
H� sete anos, Maria Odete Silva vende churros na rodovi�ria do Plano Piloto. O carrinho est� sempre ali, na plataforma inferior, de domingo a domingo. Por dia, dezenas de pessoas, ou at� mesmo centenas, dependendo do movimento, aproveitam o intervalo entre uma viagem e outra para experimentar o quitute da dona Maria, 46 anos, que pode ser recheado de doce de leite, goiabada, chocolate ou mais de um sabor. Contudo, poucos sabem que a sobremesa alimenta uma outra carreira de Maria: a de advogada.
Maria Odete nasceu em Ara�ua� (MG), que tem 36 mil habitantes. Morava com os dois irm�os mais novos e a m�e, Maura Pereira, em uma ro�a. O pai, nunca conheceu. Quando estava com 7 anos, acompanhou a fam�lia em uma empreitada rumo � cidade de S�o Paulo. Maura buscava emprego como trabalhadora dom�stica e, para isso, deixou os filhos na casa de uma tia. Por l�, ficaram quatro anos, at� que a m�e decidiu retornar ao estado de origem, levando os meninos. Maria ficou na capital paulista, a pedido da parente.
A volta, no entanto, se tornou tr�gica para a fam�lia. No trajeto entre a cidade e a fazenda, a m�e caiu do caminh�o que carregava boias-frias para a zona rural e faleceu. Maria sequer p�de dar adeus a ela, pois estava em S�o Paulo. A partir de ent�o, a menina come�ou a trabalhar como dom�stica em uma resid�ncia. Os irm�os foram “criados pelo mundo”, como ela mesma diz.
Dos 12 aos 19 anos, Maria se dedicou a uma �nica casa. Apesar de ter uma boa rela��o com a antiga patroa — chega a consider�-la uma segunda m�e — n�o conseguia conciliar a rotina de estudos com a labuta. “Estudava, mas daquele jeito. Vivia cansada demais”, define. Pouco depois, ela se casou e abandonou o emprego e tamb�m a capital. Passou a viver com o marido no interior de S�o Paulo, onde permaneceu por tr�s anos e meio, enquanto durou o matrim�nio.
Solteira, retornou a S�o Paulo para trabalhar como bab�. Alguns anos mais tarde, conheceu Marcos, com quem se casou e teve dois filhos, Mayara e Junior. Nessa �poca, come�ou a vender doces. A enchente que um dia invadiu a casa dela deixou intactos os saquinhos de balas, pirulitos e chicletes – o suficiente para que montasse, com a porta do guarda-roupa destru�do pela correnteza, uma barraquinha de guloseimas na cal�ada. “Pedi R$ 10 emprestados � minha tia para dar comida aos meus filhos. Com o que sobrou, comprei os docinhos de que eles gostavam. Quando a �gua destruiu tudo, decidi vender as balas e, dos R$ 10, eu fiz R$ 15”, comenta.
Uma doen�a pulmonar do filho, Marcos Junior, fez com que a fam�lia migrasse para o Distrito Federal, na expectativa de encontrar no ar puro do Planalto Central um ref�gio. Mas n�o foi apenas o endere�o que mudou. Aos 39 anos, Maria decidiu voltar a estudar. Matriculou-se no programa de Educa��o de Jovens e Adultos do Sesc, para concluir o ensino m�dio, e passou a vender de churros na rodovi�ria, de onde sairia o sustento da fam�lia.
Enquanto os churros conquistavam os paladares, alimentavam tamb�m a mensalidade de R$ 907 do curso de direito em uma faculdade particular da Asa Sul. A apenas quatro mat�rias para se tornar bacharel em direito, sonha passar em concurso p�blico para promotora. “J� pensei em desistir, porque fiquei muito tempo afastada da sala de aula e, ao retornar, n�o sabia se daria conta do recado. Eu mesma fui me surpreendendo, porque vi que sou capaz sim e fa�o isso com o maior prazer”, conta.
Ingrediente amargo
Para Maria, harmonizar as fun��es n�o � tarefa f�cil, afinal, tanto a vida acad�mica quanto a profissional exigem tempo e dedica��o. “N�o tenho tanto tempo para estudar, como queria. Aos domingos, quando o movimento � menor, trago os livros e leio aqui mesmo. Quantas vezes a chuva molhou os question�rios que estava estudando! Nas horas vagas, sempre dou uma estudadinha”, revela.
Por vezes, a falta de recursos financeiros se torna um ingrediente amargo na luta di�ria de Maria pelo conhecimento: “N�o � f�cil, n�o. Fiquei sem pagar durante um tempo, mas, gra�as a Deus, quitei tudo. �s vezes atraso, pe�o para retirarem os juros e a equipe da faculdade me ajuda porque sabe que trabalho na rodovi�ria”.
