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Estado de Minas

Fila de espera para redesigna��o sexual em ambulat�rio no Nordeste chega a 13 anos

Cerca de 170 pessoas aguardam para iniciar esse tratamento, e quatro entram no servi�o por m�s


postado em 09/04/2017 17:40 / atualizado em 09/04/2017 22:19

Duda Mel, à esquerda, foi a primeira bailarina clássica trans do Brasil a fazer cirurgia de redesignação sexual (foto: Sumaia Villela/Agência Brasil)
Duda Mel, � esquerda, foi a primeira bailarina cl�ssica trans do Brasil a fazer cirurgia de redesigna��o sexual (foto: Sumaia Villela/Ag�ncia Brasil)

Duda Mel, de 38 anos, tomou horm�nios por conta pr�pria por mais de duas d�cadas at� encontrar apoio m�dico gratuito e, h� nove meses, dar o passo final para ver no espelho a imagem que refletia a identidade na qual ela se via.

A primeira bailarina cl�ssica trans do Brasil fez a cirurgia de transgenitaliza��o – mudan�a de sexo – no �nico espa�o do Norte e Nordeste do pa�s a oferecer o servi�o por meio do Sistema �nico de Sa�de (SUS): o Espa�o de Cuidado e Acolhimento de Pessoas Trans, localizado no Hospital das Cl�nicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife.

O ambulat�rio � refer�ncia na �rea, mas tem uma demanda muito superior � capacidade. Atualmente, a fila de espera para fazer a cirurgia � de 13 anos. A estimativa � da psic�loga Suzana Livadias, coordenadora do Espa�o Trans. Segundo ela, desde a inaugura��o do ambulat�rio, s�o feitas, em m�dia, dez cirurgias de redesigna��o sexual por ano.

A sala de cirurgia e dois cirurgi�es s�o disponibilizados uma vez por m�s. Atualmente, 230 pessoas s�o atendidas pelo local. Dessas, 170 nasceram com a genit�lia masculina, mas se identificam como mulheres e cerca de 130 querem fazer a mudan�a de sexo.

“Em tese, ent�o, s�o 13 anos, pelo menos neste momento. Nosso sonho � aumentar para duas cirurgias por m�s”, diz a psic�loga. Al�m da fila para a cirurgia, existe uma demanda reprimida para atendimento psicol�gico no ambulat�rio.

Cerca de 170 pessoas aguardam para iniciar esse tratamento, e quatro entram no servi�o por m�s. “A gente hoje est� chamando a pessoa que se inscreveu em maio de 2016”, conta M�nica Mota, psic�loga que trabalha no Espa�o Trans.

A transgenitaliza��o de homem para mulher, uma das cirurgias de redesigna��o sexual, � garantida pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) desde 2008. O servi�o foi ampliado com a Portaria n° 2.803, do Minist�rio da Sa�de, inserindo novos procedimentos hospitalares e m�todos para a mudan�a de mulher para homem.

Est�o inclu�dos procedimentos cir�rgicos como a coloca��o de pr�tese mam�ria e a tireoplastia (mudan�a da voz), a terapia com horm�nios e atendimentos especializados, psicol�gico e de assist�ncia social.

A portaria estabelece regras para realiza��o dos procedimentos cir�rgicos, entre elas, o acompanhamento psicoter�pico por pelo menos dois anos e a necessidade de um laudo psicol�gico ou psiqui�trico diagnosticando a transexualidade.

“O expresso desejo e autodenomina��o � a primeira coisa. Seria autoritarismo demais definir quem vai e quem n�o vai. Ao longo dos dois anos se o desejo perdurar a pessoa faz [a cirurgia]”, diz a coordenadora. H� ainda uma limita��o de idade: 18 anos para atendimento no ambulat�rio e hormonioterapia e 21 anos para interven��es cir�rgicas.

Mais que uma cirurgia

Apesar da alta procura pela redesigna��o sexual, a coordenadora do Espa�o Trans lembra que o ambulat�rio oferece diversos servi�os complementares. Para ela, o atendimento integral garantido pela equipe formada por ginecologista, psic�logo, psiquiatra, urologista, fonoaudi�logo, endocrinologista e assistente social tem um papel mais amplo que uma mudan�a corporal: � a problematiza��o de como a pessoa entende o seu g�nero.

“Muitas vezes o entendimento � que para ser mulher ou homem voc� tem que passar pela cirurgia de trangenitaliza��o. Se, desde o in�cio, n�o � a genit�lia que definiu as pessoas como tal, ent�o por que vamos afirmar que elas ser�o [homens ou mulheres] a partir da cirurgia? � um paradoxo, uma quest�o para pensar”, diz Suzana.

Luclécia Amorim resolveu fazer apenas a terapia de hormônios: %u201CEu já era uma mulher independentemente do meu órgão sexual%u201D(foto: Sumaia Villela/Agência Brasil)
Lucl�cia Amorim resolveu fazer apenas a terapia de horm�nios: %u201CEu j� era uma mulher independentemente do meu �rg�o sexual%u201D (foto: Sumaia Villela/Ag�ncia Brasil)
“O que � importante para gente � poder entender os sofrimentos vividos, de onde eles v�m. Se puder pensar direitinho quem tem que fazer a cirurgia � a sociedade, que entende o homem ou a mulher a partir apenas do corpo”, completa. Lucl�cia Amorim, de 29 anos, � atendida h� um ano e meio no Espa�o Trans.

