Esther Ballestrino de Careaga era comunista e ateia. No entanto, gra�as ao cardeal Jorge Bergoglio, atual papa Francisco, ela est� enterrada no jardim da frente da Igreja da Santa Cruz, no bairro portenho de San Crist�bal. Esther, uma bioqu�mica, foi chefe do jovem t�cnico qu�mico Bergoglio, quando ele tinha 21 anos, em um laborat�rio de controle de alimentos em Buenos Aires. No entanto, entre a amizade dos dois - que incluiu longas conversas sobre marxismo e o empr�stimo m�tuo de livros - e o enterro de Esther transcorreu quase meio s�culo de turbulenta Hist�ria argentina.
Esther nasceu no Uruguai e criou-se no Paraguai. Mas teve de exilar-se na Argentina em 1947, quando foi perseguida pela ditadura paraguaia por suas atividades como militante de esquerda e l�der feminista.
Na biografia O Jesu�ta, escrita pelos jornalistas Francesca Ambroggetti e Sergio Rubin, Bergoglio conta que Esther foi uma “chefe extraordin�ria, simpatizante do comunismo. Eu gostava muito dela. Me ensinou a seriedade do trabalho. Realmente, devo muito a essa mulher”. Na �poca, Bergoglio estava come�ando os estudos religiosos.
As m�es de jovens desaparecidos, preocupadas pelo paradeiro de seus filhos, come�aram a reunir-se para pedir sua libera��o. Esther, que teve sua filha Ana Mar�a Careaga sequestrada em 13 de junho de 1977 e liberada em outubro do mesmo ano, participou desde o in�cio de um desses grupos que deu origem �s M�es da Pra�a de Maio. As reuni�es eram realizadas na Igreja de Santa Cruz, no bairro de San Crist�bal.
Um dia, quando as freiras e o grupo das m�es tentavam arrecadar fundos para publicar um an�ncio nos jornais com a lista dos desaparecidos, apareceu Gustavo Nino, um jovem loiro de olhos azuis, que apresentou-se como irm�o de um desaparecido. As m�es e as freiras encantaram-se com aquele rapaz calado, doce e am�vel com cara de menino e o aceitaram no grupo.
Mas Ni�o era o tenente da Marinha Alfredo Astiz, um dos mais cru�is torturadores da ditadura. Semanas depois, entre os dias 8 e 10 de dezembro de 1977, um comando enviado por Astiz sequestrou 12 pessoas do grupo, levando-as para a Escola de Mec�nica da Armada, o mais sinistro campo de deten��o da Ditadura. Das mais de 5 mil pessoas que ali foram torturadas, menos de 150 sobreviveram.
Entre os dias 17 e 18 de dezembro de 1977, Esther foi dopada, colocada em um avi�o da Marinha e - junto com outras prisioneiras - jogada viva sobre o Rio da Prata. No dia 20, a mar� levou o cad�ver da bioqu�mica feminista at� as praias do balne�rio de Santa Teresita. Os m�dicos que examinaram o corpo de Esther e suas companheiras verificaram na aut�psia que, por causa do tipo de fraturas �sseas, a causa da morte havia sido o “choque contra objetos duros desde grande altura”. Todos os corpos foram enterrados como indigentes desconhecidos no cemit�rio da cidade de General Lavalle.
Em 2005, o juiz federal Horacio Cattani, que investigava casos de desaparecidos da ditadura, descobriu que um dos restos mortais - segundo os exames de DNA - pertencia a Esther. Em 24 de julho, Bergoglio intercedeu para cumprir o desejo dos parentes de Esther, Maria Ponce de Bianco e Azucena Villaflor, de enterrar suas cinzas no jardim da Igreja de Santa Cruz.