O desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, ap�s ter sido detido por policiais militares no Rio de Janeiro, reacendeu o debate sobre casos parecidos que v�m sendo denunciados nos �ltimos anos no Brasil. No entanto, n�o h� dados oficiais consolidados que permitam avaliar a frequ�ncia e quantidade desse tipo de ocorr�ncia.
O alerta � do soci�logo F�bio Alves Ara�jo, professor do Instituto Federal de Educa��o, Ci�ncia e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e autor da tese Das Consequ�ncias da “Arte” Macabra de Fazer Desaparecer Corpos: Viol�ncia, Sofrimento e Pol�tica entre Familiares de V�timas de Desaparecimentos For�ados.
“Faltam dados que nos permitam ter uma compreens�o clara sobre a quest�o dos desaparecimentos for�ados em geral e daqueles que envolvem policiais em particular”, disse o soci�logo. Para a tese, o soci�logo cruzou dados do Instituto de Seguran�a P�blica (Insp) do Rio de Janeiro com boletins de ocorr�ncia recentes, al�m de conversas com parentes de mais de 20 pessoas desaparecidas ap�s uma a��o policial. “Todos os relatos que ouvi apontam para outros casos n�o documentados cujos parentes das v�timas t�m medo de falar”.
Ara�jo verificou que o n�mero de registros de desaparecimentos em geral vem crescendo ao longo dos anos. “Os dados s�o muito gen�ricos, mas s� os do Insp apontam que, entre janeiro de 1991 e 2013, foram registrados 91.807 casos de desaparecimentos no Rio de Janeiro. N�o h� como saber quantos desses s�o for�ados", disse, acrescentando que n�o � poss�vel saber quantos teriam envolvimento de policiais.
“� necess�rio termos uma radiografia mais ampla do problema. Al�m disso, � necess�rio criarmos condi��es que permitam aos parentes denunciar esses casos. Eles s�o os principais interessados em discutir esse assunto, mas como muitos vivem sujeitos a um regime de muita viol�ncia, eles t�m medo de denunciar”, acrescentou. Para o pesquisador, as corregedorias e ouvidorias das pol�cias militares e civis n�o s�o espa�os adequados para encorajar as den�ncias. "As experi�ncias com a pol�cia criam nessa pessoas uma rela��o de muita desconfian�a. Por isso eu acho que esses mecanismos tem que ser externos".
Ara�jo destaca outro aspecto do problema. “Enquanto os autos de resist�ncia e o n�mero de homic�dios v�m caindo, os casos de desaparecimentos, proporcionalmente, aumentaram. Isso talvez indique que a quest�o seja a forma como a viol�ncia est� sendo registrada”.
O Minist�rio da Justi�a e a Secretaria de Direitos Humanos foi procurado, mas nenhum dos �rg�os tem dados sobre o total de den�ncias de desaparecimentos com o envolvimento policial. Para o soci�logo, o caso Amarildo colocou o assunto em pauta, mas n�o � um fato isolado. “H� muitos casos de desaparecimentos for�ados acontecendo cotidianamente, desde sempre. E o envolvimento de policiais em algumas ocorr�ncias tamb�m � comum. [...] O sumi�o do Amarildo nos permite debater os desaparecimentos for�ados como um problema p�blico e refletirmos sobre a viol�ncia policial”, disse.
Alvos da pol�cia
S� em Goi�nia h� suspeitas de que ao menos 39 pessoas tenham sumido ap�s serem alvos de a��o policial. Entre os “Amarildos goianos” est� Murilo Soares, que tinha 12 anos quando desapareceu, em abril de 2005. V�rias pessoas testemunharam � Justi�a o momento em que policiais pararam e revistaram o carro em que estava o garoto. O ve�culo foi encontrado dias depois, carbonizado. "Eu tamb�m queria saber onde est� o meu filho. Eu queria que os governantes, as autoridades, tamb�m me ajudassem”, disse a m�e do garoto, a dona de casa Maria das Gra�as, na semana passada.
No Distrito Federal, outro caso envolve o auxiliar de servi�os gerais, Ant�nio Pereira, 32 anos, que foi visto pela �ltima vez em maio deste ano, em Planaltina, a cerca de 50 quil�metros do centro de Bras�lia. Segundo relatos da fam�lia � imprensa local, algumas pessoas contaram ter visto Ant�nio ser preso depois de, supostamente, tentar roubar uma ch�cara.
N�o h�, contudo, registro policial da ocorr�ncia. A Pol�cia Civil e a Corregedoria da Pol�cia Militar (PM) investigam a suspeita de envolvimento de policiais. Procurada, a assessoria da PM n�o respondeu � reportagem, por e-mail, at� a publica��o do texto. J� a Pol�cia Civil informou apenas que o caso foi transferido para a Divis�o de Repress�o a Sequestros. “As investiga��es est�o em andamento e, no momento oportuno, a autoridade policial ir� se manifestar”. A reportagem n�o conseguiu contato com os parentes de Pereira.
Em S�o Paulo, em setembro de 2010, o vigilante Emerson Heida, 28 anos, e o metal�rgico Edson Edney da Silva, 27 anos, foram parados por policiais militares enquanto passavam, de carro, por uma movimentada avenida da zona sul. Anderson Heida, que havia acabado de descer do carro e entrado em um �nibus, testemunhou de longe o momento em que os policiais abordaram seu irm�o e Silva. Os corpos de Heida e de Silva foram encontrados tempos depois. O de Silva estava carbonizado e identificado por meio de exames de DNA.
Segundo a imprensa noticiou na �poca, o carro, um Kadett, estava registrado no nome da sogra de Heida. O licenciamento do ve�culo estava atrasado e Emerson n�o tinha carteira de motorista. Ele havia cumprido pena por assalto a m�o armada, mas h� tr�s anos trabalhava. Em novembro de 2010, quatro policiais suspeitos de assassinar os dois amigos foram presos. Na viatura dos policiais, foram identificados vest�gios de sangue compat�vel com o de Heida. Em novembro de 2011, o tenente Mauro da Costa Ribas J�nior foi condenado por duplo assassinato. Os tr�s soldados denunciados foram absolvidos.
Procuradas, a secretaria estadual de Seguran�a P�blica e a Pol�cia Militar n�o informaram quantas den�ncias semelhantes foram registradas nos �ltimos anos. A corregedoria da PM tamb�m n�o respondeu �s perguntas enviadas pela reportagem sobre os casos de Heida e Silva.
Como o C�digo Penal s� tipifica os casos de desaparecimento de forma gen�rica, em S�o Paulo, como na maioria das outras unidades da Federa��o, os desaparecimentos for�ados s�o contabilizados junto a outros casos de sumi�os, mesmo quando h� a suspeita de envolvimento policial. A men��o � suposta participa��o policial pode constar no boletim de ocorr�ncia, no espa�o destinado ao hist�rico. Como n�o h�, contudo, uma categoria espec�fica para esse tipo de ocorr�ncia e o hist�rico n�o � pesquisado, � necess�rio verificar as ocorr�ncias caso a caso. Assim, a reportagem foi informada que os dados ainda teriam que ser tabulados.