
"Estou emocionalmente extremamente abalado", afirmou nesta segunda-feira, o arque�logo e antrop�logo Walter Neves, que � considerado o pai de Luzia - o f�ssil humano mais antigo j� encontrado nas Am�ricas, com cerca de 12 mil anos, e que muito provavelmente foi perdido no inc�ndio do Museu Nacional, no Rio. "Essa era uma trag�dia anunciada; o poder p�blico abandonou completamente o museu h� d�cadas." O antrop�logo classificou o inc�ndio de uma "trag�dia para a Humanidade. "E n�s teremos de prestar contas disso para a Humanidade. Ser� sempre uma mancha enorme para o Brasil no mundo inteiro."
Coordenador do Laborat�rio de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Bioci�ncias da Universidade de S�o Paulo (USP), Neves n�o foi o respons�vel pelo resgate do esqueleto, na d�cada de 70, na regi�o de Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte. Mas gra�as a seus estudos foi poss�vel reformular a teoria de ocupa��o humana nas Am�ricas durante a pr�-hist�ria. Segundo Neves, pelo menos outros 200 esqueletos do extinto povo de ca�adores-coletores, ao qual pertenceu Luzia, tamb�m estavam na reserva t�cnica do museu e provavelmente tamb�m se perderam. Os f�sseis s�o datados de 8 mil a 10 mil anos.
O modelo dos dois componentes biol�gicos postulado por Neves sustenta que o continente americano foi colonizado por duas levas distintas de Homo sapiens, vindas da �sia. A primeira onda migrat�ria teria ocorrido h� pelo menos 14 mil anos e era composta de indiv�duos parecidos com Luzia, com tra�os semelhantes aos dos atuais negros africanos e abor�gines australianos. Este grupo, no entanto, n�o teria deixado descendentes. Uma segunda leva migrat�ria teria chegado h� 12 mil anos e seus membros apresentavam um tipo f�sico caracter�stico dos asi�ticos, dos quais s�o descendentes os �ndios atuais.
"Estudar Luzia revelou sua import�ncia para o povoamento das Am�ricas e tamb�m que n�o houve apenas uma onda migrat�ria, mas duas", afirmou Neves. "Em termos de primeiros americanos, essa � a cole��o mais antiga, s�o mais de 200 esqueletos, todos de Lagoa Santa. Vendo pela TV � complicado saber, mas acho remota a possibilidade de esse material ter sobrevivido."
Foi Neves quem batizou o f�ssil de Luzia - numa alus�o a Lucy, um f�ssil de australopitecos de 3,2 milh�es de anos descoberto no Deserto de Afar, na Eti�pia, e que � considerado um dos mais antigos homin�deos de que se tem not�cia. Ele se encontra hoje no Museu Nacional, em Adis Abeba. O f�ssil, no entanto, � guardado em condi��es de seguran�a e apenas uma r�plica fica em exposi��o.
"Para mim, a maior trag�dia, de longe, � a perda das cole��es", diz Neves. "Em muitos pa�ses, por incr�vel que pare�a, at� na Eti�pia, cole��es �nicas, como por exemplo a Luzia, s�o consideradas quest�o de Estado: isso quer dizer que elas s�o mantidas em situa��o ideal de preserva��o e, para estud�-la, � preciso pedir permiss�o diretamente ao presidente da Rep�blica."
Neves frisou, no entanto, que seria "estreito", da parte dele, salientar somente a perda de Luzia.
"A quest�o das cole��es � muito cruel, porque ou voc� tem ou n�o vai ter nunca mais", disse Neves, se referindo especificamente �s cole��es eg�pcias e gregas, as maiores da Am�rica Latina, trazidas em parte por Dom Jo�o VI, em 1808, e adquiridas posteriormente por Dom Pedro II. "Esse � um material que nunca mais vamos ter, mesmo que a gente v� escavar nesses pa�ses, as leis nacionais n�o permitem que as pe�as saiam. Ent�o, nesse caso, nunca mais � para sempre, nunca mais vamos ter condi��es de fazer pesquisas sobre Egito e Gr�cia com base em cole��es de museus no Brasil."