S�o Paulo, 18 - Quando entrar completamente em opera��o, a usina de Belo Monte, no Par�, pode provocar o desaparecimento de diversas esp�cies de peixes end�micas - que s� vivem em um trecho de corredeiras do Rio Xingu conhecido como Volta Grande. A amea�a pode ocorrer mesmo se o empreendimento cumprir condicionantes que foram estabelecidas no processo de licenciamento ambiental.
� o que alerta estudo rec�m publicado por um grupo de oito pesquisadores brasileiros e estrangeiros na revista Biological Conservation, que analisou a diversidade de peixes da regi�o em tr�s segmentos de Volta Grande afetados pela obras.
Antes do in�cio dos trabalhos, foram coletadas esp�cies na �rea que hoje est� alagada para a constru��o da barragem; em uma �rea entre a barragem e a principal casa de for�a, que ter� uma redu��o da vaz�o de �gua; e em um segmento posterior com fluxo alterado pela descarga da casa de for�a.
O trabalho, liderado por Daniel Fitzgerald, da Universidade Texas A&M, observou que os dois primeiros segmentos s�o extremamente ricos em esp�cies altamente dependentes de h�bitats de corredeiras, incluindo v�rias esp�cies amea�adas de extin��o, e muitas delas s�o restritas �queles locais.
� o caso de um peixinho ornamental muito apreciado por aquaristas conhecido como acari zebra (Hypancistrus zebra), que n�o existe em nenhum outro lugar do mundo. Por estar criticamente amea�ado de extin��o, sua pesca � proibida. Mas hoje, at� por medo de ela desaparecer com o funcionamento da usina, ele vem sendo pescado e contrabandeado.
"Esperamos que nos trechos represados tenhamos perdido quase completamente a fauna das corredeiras, porque ela demanda muito oxig�nio, �gua corrente, uma s�rie de condi��es que n�o existem mais", afirma Jansen Zuanon, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaz�nia e um dos autores do artigo.
O temor agora � o que pode ocorrer com as esp�cies que vivem depois da barragem. Uma certa dose de perda de esp�cies j� era prevista no estudo de impacto ambiental (EIA) do empreendimento e para tentar minimiz�-la foi definido, em acordo com o Ibama e a Ag�ncia Nacional de �guas, o chamado "hidrograma de consenso", primeira condicionante ambiental da licen�a de instala��o.
Ele estabelece que ainda haver� uma vaz�o de �gua barragem abaixo, mas 80% menor do que se n�o houvesse a usina. "Ainda ser� um trecho de corredeiras, mas o que sobrou de �rea �til para ser usada pelos peixes � muito pequena", diz Zuanon.
Defesa
Por meio de nota, a concession�ria Norte Energia, respons�vel por Belo Monte, disse que desde 2012 monitora o recurso pesqueiro do Rio Xingu e n�o houve registro de desaparecimento de esp�cies. Disse tamb�m que estudos n�o indicam risco de extin��o. Sobre o hidrograma, informou que os valores de vaz�o foram predefinidos no EIA, a fim de mimetizar a din�mica de enchente e vazante do rio e reduzir as interfer�ncias na biota aqu�tica e nas condi��es de vida das comunidades ribeirinhas e ind�genas.
O Ibama disse que quando o hidrograma come�ar a funcionar - previsto para o ano que vem, quando todas as 18 turbinas estiverem em atividade - ser� em fase de testes. Um monitoramento vai mostrar se essas condi��es de fato est�o sendo mantidas. Se n�o estiverem, poder�o ser revistas.
�ndios relatam impactos
Apesar de Belo Monte ainda estar em fase de testes e o hidrograma de consenso ainda n�o estar em pleno funcionamento, comunidades ribeirinhas e ind�genas que vivem na regi�o da Volta Grande relatam j� estarem sentindo impactos da usina sobre a oferta de peixes, em especial os aliment�cios, como o pacu, apreciado na regi�o.
A esp�cie se alimenta de frutos de �rvores que ficam na beira do rio e normalmente frutificam com a cheia. Mas hoje, explica o bi�logo Leandro Sousa, da Universidade Federal do Par�, em Altamira, e outro autor do trabalho, o pulso d'�gua no trecho abaixo da barragem n�o est� muito previs�vel, de modo que o fruto pode acabar caindo em �rea seca em vez de dentro d'�gua - e os peixes n�o terem o que comer. "Al�m disso, se o pulso vem de uma vez, o peixe entra na lagoa, mas se o pulso para depois e o local fica seco, os peixes podem morrer. N�o d� tempo de fechar o ciclo de vida", afirma.
Relatos de peixes muito magros foram feitos por �ndios juruna da Aldeia Miratu, que fica na Volta Grande. Essa comunidade tem participado de um monitoramento independente feito desde 2013 por pesquisadores locais com aux�lio do Instituto Socioambiental (ISA) e da UFPA. O trabalho observou que, at� 2015, peixes eram a principal fonte de prote�na animal - mais de 50%. Desde 2016, quando, al�m da obra houve uma seca intensa promovida pelo El Ni�o do ano anterior, os ind�genas passaram a consumir mais alimentos comprados na cidade, como frango de granja e enlatados. No ano passado, s� 30% da prote�na veio de peixe.
Segundo a bi�loga Cristiane Costa, que lidera o trabalho, o cen�rio com o hidrograma de consenso pode ser ainda pior que o observado em 2016 em decorr�ncia do El Ni�o. "Aquele ano j� mudou o comportamento dos ind�genas e foi um alerta de um cen�rio que pode se estabelecer a partir de agora." As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Giovana Girardi)