Renata Mariz
Bras�lia – Crias do caos prisional e tratadas com indiferen�a por governos que teimaram em negar publicamente sua exist�ncia, as fac��es criminosas encontraram espa�o para crescer e se fortalecer no Brasil. A recente onda de viol�ncia em Santa Catarina, que j� alcan�ou 37 munic�pios e mais de uma centena de ataques, obrigou autoridades locais a reconhecerem mais uma organiza��o gestada nas entranhas do Estado. O Primeiro Grupo Catarinense (PGC), ao ordenar de dentro das cadeias os atentados nas ruas, soma-se a um mosaico de siglas que, de tempos em tempos, aterroriza a popula��o. Do CV, abrevia��o de Comando Vermelho, criado em 1979 no pres�dio de Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ), aos dias atuais, h� pelo menos 13 grupos no pa�s merecedores da aten��o dos setores de intelig�ncia da seguran�a p�blica.
Em Foz do Igua�u (PR), organiza��o chamada Primeiro Comando Paranaense j� foi mapeada pelos �rg�os de seguran�a. Em cadeias de S�o Lu�s e do interior, ficou confirmada a exist�ncia do Primeiro Comando do Maranh�o. Na Bahia tem um bra�o forte do Primeiro Comando da Capital, conhecido por PCC, nascido na Casa de Cust�dia de Taubat� (SP). Sem contar as brigas internas que geraram, no Rio de Janeiro, os Amigos dos Amigos (ADA), os Inimigos dos Inimigos (IDI), os Amigos de Israel (AI), entre outros. Em S�o Paulo, o Comando Democr�tico da Liberdade (CDL) surgiu em oposi��o � sanha arrecadat�ria do PCC.
Policiais, procuradores e promotores de Justi�a, administradores penitenci�rios, entidades ligadas � quest�o prisional, parlamentares e acad�micos ouvidos pelo Estado de Minas s�o cuidadosos em tratar do assunto. Muitos exigem anonimato para falar do tema e evitam pronunciar as siglas. � un�nime, entretanto, a opini�o de necessidade de vigil�ncia total. Diretor-geral do Departamento Penitenci�rio do Paran�, Maur�cio Kuehne n�o esconde a realidade. “Reconhecemos que existem fac��es criminosas dentro dos pres�dios, mas n�o entramos em detalhes por uma quest�o de seguran�a. Posso dizer que eles s�o monitorados”, afirma Kuehne, que � promotor de Justi�a aposentado.
Em Santa Catarina, o PGC surgiu em 2003, segundo o promotor de Justi�a Alexandre Graziotin, coordenador do Grupo de Atua��o Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do estado. Segundo ele, h� outras fac��es menores e pelo menos dois ter�os da massa carcer�ria est�o ligados a algum grupo. “Virou uma quest�o de sobreviv�ncia dentro das unidades estar associado a alguma lideran�a.” O promotor explica que o PGC foi criado por detentos que retornaram �s cadeias catarinenses depois de uma temporada em pres�dios federais. “L�, tiveram contatos com membros do PCC e trouxeram a ideia, tanto que o estatuto � muito semelhante ao da fac��o de S�o Paulo”.
OBST�CULOS
Apesar das informa��es coletadas, Graziotin ressalta as d�vidas que ainda pairam a respeito do grupo. “Sabemos que h� um comando, disciplina, repasse de informa��es. Mas de onde vem o dinheiro e se a pr�tica criminosa dos membros � independente ou se eles se re�nem s�o alguns dos pontos em apura��o”, afirma. O deputado federal Domingos Dutra, relator da CPI do Sistema Carcer�rio, destaca que, mais ou menos organizadas, as fac��es est�o presentes em praticamente todo o pa�s. No relat�rio feito pela comiss�o, que visitou pres�dios de norte a sul em 2009, est�o as provas inequ�vocas da exist�ncia dos grupos organizados.
No Mato Grosso do Sul, em letras douradas, o grupo flagrou uma mensagem de Feliz Natal assinada pelo Primeiro Comando de Mato Grosso do Sul pregada na parede do p�tio do pres�dio. Em uma unidade do Cear�, a comiss�o encontrou um corpo pendurado em uma corda, com um cadeado na boca e um cartaz no pesco�o escrito: “PCC”. Na Bahia, foram levantadas informa��es de que a mesma fac��o havia pagado inscri��es do concurso para agente penitenci�rio a “irm�os”. Os funcion�rios s�o pe�a-chave para garantir a entrada de celulares, armas e drogas nas cadeias.
SEM PUNI��O
Procurador de Justi�a de S�o Paulo, Gabriel C�sar Inellas ressalta que a corrup��o est� no cerne dessas organiza��es. “O problema � a impunidade. O mau policial, o mau agente penitenci�rio e os pr�prios criminosos sabem que nada acontecer�. As penas est�o cada vez menores, estamos brincando de combater a viol�ncia”, lamenta Inellas. Para o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), delegado da Pol�cia Federal e integrante da Comiss�o de Seguran�a P�blica da C�mara, a cria��o dos grupos v�m da situa��o degradante a que o preso � submetido e da gan�ncia pelo dinheiro f�cil oriundo do crime. Ele apresentou projetos para coibir o avan�o dos grupos. Um deles estabelece para o Brasil regime de disciplina dentro das penitenci�rias inspirado no modelo norte-americano. “Interfone para o preso falar com advogado, banho de sol sozinho, fim de visita �ntima. � preciso desorganiz�-los.”
Enquanto isso...
… Legisla��o defasada
Enquanto o pa�s assiste a ondas de viol�ncia capitaneadas por fac��es criminosas — como a enfrentada por S�o Paulo no ano passado, com saldo de mais de 300 mortos em tr�s meses; ou os ataques a �nibus, carros e bases da pol�cia no Rio de Janeiro, em 2010 —, a legisla��o penal n�o prev� sequer a exist�ncia de tais grupos. O Projeto de Lei 6.578/2009, na Comiss�o de Constitui��o e Justi�a (CCJ) do Senado, tipifica as organiza��es criminosas, atualizando conceitos ultrapassados de bando ou quadrilha, da d�cada de 1940, e aumentando as penas. A puni��o passa a ser de tr�s a oito anos de pris�o. Hoje, � de um a tr�s anos. Se aprovado na CCJ, seguir� ao plen�rio do Senado e, depois, caso n�o haja modifica��es, para san��o presidencial.