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Estado de Minas GERAL

'Vivo um luto inacabado h� 23 anos', diz m�e sobre filha desaparecida


postado em 24/12/2018 20:16

A chuva de ver�o do dia 23 de dezembro de 1995 causou um aperto no peito de dona Ivanise da Silva, de 57 anos. Era um press�gio. Ela preparava a casa para a festa de Natal, quando Fabiana, que tinha 13 anos, lhe deu um abra�o forte por tr�s e a beijou. O gesto de carinho era comum entre elas, mas a m�e n�o sabia que essa seria a �ltima troca de afeto.

Era fim de tarde e a menina saiu com uma amiga para ir a uma festa de anivers�rio perto de onde morava, em Pirituba, zona norte da capital paulista.

Na volta, ap�s as duas se despedirem em frente a um mercado, �s sete horas da noite, Fabiana desapareceu e nunca mais retornou. "Eu sinto essa perda todo dia. Tem momento que d�i mais, que eu acordo com a sensa��o de estar ouvindo a voz dela me chamando ou sentindo o cheiro dela. � um tormento, um sentimento que eu n�o desejo a ningu�m", lamenta Ivanise.

Aos prantos, a mulher e seu ent�o marido, Jos� Benedito, de 68 anos, foram ao 87� Distrito Policial pedir ajuda, mas o delegado se recusou a prestar aux�lio e lhes disse que "a menina deveria estar com algum namorado" - mesmo sem conhec�-la.

"Voc� n�o sabe quem � a sua filha. Todos ficam diferentes quando d�o as costas para os pais. Vai dormir, que at� o fim da noite ela aparece", garantiu a autoridade.

Como se n�o bastasse, o agente ainda a segurou pelos bra�os e amea�ou prend�-la por desacato. "A senhora est� muito abusada", reclamou ele, depois de Ivanise criticar a omiss�o.

O descaso prejudicou a sa�de de Ivanise. Atormentada com o sumi�o e a falta de assist�ncia, a m�e n�o dormiu por dias e chegou a pesar menos de 35 quilos. O cigarro passou a fazer parte de sua vida, e ela foi todos os dias, durante tr�s meses, ao Instituto M�dico-Legal (IML) ver se encontrava, sem sucesso, o corpo de Fabiana. At� hoje, toma rem�dio para ins�nia e antidepressivos.

Assim como foi com a fam�lia Silva, as pol�cias Civil e Militar s� permitem que o parente fa�a um boletim de ocorr�ncia (B.O) 24 horas ap�s o desaparecimento. No entanto, n�o h� uma lei que determine isso, e o policial pode ser denunciado � corregedoria-geral da corpora��o por esse tipo de atendimento.

'Minha filha � s� um n�mero para o Estado'

Passaram-se 23 anos da trag�dia com Fabiana e ainda faltam iniciativas do poder p�blico para apoiar os parentes.

Em novembro deste ano, a promotora Eliana Vendramini, que coordenada o Programa de Localiza��o e Identifica��o de Desaparecidos (Plid), do Minist�rio P�blico de S�o Paulo, processou o Estado por enterrar, como indigentes, 3 mil pessoas desaparecidas. Elas estavam registradas com B.Os duplicados, ou seja, de �bito e desaparecimento.

Isso se deu porque o IML e as delegacias n�o cruzam os dados que recebem, sepultando os corpos sem avisar os familiares - que agora ser�o indenizados por danos morais, ap�s senten�a do juiz Em�lio Migliano Neto.

Al�m disso, o Estado de S�o Paulo foi denunciado pela omiss�o e falta de pol�ticas p�blicas, previstas na Lei n� 10.299, de 1999, para lidar com o assunto.

"� muita desorganiza��o. As delegacias da Pol�cia Civil n�o cruzam os B.Os [para identificarem poss�veis erros]", afirma Eliana. Ela relata, ainda, que a corpora��o n�o investiga os paradeiros por falta de estrutura e por n�o se tratarem, necessariamente, de crimes.

"A Civil precisa pensar o desaparecimento como um trabalho, e n�o como um favor. Fora isso, a equipe � muito sazonal. Funcion�rios entram de f�rias e ningu�m os cobre", critica. A promotora calcula que a delegacia paulista especializada no tema tenha cerca de 20 agentes.

