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Estado de Minas

Madeira clandestina ganha selo de original

Primeira reportagem de s�rie sobre os danos do desmatamento no Brasil revela como madeireiros forjam dados de produ��o para encobrir crimes


postado em 25/12/2014 06:00 / atualizado em 25/12/2014 08:27

Esquema identificado por agentes ambientais consiste em fraudar índice de aproveitamento das toras para gerar notas fiscais para a madeira ilegal (foto: Minervino Junior/CB/D.A/PRESS)
Esquema identificado por agentes ambientais consiste em fraudar �ndice de aproveitamento das toras para gerar notas fiscais para a madeira ilegal (foto: Minervino Junior/CB/D.A/PRESS)

Mato Grosso
— Madrugada adentro, duas picapes 4x4 do Ibama percorrem as pequenas estradas de barro do Norte matogrossense. Na pegada da esta��o chuvosa, os ve�culos — locados a R$ 5 mil mensais cada — vencem facilmente os ramais lamacentos da regi�o conhecida como Portal da Amaz�nia. No dia anterior, 27 metros c�bicos de madeira de lei, sem documenta��o, haviam sido apreendidos pelas mesmas equipes no munic�pio de Nova Bandeirantes. O objetivo da empreitada noturna � verificar a persist�ncia de outros toreiros, como s�o conhecidos os caminh�es que carregam os gigantescos troncos extra�dos da floresta.

Depois de horas de expedi��o, as equipes param na �nica pousada de Paranorte, distrito do munic�pio de Juara. Ao amanhecer na comunidade, os cerca de mil habitantes j� estavam alertas quanto � chegada da nuvem de gafanhotos — os fiscais de uniforme verde da autarquia federal. A chegada da fiscaliza��o � o pesadelo de qualquer serraria. O empreendimento � fechado por semanas, enquanto cada tora, cada t�bua � medida. Se as medi��es n�o estiverem de acordo com a quantidade “virtual” autorizada pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente, o neg�cio pode ser multado ou at� mesmo fechado. Para n�o serem pegos, muitos empres�rios recorrem ao esquema que cria a madeira esquentada, ou a “falsa legal”.

No Mato Grosso, áreas florestais ilegalmente atingiram 54% do total explorado em 2012, segundo ONG (foto: Minervino Junior/CB/D.A/Press)
No Mato Grosso, �reas florestais ilegalmente atingiram 54% do total explorado em 2012, segundo ONG (foto: Minervino Junior/CB/D.A/Press)
A fraude � o tema do primeiro dia da s�rie “As agress�es contra a floresta”, iniciada hoje pelo Estado de Minas, que mostrar� por que a Amaz�nia, colonizada h� poucas d�cadas, encolhe a olhos vistos. O esquema come�a no pedido de autoriza��o para a extra��o das toras. Com medidas superestimadas das �rvores a serem abatidas, os madeireiros t�m cr�ditos virtuais “de sobra” para colocar na legalidade a madeira extra�da ilegalmente, das pr�prias �reas de manejo autorizadas, ou mesmo de terras ind�genas e at� de unidades de conserva��o. Depois, j� nas serrarias, as fraudes continuam. Mesmo empreendimentos sem maquin�rio moderno alegam obter �ndices extraordin�rios de aproveitamento das toras, ao cort�-las na forma de pranchas, t�buas ou caibros. Com isso, � poss�vel transformar os troncos ilegais em madeira serrada legal.

“Isso abre a possibilidade de gerar cr�ditos a mais. A industrializa��o � sempre imperfeita, eles teriam que devolver os cr�ditos (informar o que n�o foi aproveitado), mas poucos o fazem”, explica Laurent Micol, do Instituto Centro de Vida (ICV), uma ONG de defesa do meio ambiente que fica em Cuiab� (MT). “Eles sabem que v�o passar por in�meras fiscaliza��es, ent�o 99% dos toreiros t�m os pap�is e, por mais que eu estivesse dentro de um centro avan�ado, n�o teria como comprovar que � ilegal. Porque saiu de uma cadeia fict�cia, mas uma cadeia legal”, pondera o superintendente do Ibama em Mato Grosso, Marcus Keynes.

ESPERAN�A Ele espera que um novo sistema de rastreamento e monitoramento, o Sinaflor, que prev� uma guia �nica para toda a cadeia de cust�dia da madeira, da origem � exporta��o, possa evitar casos como o descoberto em Mato Grosso. O sistema ajudaria a evitar fraudes como a j� verificada pela equipe, em que uma quantidade consider�vel de madeira, no dia seguinte � da extra��o autorizada em Mato Grosso, estava no Par�.

Mesmo sendo o segundo maior fornecedor de madeira nativa do Brasil, o Mato Grosso ainda sofre com a ilegalidade, assim como toda a Amaz�nia. Em 2011, as �reas florestais exploradas ilegalmente no estado somaram 47% do total, segundo estudo da ONG Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amaz�nia (Imazon). Em 2012, o �ndice foi de 54%. “Se voc� quiser comprar madeira legal da Amaz�nia, vai ser muito dif�cil de verificar essa legalidade. A explora��o ilegal est� acontecendo de forma bem silenciosa. Com isso, voc� tem um ciclo que leva � degrada��o e � desvaloriza��o da madeira legal”, explica Alice Thuault, do ICV.

Desafios para a fiscaliza��o

A redu��o em 18% do desmatamento anual na Amaz�nia, divulgado no fim de novembro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), n�o � uma boa not�cia. Foram 4,8 mil km² de terreno devastado entre agosto de 2012 e julho de 2013, o equivalente a 83% da �rea do Distrito Federal. Embora seja o segundo menor �ndice desde 1988, o n�mero revela que a cobi�a sobre as terras que abrigam a imponente floresta continua desafiando sistemas de monitoramento cada vez mais eficazes.

Tradicionalmente vistos como principais respons�veis pelo corte raso da floresta, os madeireiros s�o apenas a ponta do problema. “Existe um hist�rico de pensar o desmatamento dentro de uma l�gica: primeiro v�m os madeireiros, acabam com a madeira com bom potencial, e depois vem a agricultura e a pecu�ria dando um uso para essas �reas”, explica Julio Bachega, engenheiro florestal e ex-secret�rio de Meio Ambiente do Mato Grosso. “Eu n�o penso assim. Na verdade, � o inverso: a agricultura avan�ando, a pecu�ria avan�ando, e vai sendo aproveitado o que d� de madeira.”

Para o ex-secret�rio, que n�o acredita em “um �nico vil�o”, o desmatamento � inerente ao desenvolvimento, s� que deveria ser controlado. “Mas a gente vive numa democracia que conserta tudo com lei — mas n�o a cumpre. Quem cumpriu o C�digo Florestal de 1965? Hoje, aquelas �reas que alguns preservaram e fizeram o manejo sustent�vel n�o valem nada se comparadas a uma �rea de soja.”

“A a��o do Estado n�o tem capacidade de acompanhar a velocidade do capital”, afirma o procurador de Meio Ambiente do estado, Luiz Alberto Scaloppe. “Quem avan�a n�o � o �ndio, n�o � o posseiro, � o capital. S�o as �reas de explora��o para gado e para planta��es”, ressalta. (EM)

*O rep�rter viajou a convite da Ag�ncia de Not�cias dos Direitos da Inf�ncia (Andi)


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