curso de coisas que n�o v�o conseguir emprego na �rea nunca. Juro, penso em voltar a trabalhar doente e tudo para n�o passar por tanta humilha��o”, garante.
A realidade &´ a mesma para quem faz parte de todas as classes sociais. A m�dica recifense de 41 anos, que prefere n�o se identificar, por ironia do destino, foi reprovada em um concurso p�blico do pr�prio INSS, por ser portadora de espondilite. Foi considerada parcialmente incapaz. Tentou, ent�o, a vaga de deficientes f�sicos. Tamb�m reprovada. Aposentadoria tamb�m n�o foi uma op��o. Da pr�tica m�dica, deixou de lado os quatro empregos e as treze horas di�rias de trabalho. Hoje, trabalha em uma cl�nica com servi�os administrativos, limitando-se a seis horas por dia. Adapta��es necess�rias de quem se v� � merc� de terceiros. “At� o tratamento foi dif�cil. Comecei com imunobiol�gicos, rem�dios bem agressivos, dos quais, at� hoje, ningu�m desmamou, ou seja, completou o ciclo e deixou de tom�-los. Meu reumatologista come�ou a espa�ar mais o tempo e o plano de sa�de negou cobertura e nunca mais concedeu. Tive que procurar o SUS. � sempre um desafio”, conta.