Acordar antes do sol nascer, caminhar at� a beira de um rio agitado, entrar em um bote ou em uma lancha de pequeno porte para, em meio � chuva caracter�stica da Regi�o Norte, ir � escola. Essa � a rotina de muitas crian�as ribeirinhas. Dependendo da �poca do ano, � comum que o embarque e desembarque sejam feitos na lama, devido �s mudan�as causadas nas margens, pela correnteza e pelas varia��es entre per�odos de seca e de cheia nos rios.
Para evitar que isso resulte em evas�o escolar, 674 lanchas escolares – projetadas e fabricadas pela Marinha com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa��o (FNDE) – deveriam estar circulando pelos rios brasileiros. Mais da metade delas, na Amaz�nia, onde o transporte fluvial � o mais popular. O problema � que roubos de motores e defeito em pe�as acabam fazendo com que parte delas fiquem inutilizadas.
“A lancha da nossa comunidade � bem equipada, mas, infelizmente, est� quebrada desde abril de 2013. A burocracia � muito grande para consertar”, disse o condutor Arlen Sanches, 42 anos. Ele � respons�vel pelo transporte de 24 crian�as de cinco comunidades at� a escola de Santa Maria, no Rio Negro, a cerca de 100 quil�metros a oeste de Manaus.
Professora na escola da comunidade, Cristina Pereira Lameiras, 32 anos, diz que a solu��o foi passar a usar um bote com motor para o transporte das crian�as. Segundo o condutor, entretanto, o novo transporte � mais perigoso, principalmente por causa do risco de bater em pedras e de virar por causa dos banzeiros [marolas naturais ou provocadas por embarca��es]. “Sem pr�tica, o bote vira mesmo”, disse Sanches. “Nossa sorte � que ele [Sanches] � uma pessoa muito cautelosa, que conhece os riscos e os evita”, destacou a professora.
A cautela de Sanches j� fez com que as crian�as faltassem a pelo menos oito dias de aula em 2014. “� muito arriscado usar o bote em situa��es de chuva forte. A lancha quebrada era melhor tamb�m nesse aspecto porque, al�m do bom motor, � equipada com cobertura para a chuva, r�dio, coletes e farol para dirigir � noite. Como � mais pesada, tem melhores condi��es para ir a lugares com correnteza e marolas mais fortes”, disse.
Morador da comunidade Monte Carmelo, Rafael da Silva Pereira, 8 anos, diz n�o ter medo da viagem no bote “porque o Seu Arlen dirige bem e sabe cuidar da gente. Ele ensina a usar o colete e a fazer as coisas certas”, disse o estudante. J� Eliane Costa, 7 anos, diz que n�o brinca no bote porque “� pequeno e balan�a muito mais do que a lancha amarela [a lancha escolar]”.
Moradora da comunidade Boca do Mamirau�, localizada na Bacia do Rio Solim�es, a cerca de 600 quil�metros de Manaus, Edilene Cavalcante Meza, 28 anos, j� passou por situa��es de perigo por usar transporte inadequado para levar as crian�as para a escola.
“H� alguns anos, n�o t�nhamos escola aqui, e a dist�ncia que as crian�as tinham de percorrer era muito grande. A gente chegava em casa tarde da noite, no escuro mesmo e sem ilumina��o. O transporte era uma rabeta [canoa de pequeno porte, com motor de baixa pot�ncia] da pr�pria comunidade. Por causa de uma tempestade, tivemos de pular e nadar muito. Foi bem perigoso”, lembra a ribeirinha.
Situa��o similar vivia a comunidade de S�o Francisco do Main� – a cerca de duas horas de lancha de Manaus, j� no Rio Amazonas – antes de receber a lancha escolar. “Era muito dif�cil levar as crian�as para a escola. Sem condi��es m�nimas mesmo. Cada um ia por si, uns em botes perigosos que levavam horas para chegar. Isso acabou resultando em muita evas�o escolar. Mas hoje, com as lanchas novas, todas as crian�as das comunidades ribeirinhas [pr�ximas] t�m acesso mais f�cil � escola”, disse a gestora da escola municipal da comunidade, Raimunda da Silva Leite, 50 anos.
Mas a qualidade das lanchas tamb�m chamou a aten��o de outras pessoas. “Como s�o motores muito bons, melhores at� do que os usados em muitas lanchas por aqui, eles acabaram despertando o interesse de bandidos. Aqui na regi�o [da comunidade Santa Maria], quatro colegas condutores tiveram os motores das lanchas roubados. Os bandidos observam de dia para roubar � noite”, disse o condutor Sanches.
H� mais de sete anos a condu��o da lancha da comunidade Main� fica por conta de Raimundo Mateus da Silva, 42 anos. “O que falta � contratar um auxiliar porque � muito complicado cuidar das crian�as e dirigir ao mesmo tempo. H� muitas toras nos rios, e preciso estar atento para evitar acidentes. Algumas crian�as, pela idade, s�o mais dif�ceis porque fazem muita bagun�a. A gente tem ent�o de dar bronca mesmo, para evitar que corram risco”, disse.
Geralmente as crian�as mais velhas ajudam a cuidar e conscientizar as mais novas sobre os riscos. “O nosso transporte � bom porque a gente n�o precisa ficar andando de rabeta [botes motorizados de pequeno porte]. � mais seguro e d� menos medo na gente”, disse � Ag�ncia Brasil o estudante Renildo de Souza Duarte, 10 anos.
Por onze dias, no m�s de fevereiro, a equipe de reportagem da Ag�ncia Brasil viajou pela Amaz�nia para conhecer o dia a dia dessas comunidades. A vida dos ribeirinhos tamb�m ser� destaque no programa Caminhos da Reportagem, que ser� exibido pela TV Brasil hoje (17), �s 22h.