
Dourados (MS) - Com 3.987 quil�metros quadrados e pouco mais de 30,6 mil habitantes, Rio Brilhante, na regi�o sudoeste de Mato Grosso do Sul e a 160 quil�metros da capital, Campo Grande, � uma das principais produtoras de cana-de-a��car do Brasil. Nos �ltimos anos, contudo, a cidade tem aparecido no notici�rio nacional com alguma frequ�ncia devido � disputa de terras entre fazendeiros e cerca de 140 �ndios guarani-kaiow� que vivem no acampamento conhecido como Laranjeira �anderu.
Segundo o cacique Farid Mariano, os �ndios reivindicam que a Uni�o reconhe�a como territ�rio tradicional ind�gena, ou solo sagrado (tekoha), a �rea que pertenceu aos seus antepassados. A �rea pleiteada � uma das 39 que constam de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2007 pelo Minist�rio P�blico Federal (MPF) e pela Funda��o Nacional do �ndio (Funai), que previu a cria��o de grupos t�cnicos para identificar e delimitar as eventuais �reas ind�genas.
Farid estima que, se reconhecida, a nova reserva pode chegar a 11 mil hectares (um hectare corresponde a 10mil metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol oficial), mas a Funai informa ser imposs�vel precisar o tamanho de qualquer nova �rea ind�gena antes de conclu�dos os estudos antropol�gicos necess�rios � demarca��o.
Enquanto aguardam a conclus�o dos estudos - retardados por sucessivos recursos judiciais de fazendeiros e pela dificuldade dos trabalhos de identifica��o - os �ndios t�m vivido precariamente em acampamentos provis�rios montados no interior da Fazenda Santo Ant�nio da Nova Esperan�a. Eles ocuparam a �rea pela primeira vez em 2007, mas em setembro de 2009 foram retirados pela Justi�a, em cumprimento a um pedido de reintegra��o de posse. Sem ter para onde ir, acamparam �s margens da movimentada rodovia BR-163, onde, conforme Mariano, pelo menos quatro pessoas morreram atropeladas durante os dois anos em que o grupo permaneceu ali.
Em maio de 2011, as fam�lias que n�o se separaram do grupo decidiram contrariar a ordem judicial e voltar a ocupar parte da reserva legal da mesma fazenda. Ali permanecem at� hoje, concentrados em 25 hectares, beneficiados por uma decis�o judicial que suspendeu a reintegra��o de posse at� que a Funda��o Nacional do �ndio (Funai) conclua a per�cia antropol�gica necess�ria para confirmar se a �rea faz parte, de fato, de um tradicional territ�rio ind�gena.

Na ter�a-feira, a funda��o divulgou o resultado preliminar de um dos processos de reconhecimento de 39 tekohas em sete �reas reivindicadas como ind�genas. O estudo reconhece como territ�rio tradicional ind�gena uma �rea de 41,5 mil hectares na cidade de Iguatemi (MS), a cerca de 460 quil�metros da capital, Campo Grande. Tanto para os �ndios, quanto para os produtores rurais, a demora aumenta o clima de inseguran�a jur�dica e de apreens�o.
Com o futuro indefinido, os �ndios de Laranjeira �anderu n�o podem plantar e dependem das cestas b�sicas e da assist�ncia governamental. Vivem precariamente em barracos de lona e palha. V�rias fam�lias usam os sacos de polipropileno, os chamados big bags, para recobrir os abrigos. Os big bags costumam ser usados para transportar fertilizantes ou, nos postos credenciados, para armazenar as embalagens de agrot�xicos devolvidas pelos produtores, caso em que t�m que ser devidamente descartados.
“A terra que estamos pedindo pertence ao meu povo, que j� vivia aqui muitos anos antes de o fazendeiro registrar a propriedade”, disse o cacique Farid Mariano, acrescentando que se o territ�rio for reconhecido e homologado, �ndios da comunidade que se mudaram para outros lugares em busca de melhores condi��es de vida v�o poder voltar a se juntar � comunidade.
“Depois que ganharmos esta terra vamos ter que replantar tudo, porque, hoje, s� tem cana e soja na regi�o”, disse o cacique, para quem a comunidade vive como em um “cativeiro”, impedida inclusive de ir e vir, j� que o acesso ao local onde o grupo se instalou, a cerca de quatro quil�metros da rodovia, � feito por dentro da fazenda vizinha.
Para garantir a presen�a das crian�as na escola, no in�cio de 2012 a Justi�a Federal determinou que a prefeitura de Rio Brilhante garantisse o acesso dos �nibus escolares �s fazendas que levam � aldeia. No dia em que a reportagem visitou a �rea, presenciou o tr�nsito de �nibus e de uma caminhonete da Funda��o Nacional de Sa�de (Funasa) em uma das propriedades. Os �ndios, contudo, reclamam que at� mesmo ambul�ncias j� foram impedidas de chegar ao acampamento.

Lembrando que quer apenas preservar o que � seu, Neves garante ter comprado a propriedade no in�cio dos anos 1950. “Estou aqui h� mais de 50 anos. Quando cheguei, conversei com pessoas que viviam aqui quase este mesmo tempo e ningu�m nunca me disse que havia aldeias por aqui. Podia at� haver um ou outro �ndio, inclusive trabalhando nas fazendas de erva-mate, mas aldeia nunca houve”, sustenta Raul, exibindo documentos que indicam que a fazenda de 400 hectares est� devidamente regularizada e tem sido legalmente negociada desde 1852.
Para o fazendeiro, a demora da Funai em concluir os estudos antropol�gicos � prova de que a terra nunca foi territ�rio ind�gena. “O estudo est� demorando muito para ser feito porque o antrop�logo n�o consegue contar uma hist�ria convincente. Para mim, � bom que demore, porque n�o h� estudo da Funai favor�vel ao produtor rural. E mesmo que os �ndios tenham vivido aqui muito tempo atr�s, tem uma coisa: o Brasil inteiro um dia foi terra ind�gena. N�o havia �ndios onde hoje est� a Avenida Paulista, em S�o Paulo? Na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, ou em Natal? Eles n�o t�m os mesmos direitos do que os que querem estas terras? Ent�o, se o governo quiser fazer justi�a, vai ter que arrumar muita terra”, conclui o fazendeiro.