Aos 2 anos e meio, Teresa � filha da estrada. N�o conhece outro tipo de lar que n�o seja o n�made e m�vel: desde os 3 meses divide um motorhome (ve�culo-casa) com a m�e, o pai e o irm�o, Caetano, de 6 anos. H� quatro anos, a cozinheira, fot�grafa e dona de casa Ana Cristina Torres, de 36 anos, e o fot�grafo e editor de cinema Marcos Gadaian, de 48, sa�ram com os filhos de S�o Paulo rumo ao Alasca e n�o sabem mais o que � ter uma vida padr�o.
O que parecia tradi��o de americano ou europeu nos �ltimos anos tem atra�do adeptos no Brasil. Fam�lias brasileiras est�o largando a rotina de trabalho para seguir viagem por motorhome, carro com barraca e van. Eles p�em o apartamento para alugar, vendem pertences e trabalham com servi�os improvisados, como a venda de brigadeiro. A maioria faz a rota pan-americana: do Ushuaia, na Argentina, ao Alasca. Quase 15 mil quil�metros.
Ana e Marcos venderam tev�, geladeira, roupa, carro e bicicleta e colocaram o apartamento para alugar. O que sobrou da casa - na maioria, objetos afetivos, como fotos e porcelanas da fam�lia - coube numa caixa do tamanho de uma geladeira, guardada em um galp�o.
Eles deixaram o Pa�s em 2014 rumo ao Alasca em um motorhome. A ideia era fazer o roteiro em um ano, mas foram descobrindo o melhor ritmo para a fam�lia na pr�pria estrada. E aceitaram que o processo seria mais lento - e proveitoso. Chegaram ao Alasca, enfim, em julho deste ano. Desceram at� Las Vegas, onde estacionaram o ve�culo no quintal de uma brasileira, e ap�s dois anos e meio rodando a Am�rica decidiram passar alguns meses em S�o Paulo.
Os quatro est�o na casa da m�e de Gadaian. "Ela (Teresa) s� pede para voltar para casa. Como a vida inteira dela foi no motorhome, ela realmente entende que a casa dela � aquela", diz Ana. A filha nasceu por acaso em S�o Paulo. Quando Ana estava gr�vida de oito meses, eles estavam em Bogot�. Acabaram voltando para S�o Paulo por quest�es familiares, e Teresa veio ao mundo. Voltaram para Col�mbia para seguir viagem quando a beb� tinha 3 meses.
"Ela passou o primeiro ano da vida peladinha e livre. Acampamos na beira da praia no Caribe, eu amamentava com paisagens incr�veis", conta Ana. O filho mais velho � educado com homeschooling (estudo em casa), mas a m�e diz que as crian�as aprendem mesmo � com a natureza. "Se o c�u est� estrelado, falamos da constela��o e dos planetas. Se estamos no mar e vemos uma baleia, vamos estudar sobre os mam�feros. A riqueza de detalhes da vida � uma aula todos os dias", diz a m�e.
Na casa, em cima de uma caminhonete, dormem os pais e Teresa em uma cama de casal. A mesa da sala se transforma em uma cama grande para adulto, onde Caetano dorme. Um fog�o e uma geladeira com freezer comp�em a cozinha. Para cozinhar e usar o banheiro, os cerca de 120 litros de �gua duram quatro dias, com um banho por dia por integrante da fam�lia. Eles rep�em a �gua em tanques de �gua limpa e postos de gasolina.
Com o apartamento alugado em S�o Paulo, o complemento da renda vem de Gadaian, que vende fotos online e administra as finan�as, e de Ana, que ajuda com os recursos da casa. Um dia, em uma praia da Costa Rica, decidiu fazer um teste: fez brigadeiros para vender e voltou com US$ 30 (cerca de R$ 115) no bolso. "J� vendi muito brigadeiro na praia. Na estrada, voc� faz o que for. E n�o � preciso muito dinheiro", diz a m�e.
Ana reconhece que � cansativo viajar com crian�as, mas prefere a vida na estrada a que levava na cidade. Nas redes sociais, eles s�o "O nosso quintal". "N�o temos planos de voltar a morar em S�o Paulo. Para qu� apego ao status que todo mundo tem? Esse apego ao ciclo de vida louco, em que voc� trabalha para ganhar e gastar mais? N�o estava mais rolando para n�s esse tipo de vida. As pessoas dizem que somos muito ricos para viajar. Eu falo: n�o, voc�s que s�o ricos para morar em S�o Paulo."
Riqueza? "Dizem que voc� tem de ser rico para morar e viajar. Hoje a gente gasta muito menos na estrada do que gastava em Belo Horizonte", diz a jornalista Carla Damiani, de 37 anos. Com o marido, o advogado Fernando Carvalho Duarte, de 41 anos e os filhos Leonardo, de 17, e Raphael, de 10, ela viajou durante dois anos e meio a bordo de um motorhome van Sprinter de BH at� o Alasca.
A vida na cidade at� ent�o era de ensaios para a viagem. Por trabalharem em uma empresa online, viajavam com os filhos � praia, mas logo precisavam retornar para as aulas das crian�as. Um dia, a jornalista descobriu o homeschooling e decidiu que a experi�ncia de viajar o mundo com os meninos era, sim, poss�vel. "Sempre quis conhecer outras culturas e que os meninos tivessem esse contato tamb�m com novas l�nguas", conta Carla, que toca nas redes sociais o "Van com tudo".
O planejamento da viagem durou tr�s meses. Nesse per�odo, eles venderam tudo o que havia na casa - m�veis, geladeira, fog�o, cama - e um carro. Uma caminhonete foi trocada pela van Sprinter. A casa foi alugada e, com a renda, eles custearam parte da viagem. "Quando tivemos de vender tudo, come�amos a perceber que as coisas n�o tinham valor", pondera Carla. "Hoje a gente v� que n�o precisa de quase nada para viver."
A fam�lia voltou ao Brasil para uma temporada de quatro meses antes de seguir em uma nova expedi��o, agora para a Europa.
Outra fam�lia que saiu do Brasil e chegou ao Alasca este ano foi a do economista e consultor Tiago Pinheiro Junqueira, de 38 anos, e da terapeuta hol�stica Ana L�cia Rocha Gabriel, de 37. Com Mateus, de 6, e Sofia, de 4, eles se identificam como "Pequenos na Estrada" nas redes e optaram por um carro com barraca em cima, para reduzir os custos. Os quatro sa�ram de S�o Paulo no carro-casa em fevereiro para uma volta ao mundo, e um dos marcos foi a chegada ao Alasca. Com a expertise acumulada, o casal d� dicas para outras fam�lias que sonham em fazer o mesmo.
Al�m de planejar a viagem e colocar o apartamento para alugar, o casal apostou nas parcerias com empresas da �rea de turismo, como hot�is, para conseguir receita. "Gostamos muito, principalmente porque elas ampliam nossas redes de relacionamento e ajudam a conectar pessoas", afirma Ana L�cia. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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