S� em 2017, foram registrados 25.200 sumi�os no Estado, e os casos n�o solucionados podem ter rela��o com o tr�fico de pessoas, de �rg�os, explora��o sexual, homic�dios, entre outros.

Eliana Vendramini aponta, tamb�m, que tentou trocar experi�ncias e fazer um conv�nio com a Pol�cia Militar (PM) entre 2013 e 2017, mas o Centro de Opera��es e o Comando Geral da institui��o n�o foram receptivos com a proposta. No entanto, ela conta que o Comit� Internacional da Cruz Vermelha (CICV) sugeriu, neste ano, que a PM fizesse um relat�rio sobre o tema, e a Secretaria de Seguran�a P�blica acatou. O documento ainda est� em produ��o.

A escassez de iniciativas preocupa Ivanise, uma vez que um levantamento do Minist�rio da Justi�a informa que h� 109 rotas brasileiras para o tr�fico interno de mulheres, transformando o Pa�s no que mais exporta pessoas para o mercado do sexo internacional.

"N�o sei o que aconteceu com Fabiana e me sinto abandonada pelas autoridades. Minha filha � s� mais um n�mero para o Estado", diz Ivanise.

Vale ressaltar que o Cadastro Nacional de Crian�a e Adolescente foi lan�ado em 2013 e, at� hoje, n�o foi atualizado pelo Governo Federal. Nele, constam apenas 129 desaparecidos no Brasil inteiro.

Pais que abandonam e m�es que morrem

A falta de apoio fez Ivanise transformar sua dor em luta. Ela fundou, em 1995, a ONG M�es da S�, que, sob sua presid�ncia, j� ofereceu assist�ncia a mais de 10 mil fam�lias de desaparecidos em 23 anos. Destas, somente tr�s tinham uma renda considerada alta, e somente seis eram homens em busca de seus filhos.

"H� um recorte de classe e g�nero muito grande no nosso trabalho. As pessoas que mais somem s�o pobres e est�o em vulnerabilidade social", afirma. "Fora isso, percebi que os pais costumam encarar o problema fugindo. Muitas vezes, s�o as m�es que carregam a dor para o resto da vida", analisa.

Ivanise tamb�m enfrenta esse problema. Seu ex-marido Jos� Benedito se separou dela, sete anos ap�s o desaparecimento de Fabiana, e se mudou para Alagoas, onde se casou com outra mulher. "Ele saiu da minha vida quando mais precisei dele. A �nica que parou no tempo fui eu", revela ela, que ainda tem sua outra filha, Fagna, para lhe fazer companhia.

O que mais se ouve na M�es da S� � que muitos maridos justificam a aus�ncia por precisarem trabalhar para manter a fam�lia, enquanto a companheira concilia a procura pelo filho com as tarefas dom�sticas.

Dados da ONG mostram que 16 m�es morreram nestes 23 anos. Duas por c�ncer, uma por suic�dio e outras que tiveram uma parada card�aca fulminante. Todas, segundo Ivanise, viviam na tristeza pelo fardo que carregavam.

As demais ativistas estendem cartazes com as fotos dos desaparecidos a cada quinze dias na escada da Catedral da S�, no centro de S�o Paulo.

Mem�rias que ficam e amores que v�m

Fabiana tinha muita c�lica quando era pequena, e Ivanise a colocava sobre sua barriga para o seu calor aquecer a filha durante a noite. Assim, a menina se acostumou a dormir sempre ao lado da m�e, o que tornou os la�os de afeto mais intensos.

"Ela n�o queria ficar no ber�o e, at� o dia que desapareceu, vinha correndo para a minha cama quando o pai ia trabalhar. Ela era muito carinhosa", recorda.

O dia 23 de dezembro se repete todo ano e acompanha o choro e a dor no peito que Ivanise sentiu momentos antes de perdera filha. Dois dias depois vem o Natal, o ano-novo, e a ang�stia aumenta cada vez mais. "No que dependesse de mim, essas datas n�o existiriam no calend�rio", desabafa.

Apesar de tudo, Ivanise abriu um espa�o em seu cora��o materno para cultivar mais um amor em 2019. Sua primeira neta, Eva, nasce em mar�o - mesmo m�s em que fundou o M�es da S� -, e sua esperan�a � de, um dia, sentar ao lado da menina, de Fagna e Fabiana numa noite natalina.


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