"A gente achava que tsunami s� acontecia na �sia, mas veja isso", dizia nesta ter�a-feira, 14, o aposentado Teodoro Verg�lio de Almeda, de 74 anos, com barro at� o joelho, na porta da casa da filha, no bairro Lageado, a tr�s quil�metros do centro de Itaoca, no Alto Ribeira, a 343 km de S�o Paulo. Ao redor deles, m�veis, colch�es, roupas e utens�lios se misturavam a montes de troncos, galhos e pedras sobre o que antes era uma rua. At� o final da tarde, os bombeiros tinham encontrado os corpos de 12 das 20 prov�veis v�timas da trag�dia.
Uma tromba d'�gua atingiu a zona rural, entre a noite de domingo, 12, e madrugada de segunda-feira, 13, e fez com que as �guas do rio Palmital, que corta a cidade, descessem como uma avalanche, arrancando �rvores, pedras, pontes e arrastando pontes, casas, carros e gente. "Ouvi barulho de pedras batendo, �rvores quebrando e a luz apagou. Quando sa� para ver meu carro, vi s� o cap� brilhar no escuro, no meio do redemoinho", contou Jean Carlos dos Santos, de 28 anos, morador de Sumar� que passava uns dias com a fam�lia na cidade. Quando amanheceu, ele achou o carro a trezentos metros, sobre uma pilha de troncos. "Gra�as a Deus a casa n�o foi atingida."
J� a lavadeira Maria Aparecida Mota, de 60 anos, acordou com uma onda invadindo o quarto e levantando a cama. "Gritei para as minhas filhas, vamos pra fora." Ela se lembra que saiu com �gua quase no pesco�o e viu o sobrinho Fernando ser atingido no peito por um tronco como um ar�ete. Ele puxava o pai, Diocleciano, e a irm� Valquiria, pelos bra�os para fora da correnteza quando foi atingido. "O pau deu no peito e ele afundou, mas conseguiu se recuperar, s� que n�o alcan�ou mais os dois." O corpo de Valqu�ria era velado nesta ter�a na C�mara Municipal, mas o de Di�, como a fam�lia chamava o pai, ainda n�o tinha sido achado. "Fernando foi medicado, mas est� como se tive morrido tamb�m", conta a mulher.
Na trag�dia de Itaoca, n�o houve tempo para vel�rio coletivo. Os corpos eram velados e enterrados � medida que iam sendo achados entre os montes de entulhos deixados pela torrente. No cemit�rio municipal, as covas eram abertas na terra e recebiam uma plaquinha em papel sulfite s� com o primeiro nome do falecido. O coveiro Maur�cio Rosa Rodrigues, de 56 anos, ganhou o refor�o de dois ajudantes. "Em 20 anos, nunca vi tanta morte junta", contou. "J� t�m sete sepultados. Ali enterrei a mulher e a filha, Silvana, junto com a m�e. A cova vazia � para o marido dela que ainda n�o foi achado."
O agricultor Jo�o de Souza, de 40 anos, ganhou o respeito dos vizinhos depois que salvou a vida do aposentado Jo�o Dias da Rosa, de 87 anos, que � paral�tico, e da irm� dele, Santina Dias da Rosa, de 61. O idoso estava no sof� quando a �gua invadiu. A mulher tentou correr, caiu e foi arrastada. "J� me contava como morta, quando ele nos levou pelos fundos." Na casa vizinha, Miriam de Almeida Gon�alves, de 44 anos, se abra�ou �s filhas Giovana, de 11, e Graziele, de 5, enquanto a �gua jorrava pela janela. "O fog�o rodou, o arm�rio caiu e entramos em desespero. Sorte que a for�a da �gua abriu a porta da cozinha e nos empurrou para fora."
Na cidade, o ambiente era de guerra. Caminh�es, viaturas dos bombeiros, carros oficiais e ve�culos trazendo alimentos, �gua e roupas se juntavam num estranho congestionamento no que sobrou das ruas entre montes de galhos que lembravam desfiladeiros. �s 17h30, havia 56 bombeiros de Apia�, Sorocaba e Cap�o Bonito em busca de pessoas ilhadas e de corpos, com a ajuda de c�es farejadores e um helic�ptero. O sargento Agnaldo Ferreira, de Sorocaba, contou ter retirado de barco um idoso de 95 anos que tinha mal de Alzheimer. Uma crian�a com febre tamb�m foi resgatada - duas pontes sobre o Palmital ca�ram e deixaram muita gente ilhada.
Havia ainda mais de trezentos desalojados e vinte desabrigados. A Defesa Civil contabilizava 19 casas destru�das, n�mero que deveria crescer. As buscas por corpos se concentravam no bairro Guarda M�o, onde uma fam�lia inteira, com seis pessoas, estava desaparecida. De acordo com o coronel Marco Aur�lio Alves Pinto, comandante da for�a-tarefa, al�m das buscas e resgates, j� se iniciava o trabalho de reconstru��o dos servi�os p�blicos afetadas. A energia tinha sido restabelecida em 80% da cidade - mais de tr�s quil�metros de rede, incluindo postes, ca�ram -, e o servi�o de �gua voltava ao normal. M�quinas da prefeitura, Departamento de Estradas de Rodagem (DER), empresas e outras prefeituras da regi�o ajudavam a remover os entulhos.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que voltou � cidade na manh� desta ter�a-feira - j� havia estado no dia anterior -, anunciou a reconstru��o das duas pontes destru�das e a constru��o de 90 casas para as fam�lias que perderam im�veis, al�m de um benef�cio social de R$ 300 durante seis meses e R$ 1 mil por fam�lia para a compra de materiais de constru��o. A triagem ser� feita pela prefeitura, com apoio de �rg�os do governo. A esperan�a � de que, em uma semana, a cidade de 3.219 habitantes comece a voltar ao normal.