Lucl�cia chegou com o objetivo de fazer uma cirurgia de transgenitaliza��o. Mas, ao longo do processo de atendimento por uma equipe multiprofissional e das conversas em grupo, ela resolveu fazer somente a terapia com horm�nios.

“Eu j� era uma mulher independentemente do meu �rg�o sexual”, afirma. “Foi um processo super natural, nada induzido. A maturidade tamb�m ajuda muito. S�o dois anos, mas parece que s�o 20. E tudo que voc� vai passando, suas transforma��es corporais, voc� vai vendo que o que precisava era da imagem, n�o era a quest�o sexual, que estava muito bem resolvida. Meu problema era s� com a est�tica. Eu precisava olhar no espelho e me identificar como uma mulher”, destaca Lucl�cia.

Mudan�a de vida

Gyslaine Barbosa, de 28 anos, mostra orgulhosa a conquista da identidade feminina, inclusive nos documentos(foto: Sumaia Villela/Agência Brasil)
Gyslaine Barbosa, de 28 anos, mostra orgulhosa a conquista da identidade feminina, inclusive nos documentos (foto: Sumaia Villela/Ag�ncia Brasil)
A agente de endemias Gyslaine Barbosa, de 28 anos, aguardou seis anos para conseguir ter o corpo que correspondia � identidade que ela carregava desde crian�a. Ela j� era atendida no Hospital das Cl�nicas desde que a cirurgia era feita em uma linha de pesquisa cient�fica. O servi�o foi habilitado pelo Minist�rio da Sa�de em outubro de 2014.

Depois disso, Gyslaine ainda teve que esperar mais dois anos para cumprir as regras exigidas. Moradora de Surubim, munic�pio localizado a 120 km da capital pernambucana, ela enfrentou uma rotina exaustiva para receber os atendimentos.

“Meia-noite j� tinha que pegar o �nibus para estar no hospital [de manh�]. E era duas vezes por m�s. A gente n�o dormia, n�o comia. E, quando terminava a consulta ao meio-dia, ainda tinha que esperar o �nibus que passa �s 17h recolhendo o pessoal. Quando eu chegava em Surubim j� eram 20h, at� chegar em casa era meia-noite.”

Ela conta que viveu como homem por muitos anos at� que n�o aguentou mais esconder como se sentia.

“Tive que crescer como um menino. Ningu�m podia saber o que eu estava sentindo, o que eu era. Porque ningu�m acreditava. Mas chegou um certo ponto que eu n�o aguentei mais. Eu tinha meu emprego, terminei meus estudos, era gerente de loja e cheguei no meu limite. Cheguei chorando na loja que minha irm� trabalhava. Eu desabafei: eu sou uma mulher, n�o sou esse corpo que eu sou. S� tenho dois caminhos: ou eu abro para todo mundo ou vou correr o risco de me matar.”

A bailarina cl�ssica Eduarda Vit�ria Cassiano, de 38 anos, cujo nome art�stico � Duda Mel, tamb�m fez parte do primeiro grupo atendido no ambulat�rio pernambucano. Sua hist�ria com a transexualidade come�ou aos 14 anos, em uma �poca em que se conhecia pouco sobre o tema. A cirurgia de redesigna��o, por exemplo, era proibida at� 1997.

A coragem de expor sua identidade de g�nero veio da dan�a. “Eu cheguei e disse a minha professora que ia sair do bal� porque eu queria mudar mais o meu corpo. Ela disse que n�o, que n�o ia me abandonar. Ela foi como minha m�e”, conta.

Duda trabalhou como professora auxiliar por 15 anos. Por muito tempo dan�ou como menino. Mesmo assim, enfrentou preconceito. “Teve uma escola que n�o aceitou o fato de eu ser auxiliar. Minha professora disse 'onde n�o couber voc� n�o me cabe'. A gente foi para outras escolas que me aceitaram. A� vieram as mudan�as no meu corpo, meu cabelo eu deixei crescer”, conta.

Depois de mais de 10 anos, ela passou a dan�ar como menina, usando a sapatilha de ponta – s� usada por mulheres. Duda Mel diz que a cirurgia mudou sua vida. Nas aulas, as crian�as a chamam de tia. E em casa, onde o espelho era proibido, hoje s� em seu quarto h� cinco deles.

Coisas simples como usar um biqu�ni j� n�o s�o um problema. E coisas maiores, como estar em paz consigo mesma, foram poss�veis. A cirurgia, segundo ela, foi muito al�m da est�tica. “[Quando eu era pequena] Eu pensava: vou passar embaixo do arco-�ris e vou sair mulher. Eu vou dormir agora chorando, com raiva, e quando acordar eu vou acordar mulher. O arco-�ris nunca chegou, mas hoje eu consegui.”


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