S�o Paulo, 06 - O movimento antivacina acaba de receber mais um golpe. A edi��o de setembro da revista da Academia Americana de Pediatria trouxe mais um ataque das autoridades contra os partid�rios da n�o imuniza��o. A partir de agora, pediatras norte-americanos podem se recusar a atender pais com filhos n�o imunizados.
Vacinar � uma das formas mais efetivas e de menor custo para reduzir a mortalidade infantil, conforme a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS). No entanto, Europa, Estados Unidos e, aos poucos, Brasil, precisam lidar com uma pedra no sapato: pais que se recusam a vacinar as crian�as.
A escolha, aparentemente individual, afeta todo mundo: a l�gica da vacina � que imunizar uma popula��o impede que o v�rus se propague. Portanto, quanto mais pessoas vulner�veis, mais chances o agente invasor tem de causar doen�as.
Conforme o m�dico Guido Levi, ex-vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es, escreve no livro "Recusa de Vacinas: causas e consequ�ncias", entre as a��es pregadas pelo movimento antivacina est�o retardar o in�cio da vacina��o at� que o sistema imunol�gico esteja mais maduro, separar as vacinas para absorver o rem�dio isoladamente (n�o em uma �nica dose) e aumentar o tempo entre as imuniza��es.
'Natureba'
Se antes o movimento antivacina era encampado por religiosos ou conspiradores contra a ind�stria farmac�utica, hoje ele est� cada vez mais "natureba". O esfor�o agora tamb�m � contra a "artificialidade" da vacina, que supostamente desregularia o sistema imunol�gico da crian�a a partir de um rem�dio n�o natural (na verdade, a vacina � feita com agentes encontrados na natureza).
"Isso � um mito. O sistema imunol�gico � capaz e deve ser estimulado com a vacina para proteger a crian�a. S� porque a doen�a n�o existe mais no pa�s voc� n�o vai vacinar? Ainda h� doen�as que existem em outros pa�ses, como a p�lio ou o sarampo", afirma Carla Domingues, coordenadora-geral do Programa Nacional de Imuniza��o do Minist�rio da Sa�de.
O sapato come�ou a apertar o p� das autoridades em 1982, com o document�rio "DPT: Vaccine Roulette". O filme causou uma grande pol�mica ao associar a vacina tr�plice bacteriana, que protege contra difteria, t�tano e coqueluche, a danos cerebrais. A partir de ent�o, as desconfian�as passaram a entrar de vez em pauta.
Um avan�o hist�rico na medicina passou a ser associado a consequ�ncias bem mais complicadas do que uma simples dor no bra�o. Ali, a chama come�ou. Mas o fogo s� foi virar inc�ndio com o m�dico brit�nico Andrew Wakefield.
Em 1998, ele espantou a comunidade cient�fica com um estudo publicado na prestigiad�ssima revista cient�fica "The Lancet". Ele analisou 12 crian�as portadoras de autismo, das quais oito manifestaram os primeiros sintomas da s�ndrome apenas duas semanas ap�s tomarem a tr�plice viral, que protege contra caxumba, sarampo e rub�ola.
Conforme Wakefield, o sistema imunol�gico delas entrou em "pane" ap�s os est�mulos "excessivos" da vacina ao sistema imunol�gico. Como resultados, foi diagnosticada uma inflama��o do intestino que levaria toxinas ao c�rebro. Os resultados apareceram em jornais e tev�s do mundo inteiro.
Wakefield, no entanto, pouco a pouco come�ou a ser desmascarado. Uma s�rie de investiga��es descobriu que algumas crian�as volunt�rias do estudo haviam sido indicadas por um escrit�rio de advocacia que queria entrar com a��es contra a ind�stria farmac�utica.
Em 2010, a "The Lancet" retirou o estudo de seu site. No mesmo ano, o Conselho Brit�nico de Medicina cassou a licen�a de Wakefield e ele n�o p�de mais atender pacientes no Reino Unido.
Mas o estrago havia sido feito. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sarampo atingiu 189 pessoas em 2013, ap�s estar erradicado h� quase 15 anos, segundo o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC).
Para controlar o estrago, v�rios Estados n�o permitem a matr�cula de alunos sem a apresenta��o da carteira de vacina��o completa. A nova posi��o da Academia Americana de Pediatria, que autoriza pediatras a n�o receberem crian�as n�o vacinadas no consult�rio, com o intuito de conter uma poss�vel infec��o de crian�as n�o vacinadas por serem al�rgicas ou imunossuprimidas, � outra tentativa. Apesar disso, quase todos os Estados permitem a isen��o de vacinas em crian�as caso a fam�lia alegue motivos religiosos.
O assunto ainda desperta a curiosidade em pais de primeira viagem. Em 2014, o m�dico franc�s Bernard Dalbergue, ex-funcion�rio do laborat�rio Merck, Sharp and Dohme (MSD) publicou o livro 'Omerta dans les labos pharmaceutiques: confessions d'un m�decin' (Omerta nos laborat�rios farmac�uticos: confiss�es de um m�dico), no qual supostamente revela as entranhas da ind�stria farmac�utica.
No livro, Dalbergue afirma que muitas das vacinas vendidas carecem de estudos aprofundados e que n�o entregam o que promete. Como resposta, ele foi acusado de querer se vingar da empresa ap�s ser demitido.
Questionamentos dessa ordem acontecem em um contexto no qual a medicina avan�a e a popula��o n�o convive mais com a doen�a e, � claro, seus efeitos, afirma Lessandra Michelin, coordenadora do comit� de imuniza��es da Sociedade Brasileira de Infectologia. "As pessoas falam contra a vacina porque n�o t�m mais contato com essas doen�as, n�o viram seus efeitos", diz.
O medo das autoridades � que n�s comecemos a voltar s�culos atr�s, quando doen�as relativamente simples causavam milhares de mortes. "O desenvolvimento das vacinas, no s�culo 20, foi um dos grandes avan�os da medicina, junto com antibi�ticos. Ela � de extrema import�ncia para todos e traz benef�cios n�o s� para a crian�a vacinada, mas para todos que entram em contato com ela", ressaltou Luciana Rodrigues Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.