N�o demorou muito tempo para uma demiss�o provocar o aparecimento de escamas pelo corpo de Bas�lio Carneiro, 51, em 2004. As manchas, circulares e avermelhadas, se espalharam por toda a pele do homem e o obrigaram a aprender a conviver com as feridas.
Ele sofre de psor�ase, doen�a em que o sistema imunol�gico, ataca tecidos saud�veis do corpo.
Afetando cerca de cinco milh�es de brasileiros, a enfermidade consiste em marcas dos mais diversos tipos e ocorre quando os linf�citos T, c�lulas que defendem o organismo, liberam elementos inflamat�rios na corrente sangu�nea.
"Essas subst�ncias podem inflamar os �rg�os. Assim, o corpo produz neutr�filos [c�lulas de defesa] para combat�-las, e isso causa a dilata��o dos vasos, que resulta em escamas", explica o m�dico Caio de Castro, que coordena a campanha nacional de psor�ase da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
O especialista afirma que conflitos emocionais como o de Bas�lio, que perdeu o emprego, pode ser o pontap� para as feridas aparecerem. "As c�lulas controladoras da a��o dos linf�citos T atuam menos quando o paciente est� nervoso. Com isso, a libera��o de subst�ncias inflamat�rias fica descontrolada e a pele se torna mais suscet�vel ao aparecimento de feridas", diz.
Ele aponta, tamb�m, que as c�lulas de mem�ria do corpo fazem com que a psor�ase surja no mesmo lugar. Dessa forma, a mol�stia est� sempre esperando por algum est�mulo - como o sentimental - parar surgir em certa parte do corpo.
Esse tipo de problema foi o que fez Kelly Lima, 35, descobrir que � portadora de psor�ase vulgar, caracterizada pelo descama��o da pele com les�es avermelhadas.
A mulher perdeu a m�e h� 14 anos, e a tristeza fez a doen�a se manifestar nos bra�os, rosto e seios. "Passei a ter muitas dificuldades. A conviv�ncia com as pessoas � muito complicada [devido ao preconceito], as dores s�o fortes e me incomodo ao me vestir e tomar banho", relata.
Fatores de risco e baixa autoestima
O dermatologista Caio de Castro alerta que a obesidade, o excesso de �lcool e o uso de cigarro de nicotina podem agravar os efeitos da psor�ase. "Ao engordar, a pessoa tem maiores chances de ter diabete, alguns c�nceres relacionados ao aumento de peso e problemas cardiovasculares", conta. "Assim, o portador da psor�ase pode correr risco de morte por derrame ou ataque card�aco, devido � libera��o de subst�ncias inflamat�rias no cora��o", completa.
Pesquisadores da Universidade da Pensilv�nia, nos Estados Unidos, analisaram, durante 15 anos, exames de 133.568 pessoas com psor�ase leve nunca tratada, e 3.951 em situa��o grave - que j� tomaram rem�dios ou passaram por terapias. A partir disso, eles identificaram que os pacientes cr�ticos apresentavam risco de vida 50% maior do que os com casos amenos.
Os m�dicos constaram, tamb�m, que homens com psor�ase grave morreram 3,5 anos mais jovens do que os demais, enquanto as mulheres faleceram 4,4 anos mais cedo do que as sem a condi��o. No entanto, Caio explica que n�o h� distin��o de sexo ao se medir o grau de risco da doen�a. "� necess�rio observar se a pessoa fuma, se est� engordando e demais fatores externos. N�o h� uma quest�o de g�nero por tr�s", esclarece.
Apesar disso, Kelly Lima conta que sofre com a baixa autoestima e em seus relacionamentos com o sexo masculino. "Eu fiz terapia por um ano para conseguir olhar nos olhos das pessoas. Os olhares de nojo e repulsa [para o meu corpo] s�o muito tristes", desabafa. "Al�m disso, a vis�o do homem � outra. N�s, mulheres, ficamos mais sens�veis ao toque e � dif�cil explicar isso para o parceiro. Acaba gerando conflito, por mais amor que exista na rela��o", relata.
'O SUS n�o estava preparado'
Kelly conta que j� gastou em m�dia R$ 300 com medicamentos e acredita que o servi�o n�o foi capacitado para atender pacientes com psor�ase. Wellington, de S�o Jos� dos Campos, teve 80% do corpo atingido por escamas avermelhadas da psor�ase e precisava, em novembro de 2015, de R$ 3,5 mil para pagar um tratamento numa cl�nica particular. "Procurei ajuda na prefeitura e, al�m de ser muito demorado, os cuidados oferecidos t�m poucas sess�es, devido ao alto custo para o munic�pio. Se eu depender do governo, minha situa��o s� vai piorar", lamenta. O rapaz fez um pedido na plataforma de arrecada��o de fundos Vakinha, mas n�o obteve apelo popular.
Para agravar a situa��o, o Sistema �nico de Sa�de (SUS) n�o entregava rem�dios para pacientes portadores de psor�ase com acometimento cut�neo at� o come�o deste m�s. "[O SUS] considerava a pele um �rg�o menor, mas existe, por exemplo, a psor�ase eritrod�rmica, que descama o corpo inteiro e pode levar ao �bito", afirma Caio de Castro.
Entretanto, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) conseguiu, no come�o deste m�s, a libera��o de quatro imunobiol�gicos na rede p�blica para o tratamento da doen�a, ap�s dez anos de negocia��o com o Minist�rio da Sa�de. "Foi necess�rio convencer [os gestores] de que a psor�ase pode gerar outros efeitos importantes e temerosos", diz Caio, que integrou a equipe respons�vel pela conquista.
Ele conta que a resist�ncia do �rg�o se explica pelo alto custo do tratamento, calculado em cerca de R$ 100 mil por ano. Assim, os pacientes tinham de entrar com uma a��o na Justi�a para conseguir se medicar, o que levava ao pagamento de um valor ainda maior por decis�o judicial, aumentando o gasto p�blico, segundo a SBD.
At� ent�o, apenas pessoas com artrite psori�sica ou reumat�ide tinham acesso aos biol�gicos, contrariando a literatura cient�fica. De acordo com um estudo polon�s de agosto deste ano, as interleucinas 12, 24, 17 e TNF-Alfa - todas inflamat�rias - s�o encontrados em n�veis mais altos nos pacientes com psor�ase.
"O principal benef�cio dessa medida � a diminui��o do absente�smo no trabalho. Tinha muito paciente que precisava fazer tr�s sess�es de fototerapia por semana e deixava de ir ao emprego, j� que n�o tinha acesso aos imunobiol�gicos", aponta.
GERAL