
O corpo do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo Em�rito da Arquidiocese de S�o Paulo, deve ser sepultado nesta sexta-feira. Dom Odilo Scherer celebrar� uma missa �s 15h deste dia, antes do enterro na cripta da catedral, localizada no subsolo da igreja. Desde a noite dessa quarta-feira o corpo � velado na Catedral da S�, na regi�o Central da capital paulista. Missas s�o realizadas a cada duas horas, com o revezamento de diversos padres e bispos, em homenagem ao cardeal. A previs�o � de que o vel�rio dure cerca de 48 horas.
O arcebispo em�rito de S�o Paulo morreu ontem, aos 95 anos. Ele estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Catarina desde 28 de novembro com um quadro de broncopneumonia e nos �ltimos dias apresentou piora do sistema renal.
Quinto dos 14 filhos que Gabriel Arns e Helena Steiner tiveram, Paulo Evaristo nasceu em 14 de setembro de 1921 na pequena Forquilhinha, na regi�o de Crici�ma, antiga col�nia de imigrantes alem�es em Santa Catarina. A exemplo do irm�o mais velho, frei Cris�stomo, Paulo Evaristo entrou em um semin�rio franciscano, voca��o que o pai agricultor apoiou com entusiasmo, embora tentasse adiar a matr�cula o mais poss�vel, s� porque as despesas do internato pesavam no or�amento. Das sete irm�s mo�as, tr�s optariam pelo convento.
“Paulo, nunca se envergonhe de dizer que voc� � filho de colono, pediu Gabriel Arns. Muito depois, quando conclu�a os estudos na Sorbonne com uma tese sobre a t�cnica do livro segundo S�o Jer�nimo, o frade mandou um telegrama para Forquilhinha. “O filho do colono � doutor pela Universidade de Paris, e n�o se esqueceu da recomenda��o do pai.”
Atua��o
De volta ao Brasil, foi professor de Teologia no semin�rio franciscano de Petr�polis (RJ), onde trabalhou 10 anos em favelas, per�odo que descreveria como o mais feliz da vida. Em maio de 1966, foi nomeado bispo auxiliar do ent�o cardeal de S�o Paulo, d. Agnelo Rossi, que o designou para a regi�o de Santana, na Zona Norte.Dedicava-se aos presos da Casa de Deten��o do Carandiru e criava n�cleos das comunidades eclesiais de base (Cebs), experi�ncia pioneira na arquidiocese, quando um telefonema do n�ncio apost�lico comunicou que ele seria o novo arcebispo de S�o Paulo.
N�o era um convite, mas uma ordem do papa Paulo VI, que transferira o cardeal Rossi para Roma. Era 1970.Um ano antes, tivera os primeiros contatos com v�timas do regime militar, in�cio da luta em defesa dos direitos humanos que marcaria sua carreira. Designado pelo cardeal para verificar as condi��es em que se encontravam os frades dominicanos e outros religiosos na pris�o, constatou que eles estavam sendo torturados.Os militares n�o gostaram da nomea��o de d. Paulo. Quando foi elevado a cardeal, em mar�o de 1973, uma das suas primeiras medidas foi criar a Comiss�o Justi�a e Paz, formada por advogados e outros profissionais, para atender pessoas perseguidas pela ditadura. Funcionava na C�ria Metropolitana, sin�nimo de ref�gio e esperan�a para as fam�lias de mortos e de desaparecidos.Respeitado e temido, amado e odiado, d. Paulo tornou-se um s�mbolo de resist�ncia. Denunciou as torturas nos quart�is, visitou presos em suas celas, liderou atos de protestos.
No per�odo mais dif�cil do regime, procurou o presidente Em�lio Medici (Arena), em nome do episcopado paulista, para entregar um documento, no qual os bispos exigiam o fim das torturas. M�dici deu um murro na mesa ao ouvir a advert�ncia do cardeal e o p�s para fora de seu gabinete.“O senhor fique na sacristia, que n�s cuidamos da ordem”, irritou-se o general. D. Paulo pegou de volta o exemplar da Rerum Novarum, a enc�clica de Le�o XIII que levara de presente, mas fora jogada de lado. Depois disso, s� tiveram contatos protocolares. Em defesa dos direitos humanos, visitava oper�rios, estudantes e pol�ticos nas celas da pol�cia.
Foi numa sala da repress�o que conheceu Luiz In�cio Lula da Silva, que havia sido detido ap�s as greves dos metal�rgicos do ABC. Ficaram amigos pelo resto da vida. Na �poca, o bispo de Santo Andr� era d. Cl�udio Hummes, mais tarde arcebispo de S�o Paulo, que abrigou nas igrejas da diocese trabalhadores impedidos de se reunir.
Entre 1979 e 1985, coordenou com o pastor Jaime Wright, de forma clandestina, o projeto Brasil: Nunca Mais. O trabalho foi realizado em sigilo e o resultado foi a c�pia de mais de um milh�o de p�ginas de processos do Superior Tribunal Militar (STM). Entre outros epis�dios de sua trajet�ria, destacam-se sua atua��o contra a invas�o da PUC comandada pelo ent�o secret�rio de Seguran�a, coronel Erasmo Dias, em 1977; e o planejamento da opera��o para entregar ao presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, uma lista com os nomes de desaparecidos pol�ticos.
Como reconhecimento pela obra humanit�ria, recebeu in�meros pr�mios no Brasil e no exterior: Pr�mio Nansen do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), o Pr�mio Niwano da Paz (Jap�o), e o Pr�mio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos (EUA). Em outubro de 2012, o jornalista Ricardo Carvalho lan�ou a biografia O cardeal da resist�ncia – As muitas vidas de dom Paulo Evaristo Arns.
Homenagens
O presidente Michel Temer divulgou nota oficial para lamentar a morte do cardeal. “Dom Paulo foi um defensor da liberdade e sempre teve como norte a constru��o de uma sociedade justa e igualit�ria. O Brasil perde um defensor da democracia e ganha para sempre mais um personagem que deixa li��es para serem lembradas eternamente”, escreveu o presidente.
A ex-presidente Dilma Rousseff tamb�m divulgou nota destacando que d. Paulo Arns era “um grande l�der progressista incans�vel na defesa dos direitos humanos e da liberdade”. “D. Paulo ser� sempre lembrado como s�mbolo da luta pela democracia, por sua atua��o contra a ditadura. O Brasil perde um defensor dos pobres, que passou a vida pregando igualdade de direitos e o fim da exclus�o social. Descanse em paz, amigo do povo. Seguiremos lutando!”, escreveu a ex-presidente.