Na manh� da trag�dia em Brumadinho, o operador de equipamentos de instala��o Jonatas Lima Nascimento, de 36 anos, acordou mais tarde e �s 5h40 ainda n�o havia se trocado para trabalhar. A mulher Daihene Nascimento, de 33, at� estranhou: "Parecia que ele, inconscientemente, estava enrolando para n�o ir, sabe?"
N�o era o comum. Funcion�rio da Vale h� 13 anos, Nascimento levantava com duas horas de anteced�ncia para o expediente no C�rrego do Feij�o, que come�ava �s 7h - l� era respons�vel por carregar vag�es com os min�rios que seriam transportados de trem.
"Sempre tive orgulho de dizer que ele � trabalhador, decente, honesto. Nunca perdia o hor�rio do �nibus, sabe? Pai de fam�lia mesmo, que tem gosto de trabalhar para sustentar os filhos", diz a mulher.
Ainda de manh�, ele ligou duas vezes para Daihene. Em uma, contou que havia levado por engano a chave dela para a mineradora. Na outra, comemorou que havia assinado o aviso de f�rias. A not�cia do rompimento da barreira 1 da Vale veio por volta de 12h30. Desde ent�o, os familiares perderam contato. "Tentei ligar, n�o conseguia. Sabia que tinha uma coisa errada", conta.
Preocupada, Daihene tentou falar com colegas e chefes do marido, sem sucesso. S� � tarde conseguiu que um t�cnico da Vale atendesse o celular. "Ele engasgou... Falou para mim: 'Meus Deus, eu n�o posso falar isso n�o, mas acho que voc� perdeu ele", disse. "Corri atr�s de not�cia, mas n�o apareceu ningu�m da empresa. A falta de informa��o � um desespero que voc� n�o tem no��o", contou.
S� no s�bado, 26, o corpo de Jonatas foi identificado pela Pol�cia Civil ap�s an�lise de impress�o digital. At� o fim da noite deste domingo, 27, eram 58 mortos na trag�dia, a maioria ainda sem reconhecimento. Com ele, encontraram apenas um objeto: a chave de casa de Daihene.
Para a fam�lia, chegaram apenas informa��es extraoficiais de que Nascimento estaria no centro de carregamento, uma �rea baixa, na hora do incidente. Por imagens, � poss�vel ver que o local ficou inundado de lama. "N�o vai existir mais sobreviventes, s� v�timas. Tenho que dar gra�as a Deus de conseguir enterrar o corpo dele", afirma a mulher.
O vel�rio aconteceu na manh� de domingo, em Congonhas, cidade natal de Jonatas Nascimento. "Eu j� enterrei ele e at� agora n�o tive uma palavra da empresa. � uma sensa��o ruim, parece que ele est� sendo tratado como indigente. Que era s� um n�mero."
No dia 10 de janeiro, os dois completaram 15 anos de casados. "A gente passou fome junto", diz Daihene. "Logo que ele entrou na Vale, a gente teve de se mudar para Bar�o de Cocais, o sal�rio n�o era grande coisa. Pagamos caminh�o de mudan�a e aluguel adiantado, dias depois n�o tinha um centavo no bolso e a gente n�o conhecia ningu�m. O lanche que ele ganhava na empresa, ele guardava para mim."
"O Jonatas era super tranquilo, alegre", descreve a cunhada Driely Mariely, de 25 anos. "Era quem sempre organizava as festas da fam�lia. N�o abria m�o de uma churrasco e de uma cervejinha. J� deixou muita saudade."
O casal tem dois filhos: Fernanda, de 10 anos, e Artur, de 6. Ap�s a confirma��o da morte, Daihene chamou as crian�as para conversar. Os meninos choraram muito, conta. Foi o mais novo quem perguntou: "E o que vai fazer com as coisas do papai? N�o quero que doe as roupas dele", disse. "Quando crescer, quero ser igual a ele."
'Enterro digno'
"Era uma pessoa super d�cil, tranquilo. Nunca vi ele entrando numa confus�o." � assim que Virlene Merc�s da silva, de 26 anos, descreve o primo Fabr�cio Henrique da Silva, tamb�m de 26, outra v�tima confirmada da trag�dia de Brumadinho. Entre os familiares, o sentimento � de revolta: "N�o vamos deixar impune. Vai ser tudo apurado. Vamos descobrir todos os culpados".
Segundo a prima, Fabr�cio Silva perdeu o pai em um acidente de moto quando tinha apenas 8 anos. Mais velho de quatro filhos, ele assumiu o papel de "homem da casa", diz Virlene. "Ele tem uma irm�zinha de 5 anos, de outro casamento da m�e: � o maior grude."
Para ela, a cruzada travada pela fam�lia por informa��es no dia seguinte ao rompimento da barragem retrata o "descaso" com as v�timas. "As fam�lias chegam ao IML desesperadas, querendo saber de seus desaparecidos, mas n�o deixam entrar. Eles s� dizem para esperar a liga��o."
Fabr�cio Silva gostava de jogar v�lei e futebol, de malhar e de brincar carnaval, segundo conta Virlene. "Era um irm�o, meu amigo confidencial", diz. Na Vale, trabalhava na �rea de mec�nica. "De todos os ruins, a gente pelo menos conseguiu dar um enterro digno a ele."
Na cidade, todos conhecem algu�m que morreu ou est� desaparecido. S� Virlene � pr�xima de outras sete pessoas, entre elas o cunhado Edirley Antonio Campos, de quem ainda n�o se tem not�cia. "A gente n�o sabe se est� vivo ou se est� morto", conta. Segundo Virlene, Campos � casado e tem uma filha de 3 anos. "Cada tempo que passa a esperan�a � menos e menos."
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