Contrariando uma decis�o do in�cio de seu mandato, a presidente Dilma Rousseff sancionou na Lei de Diretrizes Or�ament�rias (LDO) deste ano regra que permite repasse de recursos para que entidades privadas sem fins lucrativos da �rea de sa�de, incluindo organiza��es n�o governamentais (ONGs), fa�am obras e ampliem suas instala��es.
A medida � alvo de cr�ticas e chegou a ser vetada pela pr�pria presidente, no ano retrasado, por permitir o aumento de patrim�nio de institui��es particulares, sem mecanismos eficientes de controle de gastos. O governo agora alega que a mudan�a assegura as “condi��es necess�rias” para que as entidades prestem servi�o no �mbito do Sistema �nico de Sa�de (SUS).
A nova norma � reivindica��o antiga do setor e vem ap�s negocia��es com o ministro da Sa�de, Alexandre Padilha, prov�vel candidato pelo PT ao governo de S�o Paulo na elei��o deste ano. Na gest�o da presidente, que vai tentar a reelei��o, a �rea da sa�de � umas das mais mal avaliadas pelas pesquisas de opini�o.
A norma vale para as institui��es que obtenham a certifica��o de entidades beneficentes de assist�ncia social (Cebas). A lista inclui Santas Casas de Miseric�rdia, comunidades terap�uticas para o tratamento de dependentes qu�micos e ONGs. A regra geral � a comprova��o de 60% de atendimento pelo SUS. No ano passado, no entanto, uma lei aprovada no Congresso reduziu algumas das exig�ncias e abriu caminho para que mais entidades recebessem o “selo” de filantr�picas.
Por meio de parcerias, incluindo conv�nios, o Minist�rio da Sa�de transferiu R$ 1,08 bilh�o para entidades privadas sem fins lucrativos no ano passado. Os repasses da Uni�o para “obras f�sicas” em geral sofrem restri��es desde os anos 1990.
Na LDO de 2012, a presidente barrou artigo que permitia o uso de dinheiro federal para a “constru��o, amplia��o e conclus�o” de entidades privadas das �reas de sa�de e tamb�m de assist�ncia social e educa��o especial. Na ocasi�o, Dilma argumentou que isso permitiria o aumento do patrim�nio dessas entidades “sem fixar medidas que assegurem a continuidade da presta��o de servi�os p�blicos em termos condizentes com os montantes transferidos.”
O veto se deu no mesmo ano em que esc�ndalos de corrup��o em conv�nios com ONGs derrubarem os ent�o ministros do Trabalho, Carlos Lupi (PDT-RJ), e do Esporte, Orlando Silva (PC do B-SP). Na �poca, reagindo �s den�ncias, o Planalto tomou uma s�rie de medidas para restringir repasses para essas entidades.
A Lei de Diretrizes Or�ament�rias de 2013 n�o tratou do assunto. No projeto da LDO de 2014, enviado ao Congresso, o governo permitia liberar dinheiro apenas para obras em entidades de tratamento de c�ncer, atendendo a uma demanda das Santas Casas. Em seu relat�rio, o relator da proposta, deputado Danilo Forte (PMDB-CE), ampliou o benef�cio para as demais entidades da �rea de sa�de, o que foi aprovado em plen�rio e sancionado por Dilma. “N�o se podia privilegiar s� um setor em detrimento dos demais”, justifica o relator.
Para a presidente da Associa��o Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira, o poder p�blico “n�o pode usar dinheiro para patrocinar a forma��o de patrim�nio de entidades privadas, ainda que classificadas como filantr�picas”. Segundo ela, sem norma espec�fica para disciplinar os limites desses repasses, h� risco de os recursos serem usados em obras que beneficiem planos de sa�de. “Os impostos devem ser destinados ao financiamento de bens que fiquem integralmente � disposi��o do atendimento p�blico.”
Atendimentos
O presidente da Confedera��o das Santas Casas de Miseric�rdia (CMB), Saulo Coelho, argumenta que o setor � respons�vel por cerca de 50% dos atendimentos na rede p�blica. “Qual � o problema de se aumentar o patrim�nio, se o dinheiro est� sendo usado no SUS? N�o estamos fazendo piscinas”, rebate, acrescentando que os recursos para obras, em geral, s�o de f�cil fiscaliza��o.
A professora L�gia Bahia, do Instituto de Sa�de Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a medida tamb�m � question�vel como pol�tica p�blica, pois falta investimento paralelo na manuten��o dos servi�os de sa�de. “A gente tem de ter obras. Mas temos de ter obras com custeio e o que ocorre � uma dissocia��o. No ano eleitoral tem um monte de entregas; depois, um total ‘desfuncionamento’”, critica. Outro problema, segundo ela, � que as verbas costumam ser direcionadas por emendas parlamentares, seguindo crit�rios “pol�tico-partid�rios”.
'Reconhecimento'
O Minist�rio do Planejamento informou que a libera��o de recursos para obras � fruto do “reconhecimento da import�ncia de se assegurar as condi��es necess�rias para a continuidade da realiza��o do trabalho” das entidades. Em nota, a pasta ponderou que a regra vem em contexto jur�dico novo, de mais controle do setor. Segundo a pasta, a nova Lei da Filantropia, de outubro de 2013, introduz regras de fiscaliza��o para comprovar a presta��o de servi�os que impactam “o recebimento de recursos para realiza��o de obras”. O minist�rio explicou que, al�m do Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) e Controladoria-Geral da Uni�o (CGU), o Minist�rio da Sa�de tem mecanismos de controle das verbas.
A Sa�de alegou que, al�m da comprova��o do car�ter beneficente, h� pr�-requisitos a serem cumpridos pelas institui��es. “Tais entidades devem apresentar os projetos ao minist�rio, que far� a an�lise t�cnica e econ�mica antes de liberar os recursos.” Aprovado o projeto, disse, a verba � repassada � Caixa Econ�mica Federal, que monitora as constru��es. A pasta disse que “todas as obras” v�o atender “gratuitamente os pacientes do SUS” e que a altera��o na LDO visava a viabilizar instala��es para equipamentos mais modernos de radioterapia.