Era um dia comum. Ao fim do expediente de sexta-feira, 17, por volta das 18h40, o comerciante Raimundo Nonato de Oliveira, de 55 anos, trancou �s chaves o seu mercadinho, no centro de Pacaraima, e seguiu para casa, sem imaginar que estava prestes a se tornar o s�mbolo da crise de conviv�ncia entre brasileiros e venezuelanos na cidade. Pelas costas, bandidos o atacaram provavelmente a pauladas, amarraram suas m�os, o torturaram com uma chave de fenda e lhe roubaram R$ 23 mil, al�m de U$ 500. Era a gota d'�gua.
Os criminosos, pelo que Oliveira p�de ver, estavam com o rosto coberto por meias - duas delas foram abandonadas dentro da casa da v�tima. Para a cidade, importante mesmo foi o que p�de ouvir. "Eram venezuelanos falando, eu tenho certeza. J� morei na Venezuela, sei reconhecer o idioma", disse ao Estado. "Quem fez isso comigo � um monstro."
Antes de sofrer a primeira pancada na cabe�a, o comerciante escutou um dos criminosos anunciar o assalto. Golpeado v�rias vezes, ficou inconsciente, sofreu ao menos quatro cortes entre a testa e a nuca e teve de levar 13 pontos no hospital.
Oliveira foi conduzido para um aposento de casa, onde ficou em poder de dois assaltantes, segundo relata. A mulher dele tamb�m estava na casa, teve as m�os e os p�s amarrados, mas n�o foi agredida. "Gra�as a Deus meu filho estava dando aula de violino na igreja", conta. O rapaz tem 15 anos.
Rendido, o comerciante recobrava a consci�ncia e depois voltava a apagar. Ele mostra as marcas nos pulsos e uma queimadura no tornozelo. "Foram muito cru�is", diz. "Com uma chave de fenda eles feriram aqui e aqui", mostra, apontando para o olho direito, roxo, e para uma cicatriz abaixo do l�bio. "Por sorte, n�o fiquei cego."
Segundo relata, os bandidos perguntavam por mais dinheiro: os reais roubados eram para comprar mercadoria em Boa Vista para o mercadinho, j� os d�lares eram de um amigo, que havia pedido para guardar. A tortura durou cerca de 30 minutos, conta. "Uma hora, eu disse para eles me matarem e perguntei se n�o tinham fam�lia. Eles n�o responderam. S� pegaram minha carteira, jogaram os documentos no ch�o e foram embora."
Oliveira foi socorrido a um hospital local, mas afirma que houve demora na transfer�ncia para Boa Vista porque a ambul�ncia que estaria � disposi��o n�o prestou o servi�o. O argumento era de que o retrovisor estaria quebrado, diz. "Eu sangrei muito, o m�dico disse que, se demorasse mais, teria morrido", afirma. O comerciante ficou tr�s dias internado.
Segundo moradores, outra ambul�ncia j� havia partido de Pacaraima em dire��o a Boa Vista pouco antes, transportando um paciente que havia sofrido um AVC. "Por coincid�ncia, ele tamb�m se chamava Raimundo e veio a falecer", diz.
O boato de que Oliveira havia morrido ap�s o assalto se espalhou rapidamente - motivo pelo qual moradores se organizaram para expulsar venezuelanos acampados nas ruas. Para ele, a demora de atendimento e o fato de ser "muito querido" tamb�m influenciaram. Nesta ter�a, muitos passaram na loja ou o abordaram na rua para saber se havia melhorado dos ferimentos.
Na opini�o do comerciante, o crime foi o estopim de uma crise de conviv�ncia que t�m se intensificando h� tr�s anos. "Se fosse para um venezuelano teria ambul�ncia, mas para um brasileiro n�o?"
A v�tima, no entanto, n�o concorda com a criminaliza��o generalizada dos refugiados. Nascido no Maranh�o, ele mesmo � um imigrante e mora em Pacaraima desde 2001. "Eu jamais vou dizer que expulsem todos os venezuelanos. Os bons s�o bem-vindos. Os maus t�m de ir embora."
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