Escritor estava internado h� duas semanas em um hospital no Mato Grosso do Sul e tinha passado por uma cirurgia no intestino
postado em 13/11/2014 10:54 / atualizado em 13/11/2014 11:11
"Como todo velho, sou uma crian�a nova e, com a mem�ria mais aguda, relembro todos os bons momentos que vivi como menino", dizia o poeta
(foto: Renata Caldas/CB/D.A. Press.)
O poeta Manoel de Barros morreu nesta quinta-feira aos 97 anos, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Ele estava internado h� duas semanas no Proncor e tinha passado por uma cirurgia no intestino. O hospital n�o divulgou as causas da morte.
Um dos principais poetas brasileiros, ele nasceu em 1916, em Cuiab�. Manoel tinha um estado de esp�rito t�o forte que, em 2003, estreou na prosa justamente com um livro em que iniciava a trilogia sobre sua vida. E, como se tratava de Manoel de Barros, n�o era um retrato fiel, mas um relato puramente personalizado. Assim, depois de Mem�rias Inventadas - A Inf�ncia, ele lan�ou Mem�rias Inventadas - A Segunda Inf�ncia.
O tempo, para o poeta, n�o era seguia sua ordem cronol�gica. O que seria o livro da mocidade transformou-se em segunda inf�ncia que �, conv�m explicar aos desavisados, a forma como o poeta tratava de sua maturidade. Os textos, acompanhados das iluminuras de sua filha, Martha Barros, percorrem temas vitais da exist�ncia, como a descoberta do amor, do sexo e at� do comunismo. Falam das peladas de barranco do Dona Em�lia Futebol Clube at� da indiana da pens�o na Rua do Catete - ela, 25 (ele, 15), deixava a porta do banheiro meio aberta e isso "abatia" o poeta.
A linguagem continuava artesanalmente constru�da, sem se ater a conven��es gramaticais ou sociais, mas sempre em busca da simplicidade. "Porque me abaste�o na inf�ncia e minha palavra � Bem-de-Raiz e bebe na fonte do ser", escreveu Barros.
O primeiro livro, no entanto, n�o foi de poesia, mas tamb�m n�o existe mais. A hist�ria de seu sumi�o merecia um romance: aos 18 anos, quando vivia no Rio de Janeiro, onde frequentava as reuni�es da Juventude Comunista, Manoel pichou as palavras "Viva o Comunismo" em uma est�tua. Quando foi procurado pela pol�cia na pens�o onde morava, o futuro poeta n�o foi preso por conta da interven��o da dona do estabelecimento, alegando ser ele um bom menino e tamb�m escritor, autor de Nossa Senhora de Minha Escurid�o. Sensibilizado, o chefe da opera��o decidiu n�o prender Manoel, mas tamb�m resolveu ficar com o exemplar do livro.
O primeiro poema nasceu quando ele estava com 19 anos e a estreia liter�ria de fato aconteceu com Poemas Concebidos sem Pecado (1937), feito artesanalmente por amigos numa tiragem de 20 exemplares mais um, que ficou com ele. O livro garantia sua inser��o entre os modernistas. Na d�cada de 1960, voltou para Campo Grande, onde passou a viver como criador de gado, sem nunca deixar de trabalhar incansavelmente em seus versos. Longe dos grandes centros, demorou para ser reconhecido como grande poeta, mesmo publicando diversos livros.
Foi somente na d�cada de 1980, quando foi elogiado por Mill�r Fernandes, � que Manoel de Barros tornou-se conhecido no eixo Rio-S�o Paulo. Em 1987, ganhou o pr�mio Jabuti por O Guardador de �guas. E, em 2002, O Fazedor de Amanhecer, livro infantojuvenil do poeta, foi eleito a melhor obra de fic��o do ano anterior.
"Como todo velho, sou uma crian�a nova e, com a mem�ria mais aguda, relembro todos os bons momentos que vivi como menino. Enxergo o mundo agora de maneira mais inocente", justificava. Leitor dos serm�es do padre Vieira, h�bito que o ensinou, ainda jovem, a admirar a forma��o e utiliza��o das palavras, Manoel de Barros mantinha, enquanto a sa�de permitia, o mesmo ritmo de trabalho: todos os dias, �s 7 horas, dirigia-se ao andar superior de sua casa, onde se encontra o que chamava de 'escrit�rio de ser in�til'. "L�, fico horas consultando dicion�rios etmol�gicos, descobrindo a origem das palavras, buscando motiva��o", afirmou ao Estado, em 2002. "Garanto que � uma viagem melhor que qualquer outra de avi�o."
Estimulado, ele combinava suas descobertas, entortando-as. "Para n�o cansar, a linguagem n�o pode ser comum, tradicional, sen�o cansa. � preciso entort�-las um pouco", explicava ele, que deixou frases lapidares como "As coisas que n�o existem s�o as mais bonitas", que figura na abertura do Livro das Ignor��as, atribu�da a Felisd�nio. Para ele, o esfor�o sempre era necess�rio, pois n�o acreditava em inspira��o. "Trabalho com a palavra e, ao busc�-la, sou encaminhado por ela, que se desdobra e aponta caminhos."