Bras�lia – O jogo de empurra entre a Prefeitura de Santa Maria (RS) e o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul no caso do inc�ndio da Boate Kiss evidencia uma estrat�gia para escapar da responsabiliza��o pela trag�dia. E a preocupa��o das autoridades municipais e estaduais � justificada: o Supremo Tribunal Federal (STF) j� decidiu que, em caso de omiss�o na fiscaliza��o de casas noturnas, a responsabilidade de um inc�ndio fatal � da administra��o p�blica. Na trag�dia do Canec�o Mineiro, que em 2001 matou sete pessoas em Belo Horizonte, o STF determinou que a prefeitura pagasse indeniza��o de 300 sal�rios m�nimos a uma das v�timas. Esse caso, que guarda fortes semelhan�as com o drama da casa noturna ga�cha, servir� como par�metro para os sobreviventes de Santa Maria e tamb�m para os familiares dos 235 jovens mortos.
O ministro do STF Marco Aur�lio Mello foi o relator do processo contra a Prefeitura de BH. No recurso que chegou � Corte, ele manteve o entendimento do Tribunal de Justi�a de Minas Gerais e determinou que a administra��o p�blica indenizasse a comerci�ria Gisele Aparecida de Oliveira Silva, hoje com 33 anos. O magistrado acredita que, no caso da trag�dia de Santa Maria, tamb�m houve omiss�o das autoridades, o que possibilitar� a��es de indeniza��o. “O Estado falhou e falhou redondamente”, diz o ministro. “O que notamos nesse contexto � uma falha no exerc�cio do poder de pol�cia, que � o poder de fiscalizar. Se o Estado fosse mais atuante, quer mediante a atua��o de fiscais da prefeitura, quer mediante a atua��o do Corpo de Bombeiros, seriam evitados epis�dios como esse”, diz Marco Aur�lio Mello.
O caso do Canec�o Mineiro � o primeiro processo relativo a inc�ndios em casas noturnas a ser analisado pelo Supremo. A boate de Belo Horizonte n�o tinha alvar� de funcionamento nem estrutura de preven��o � propaga��o de chamas. E as semelhan�as n�o param por a�: assim como no drama de Santa Maria, o inc�ndio come�ou depois que o integrante de uma banda disparou um sinalizador durante a apresenta��o. “O Estado � respons�vel pelo funcionamento e pelo aparelhamento de casas p�blicas. E o que temos nesse caso de Santa Maria � uma in�rcia do Estado em suas atribui��es. Houve falhas na fiscaliza��o, na verifica��o do material usado no revestimento do teto, n�o havia extintores suficientes para fazer cessar o inc�ndio, portas de emerg�ncia e sinaliza��o. Tudo se acumulou resultando nessa trag�dia impactante, com a morte de 235 jovens”, afirmou Marco Aur�lio Mello.
SEQUELAS
Gisele Aparecida foi uma das 300 sobreviventes da trag�dia do Canec�o Mineiro. Ela estava na casa noturna na madrugada de 24 de novembro de 2001 e teve graves danos f�sicos e psicol�gicos. “Ficou com sequelas nas pernas, por causa das queimaduras. Mas o pior s�o os efeitos psicol�gicos: at� hoje ela n�o entra em ambientes fechados, n�o vai nem sequer ao cinema”, comenta o advogado Ant�nio Carlos Aguiar, que representou a v�tima. A decis�o do Supremo saiu em 2009 e j� transitou em julgado, mas ainda n�o houve o pagamento da indeniza��o, porque a defesa discute o acr�scimo de juros. Em valores atuais, o valor a ser pago pela Prefeitura de BH seria de R$ 203 mil, mas Gisele briga para que o montante seja corrigidos retroativamente ao dia da trag�dia.
Para o advogado, que representa outras 30 v�timas do inc�ndio em Minas, a decis�o do Supremo certamente servir� de jurisprud�ncia para o caso da Boate Kiss. Nas a��es c�veis, a Prefeitura de BH se esquivou da responsabilidade, a exemplo do que j� ocorre na administra��o municipal de Santa Maria. “O acidente que lesionou as v�timas n�o ocorreu por falta de fiscaliza��o municipal na casa noturna, mas pela conduta dos integrantes da banda de m�sica contratada para o espet�culo, que utilizou de apetrechos de p�lvora”, argumentou a prefeitura da capital mineira.