
O Tribunal de Justi�a de Bras�lia n�o definiu, ainda, a data para julgar o m�rito de um caso que est� gerando pol�mica no Brasil por mexer com a confian�a das autoridades e com a Constitui��o Federal. Trata-se de uma liminar que concedeu o direito a Gutemberg Nader Almeida Junior de frequentar o curso de forma��o para ser agente de Pol�cia Civil do Distrito Federal. Gutemberg hoje tem 34 anos, mas ele foi condenado, em 1997, por ter participado, com mais quatro amigos, de um um crime que chocou o pa�s, ao queimar o �ndio Galdino dos Santos, que dormia em um ponto de �nibus, no centro da capital federal. Na �poca, Gutemberg tinha 17 anos e a v�tima teve 95% do corpo queimado e morreu na parada, onde tinha resolvido passar a noite depois de perder a condu��o para voltar para casa.
Gutemberg � formado em direito e mora num condom�nio de classe m�dia alta em Bras�lia. Ele recebeu a liminar para continuar realizando as provas, segundo o Tribunal de Justi�a e pode passar a receber at� R$ 7,5 mil, mas o caso levanta quest�es sobre o legal e o moral. Como era menor, em 1997, Gutemberg cumpriu uma medida socioeducativa de quatro meses e depois ficou com a ficha completamente limpa, n�o podendo ser discriminado ou passar por preconceito.

As an�lises que tiraram Gutemberg da lista de aprovados s�o defendidas pelo jurista e especialista em direito penal Luiz Fl�vio Gomes, juiz aposentado. Ele ressalta a import�ncia de ter avalia��es de vida pregressa e social em concursos como o da pol�cia. “As regras dos editais j� preveem esse tipo de investiga��o, que n�o � s� de antecedentes criminais, mas de comportamento social. Tem gente que nunca cometeu um crime, mas n�o pode ocupar a �rea de seguran�a ou o cargo de juiz ou promotor pela vida que leva na sociedade”, detalha. O ex-magistrado explica que, quando um adolescente comete um ato infracional e cumpre medida socioeducativa, fica sem qualquer antecedente. Diferentemente de um adulto, que, mesmo depois de ficar preso, ainda precisa de dois anos sem praticar qualquer delito para ter a certid�o de nada consta. “Mas uma coisa � a lei, outra � o que o povo quer. E o povo quer vingan�a eterna, quer que seja punido eternamente. A� ter�amos que mudar a Constitui��o”, complementa Gomes.
Os argumentos favor�veis a Gutemberg, no entanto, t�m sido mais fortes. Advogado especialista em concursos p�blicos e diretor jur�dico da Associa��o Nacional de Apoio e Prote��o aos Concursos (Anpac), Leonardo de Carvalho acredita que Gutemberg conseguir� assumir o cargo. “Juridicamente, n�o vejo impedimento. H� uma s�rie de jurisprud�ncias favor�veis a ele. O pr�prio governo estimula que a iniciativa privada d� emprego a ex-condenados, e o Estado mesmo n�o vai dar? Quer dizer que eu posso oferecer esse trabalho e o Estado n�o?”, questiona o defensor. Na vis�o de Carvalho, desclassificar algu�m por delito com pena j� cumprida � ferir a lei. “N�o existe puni��o perp�tua. Depois que pagou pela pena, o indiv�dulo deve ser reintegrado � sociedade”, complementa.
O promotor de Justi�a da Promotoria de Defesa da Inf�ncia e da Juventude do Minist�rio P�blico do DF e Territ�rios (MDFT) Pedro Oto de Quadros defende que, se uma infra��o cometida por um menor de idade for levada em considera��o na vida adulta, h� claramente um descaso do Estado com os direitos da crian�a e do adolescente. “A administra��o p�blica e a Pol�cia Civil — que � �rg�o p�blico — s� podem fazer o que a lei determina. Antecedentes de um adolescente n�o podem ser levados em conta ap�s o cumprimento da medida e da vida adulta”, garante. “Ele tem o direito de buscar o motivo de ter sido reprovado. Se for por conta da infra��o, isso � um absurdo”, acrescenta Oto. Mais uma vez, a reportagem tentou localizar G. ou algum advogado dele, mas n�o conseguiu contato.

Galdino Jesus dos Santos teve o corpo incendiado enquanto dormia em um ponto de �nibus na Entrequadra 703/704 Sul, em 20 de abril de 1997. Gutemberg, na �poca, era o �nico adolescente entre os cinco jovens que atearam fogo ao �ndio, que morreu aos 44 anos. � �poca, ent�o idenfificado como "G", estava com Max Rog�rio Alves, 19, Tomas Oliveira Almeida, 18, Eron Chaves Oliveira, 19, Ant�nio Nov�ly Vilanova, 19. Os quatro jovens maiores de idade foram denunciados � Justi�a por homic�dio triplamente qualificado, com pena de 12 a 30 anos de pris�o, por motivo f�til, sem chance de defesa � v�tima e requintes de crueldade.
O crime foi julgado em novembro de 2001. Eles foram condenados a 14 anos de pris�o. G, hoje � Gutemberg e pode ser um pol�cial
A crise de confian�a
» CIRO DE FREITAS
“Eu lamento muito a possibilidade de que ele possa ingressar nas fileiras da Pol�cia Civil do DF. A legisla��o o contempla, tanto que ele pode conseguir continuar no concurso por decis�o judicial. No entanto, se ele, de fato, virar policial ser� muito observado e vigiado pelos colegas por conta do ato que ele praticou no passado. Isso � evidente. Ser� ruim para a corpora��o e para ele mesmo na condi��o de policial. Tem de ficar claro que o que ele fez, ainda que tenha sido quando adolescente, n�o foi uma coisa qualquer. Ele participou de um crime hediondo e isso ficou mais do que comprovado. Para virar policial civil, a pessoa precisaria ter um passado inteiro limpo, sem qualquer tipo de m�cula ou n�doa, afinal, o cidad�o n�o vai exercer uma atividade qualquer. Eu penso que a legisla��o tem que ser modificada quanto a isso. Mas a lei precisa mudar tamb�m em rela��o � maioridade penal, e que a pessoa possa, a partir de uma certa idade, ser penalizada na mesma propor��o do ato praticado.”
Presidente do Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol)
A vingan�a eterna
» LUIZ FL�VIO GOMES
“Quando um menor de idade pratica um ato infracional e cumpre medida socioeducativa, n�o tem mais ficha, limpa ou suja. O adulto, dois anos depois de ter cumprido toda a pena, tamb�m consegue a ficha limpa. Eles s�o cidad�os, completamente regenerados, e t�m que ser respeitados, sem discrimina��o em qualquer �rea. A investiga��o de vida pregressa e an�lise social para a entrada em concursos p�blicos s�o muito importantes, sim, desde que a an�lise n�o seja feita baseada em crimes que j� foram pagos pelos infratores. Claro que n�o � qualquer pessoa que pode e deve assumir um cargo p�blico. Isso est� previsto nos editais. � preciso cumprir uma s�rie de exig�ncias, principalmente para fun��es como policial, juiz ou promotor. Mas a pessoa n�o pode ficar marcada por algo que fez h� muitos anos e ser discriminada por isso.”
Luiz Fl�vio Gomes, jurista e especialista em direito penal