Em uma pequena sala comercial, no Bairro de Peixinhos, em Olinda, v�rios tambores ficam espalhados pelo ch�o. Esta � a sede do grupo de maracatu Maracambuco. Al�m dos instrumentos de percuss�o, que fazem parte da ess�ncia do carnaval de Pernambuco, o que mais chama a aten��o � o colorido das fantasias dos orix�s, como a de Ogum, Deus do Ferro e da Guerra, e de Iemanj�, a Rainha do Mar.
Praticantes do candombl� representam essas divindades ao longo de toda o carnaval, nos grupos de maracatu. A religi�o, de matriz africana, encontrou na folia espa�o para expor a f�, que tevem origem com os escravos.
A calunga � t�o importante que tem uma dama s� para carreg�-la. No Maracambuco, a guardi� � a operadora de telemarketing Karla Nascimento, respons�vel por carregar n�o apenas a responsabilidade, mas tamb�m o peso da boneca, toda feita de madeira. “Ela pesa em torno de 15 quilos. Quando estou dan�ando, pesa ainda mais, tenho que ficar mudando de bra�o”, conta Karla.
No grupo, a mistura de festa e religi�o tamb�m vem com mais um elemento: a a��o social. O auxiliar de servi�os gerais J�nior Monteiro � percussionista do grupo. Participa dos ensaios todas as quintas-feiras. Al�m de aprender a tocar, ele recebe orienta��o profissional. “Aqui eu consegui meus documentos. Antes, eu fugia para n�o ter que correr atr�s da minha documenta��o, mas no Maracambuco aprendi a import�ncia de ter tudo certinho para o meu futuro profissional”, diz Monteiro.
Um dos momentos mais esperados por todos os maracatus � a Noite dos Tambores Silenciosos. No dia da festa, todo mundo capricha no visual e ensaia muito para a noite que � considerada a apoteose. O lugar escolhido para o encontro dos grupos e para o culto �s divindades de origem africana n�o � um terreiro do candombl�, e sim o p�tio da Igreja Cat�lica de Nossa Senhora do Ros�rio dos Homens Pretos.
A mistura de religi�es tamb�m nasceu na senzala, de acordo com o presidente do maracatu Le�o Coroado, o pai de santo Afonso Filho. “Esta foi a primeira igreja que abriu as portas para nossos ancestrais. Antes, eles eram enterrados como cachorros [sem identifica��o], n�o tinham nome certo nem direito a um batismo. Mas a Igreja do Ros�rio dos Homens Pretos mudou tudo isso, abriu as portas para nosso povo, est� a� uma coisa que a gente n�o esquece nunca.”
Todos os nove maracatus de Olinda participam da festa, onde se purificam para o carnaval, fazem um culto aos ancestrais e ainda se apresentam para os foli�es no sobe e desce das ladeiras. Cada grupo tem um rei e uma rainha, com suas roupas soberanas. Isso para lembrar os antepassados, que conseguiam roupas velhas dos senhores de engenho para usar, de forma escondida, nos cultos religiosos.
O pr�prio nome do festejo, Noite dos Tambores Silenciosos, � justamente para homenagear aqueles que eram obrigados a esconder a pr�pria f�, como explica o babalorix� e pai de santo Ivo de Xamb�. “Faziam cultos em sil�ncio, quando na verdade sonhavam em tocar os tambores para nossas divindades.”
Para que os tambores n�o se calem nunca mais, � meia-noite todos os grupos tocam juntos, bem alto, e cantam as loas, que s�o os louvores. Depois, seguem pelas ladeiras de Olinda e se despedem de centenas de pessoas que acompanham os rituais.
Em Olinda, os maracatus ganham cada vez mais espa�o. O grupo Maracambuco foi escolhido como um dos homenageados do Carnaval 2014. No ano passado, o grupo recebeu a Ordem do M�rito Cultural, a mais alta condecora��o oferecida pelo Minist�rio da Cultura. Para o fundador do Maracambuco, � o sinal de que os maracatus est�o conseguindo seu lugar. “Maracatu n�o � s� cultura, � hist�ria que n�o pode ser apagada. Sofremos muito preconceito, mas somos filhos de Iemanj�, muito persistentes. No fim, quem manda � o mar”, diz Nilo Oliveira.