O adolescente M. tem s� 15 anos e j� foi engolido pelo v�cio do crack. Ele largou a fam�lia, saiu da escola, se afastou dos amigos de inf�ncia e trocou as brincadeiras em Sarzedo, na regi�o metropolitana, pela depend�ncia, que o faz perambular pelas ruas do Bairro Lagoinha, em Belo Horizonte. O olhar est� distante e assustado e o corpo, franzino. O isqueiro que carrega denuncia o caminho de pedras por onde ele anda. M. n�o est� sozinho, vive o drama de uma epidemia que continua se espalhando por todos os lados. Ontem, o governo federal divulgou a maior pesquisa exclusiva sobre consumo de crack j� feita no pa�s. A estimativa � de que 53 mil das 382 mil pessoas que fumam a pedra regularmente nas capitais s�o crian�as e adolescentes, 14% do total.
Treze mil menores est�o no Sudeste, segundo o trabalho da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Minist�rio da Sa�de, em parceria com a Secretaria Nacional de Pol�ticas sobre Drogas (Senad), do Minist�rio da Justi�a. Os dados por capital n�o foram divulgados, mas levantamento feito pelo EM na �nica comunidade terap�utica credenciada para o tratamento de menores em Minas mostra que o atendimento dobrou em dois anos. Este ano, dos 48 menores internados na Casa do Adolescente, em Contagem, 30 usavam crack.
Com exce��o da maconha, haveria 1,35 milh�o de usu�rios de drogas. Esta parte da pesquisa foi feita com 25 mil pessoas visitadas em domic�lios no ano passado. O levantamento considerou uso regular de drogas o consumo em pelo menos em 25 dias nos seis meses anteriores � entrevista, conforme defini��o da Organiza��o Panamericana de Sa�de.
Segundo a pesquisa, 40% dos usu�rios est�o no Nordeste, e 80% dos entrevistadas que admitiram fumar a pedra s�o homens. Este mesmo percentual � aplicado aos n�o brancos e a quem usa em local p�blico. O eletricista Eduardo Nonato, de 40 anos, conta que chega a passar dois dias fora de casa, fumando muitas pedras por dia na Lagoinha. “Tentei parar muitas vezes, mas o v�cio � mais forte. Por causa do crack, perdi minha mulher e muitos bens”, lamenta
A pesquisa mostrou que a escolaridade dos usu�rios � baixa, 40% vivem nas ruas e dependentes do crack t�m oito vezes mais HIV. A droga � presen�a alta e constante n�o s� nas capitais. P�mela Lorena dos Santos come�ou a fumar a pedra h� cinco anos, quando morava em Governador Valadares. Diz ter sido expulsa de casa e hoje vive no passeio da Avenida Ant�nio Carlos. “J� roubei e trafiquei para conseguir crack, mas fui presa e fiquei mais na minha. Hoje consigo no papo”, conta ela, que largou a escola aos 14. De acordo com os dados, 65% fazem “bicos” para sobreviver e 55% estudaram da 4ª � 8ª s�rie do ensino fundamental.
TRATAMENTO Em Minas, um indicativo do avan�o da pedras entre menores s�o as estat�sticas da Casa do Adolescente, a �nica comunidade terap�utica que recebe menores entre 12 e 17 anos: em 2011, 14 dos 70 internados eram dependentes de crack; em 2012, 20 dos 70 adolescentes atendidos fumavam; e este ano, at� o ontem, j� s�o 30 entre os 48 internados para tratamento.
“� um aumento gritante e perigoso. Esse adolescente normalmente chega com hist�rico de evas�o escolar e defasagem grande de aprendizado, al�m da falta de presen�a da fam�lia, embora tenha v�nculo familiar. S�o poucos os que vivem situa��o de rua”, descreve o coordenador da comunidade terap�utica Giovani Alexandre da Silva.
Para o presidente do Centro de Refer�ncia Estadual em �lcool e Drogas (Cread - SOS Drogas), Amauri Costa In�cio da Silva, o f�cil acesso � droga � um dos maiores problemas. O n�mero de pessoas buscando tratamento aumentou na entidade. A pesquisa da Fiocruz confirma: 80% dos usu�rios querem se tratar. Amauri destaca, por�m, que a maior preocupa��o � com o adolescente. “Eles s�o curiosos e desafiadores. Acham que podem experimentar sem se viciar”, avalia. “No passado, precisava-se ir � boca de fumo para conseguir droga, mas hoje o consumo est� exposto.
Em BH, segundo o membro da Coordena��o Colegiada de Sa�de Mental do SUS-BH Paulo C�sar Machado Pereira, os menores abordados nos quatro consult�rios de rua em atua��o inalam drogas como t�ner. “As nossas crian�as n�o t�m h�bito de crack”, diz.
GRAVIDEZ E PROSTITUI��O
Embora apenas 20% dos usu�rios sejam do sexo feminino, a pesquisa da Fiocruz alerta para a situa��o de risco para mulheres. E 30% j� apelaram ao sexo para manter o v�cio e 10% disseram estar gr�vidas. Quase a metade j� havia engravidado ao menos uma vez desde que passou a fumar crack (46,6%).
Os n�meros indicam que o tempo m�dio e a frequ�ncia de uso da droga s�o maiores entre homens, mas mais intenso entre mulheres. Entre as entrevistadas, a m�dia de consumo � de 21 pedras por dia, enquanto os homens admitem usar 13 pedras de crack.
Marta Pereira de Souza, de 30, tem seis filhos e acha que est� gr�vida de novo. Ela � viciada desde os 18 e conta que se prostitui para conseguir a droga. “J� fui para motel v�rias vezes para fumar com os caras e ganhar dinheiro”, afirma, garantindo que usa preservativo. “S� n�o admito crian�a fumando perto de mim: n�o empresto isqueiro nem dou cigarro. As m�es come�am a fumar e abandonam os filhos e esses meninos s�o casos de desprezo e da falta de di�logo.”
Quase 40% dos usu�rios de crack informaram n�o usar preservativos e 44,5% das mulheres disseram ter sofrido viol�ncia sexual. “O principal da pesquisa � a caracteriza��o desse usu�rio. O fato de existir 370 mil pessoas vulner�veis e com riscos � sa�de, entre elas 50 mil menores com v�nculos fragilizados com escola e fam�lia, � muito preocupante”, alerta o secret�rio nacional de Pol�ticas sobre Drogas, Vitore Maximiano. “A pesquisa mostra que muitas mulheres sofrem viol�ncia sexual, n�o usam preservativos e n�o t�m cuidados com gesta��o por causa da droga”, completa.