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Estado de Minas GERAL

Investiga��o deve apontar mentor da morte de Marielle, diz representante da ONU


postado em 14/03/2019 15:00

No dia em que a morte de Marielle Franco completa um ano, a representante para Am�rica do Sul do Alto Comissariado das Na��es Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Birgit Gerstenberg, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que a entidade comemora os "desdobramentos recentes e a pris�o de dois suspeitos" do assassinato, mas acredita que � "fundamental que as investiga��es continuem para apontar os respons�veis intelectuais do atentado, para os levar � Justi�a e desvendar os reais motivos do crime.

Para ela, a a��o da Justi�a "� crucial para prevenir e garantir" o trabalho dos defensores dos direitos humanos no Brasil. O escrit�rio que ela comanda tamb�m est� preocupado com a situa��o da Venezuela - o escrit�rio � respons�vel por monitorar a situa��o dos direitos humanos nos seguintes pa�ses: Argentina, Bol�via, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. "Nosso escrit�rio recebeu numerosos relatos sobre o uso excessivo da for�a" naquele pa�s pelas for�as de seguran�a e por grupos civis armados", disse.

Birgit chefia o escrit�rio do ACNUDH na regi�o desde maio de 2018 e tem em seu curr�culo passagens por trabalhos e miss�es de paz da ONU em pa�ses como Jamaica, Uganda Col�mbia, Guatemala e El Salvador. Ela tamb�m afirmou que a inten��o de aumentar as possibilidades de uso da for�a letal pelas for�as policiais, conforme defendido pelo pacote do ministro da Justi�a, Sergio Moro, deve ter como base o respeito ao devido processo legal.

"Neste sentido, capturar um suspeito deve ocorrer unicamente para colocar a pessoa � disposi��o dos mecanismos judiciais e n�o deveria facultar � pol�cia o uso da for�a letal". Para ela, a preval�ncia de "certos grupos da popula��o nas estat�sticas sobre esse tipo de morte evidencia sua vulnerabilidade e deve servir de alarme para as institui��es de prote��o aos direitos humanos no pa�s". Eis aqui a sua entrevista:

Que dados a senhora tem sobre a situa��o dos defensores dos direitos humanos no Brasil um ano depois da morte de Marielle Franco?

A Alta Comiss�ria Michelle Bachelet denunciou alguns dias atr�s, perante o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, a viol�ncia contra os defensores de direitos humanos em todo o mundo por meio de amea�as, repres�lias, criminaliza��o de suas atividades e, nos piores casos, assassinatos de ativistas. No Brasil, nos alarmam especialmente os casos de intimida��o, ataques e at� mesmo assassinatos de pessoas defensoras de direitos humanos, incluindo ambientalistas, sindicalistas e camponeses, povos ind�genas, quilombolas e outros grupos tradicionais, bem como contra ativistas LGBTI, jornalistas e profissionais de comunica��o, entre outros. Examinar a situa��o e propor medidas � um desafio importante para as autoridades brasileiras. A este respeito, o assassinato de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes � certamente emblem�tico. H� um ano, nosso escrit�rio condenou este crime e pediu uma investiga��o r�pida e completa. Celebramos os desdobramentos recentes e a pris�o de dois suspeitos por este crime. � por�m, fundamental que as investiga��es continuem para apontar os respons�veis intelectuais do atentado, para os trazer � Justi�a e desvendar os reais motivos do crime. Em todos os casos, a justi�a eficaz � indispens�vel. Mas quando falamos de defensores dos direitos humanos - como foi Marielle Franco -, a a��o da Justi�a � crucial para prevenir e garantir seu trabalho. Desde seu ativismo social e pol�tico como mulher negra, l�sbica, que levantou sua voz contra a viol�ncia que afeta especialmente os jovens afrodescendentes, Marielle foi uma refer�ncia e seu assassinato tamb�m � interpretado como uma tentativa de intimidar todos aqueles que defendem os direitos humanos. Por isso, � t�o importante que estes casos n�o fiquem impunes, de modo que, com fatos, o Estado demonstre que entende o valor do papel que estas pessoas desempenham na sociedade e que n�o tolera os ataques contra elas. Nestas quest�es, a chave � a preven��o, relacionada com a cria��o de um ambiente onde as institui��es p�blicas estejam convencidas da legitimidade da defesa dos direitos humanos e que por tanto levam a s�rio a seguran�a dos defensores. Assim, na regi�o e tamb�m no Brasil, nosso Escrit�rio acompanha o trabalho das institui��es p�blicas e organiza��es no monitoramento da situa��o das e dos defensores dos direitos humanos, e estamos comprometidos em contribuir com o Estado brasileiro nos seus esfor�os para melhorar a prote��o destas pessoas no pa�s.

A senhora acredita que o Estado brasileiro � capaz de dar seguran�a ao trabalho desses profissionais?

A cria��o de um Programa Nacional para a Prote��o dos Defensores dos Direitos Humanos no Brasil foi uma medida pioneira na regi�o, o que representa um reconhecimento pelo Estado da import�ncia do papel dos defensores e da necessidade de proteg�-los, de criar um ambiente prop�cio e seguro para que possam exercer seu direito de defender os direitos humanos. Um dos desafios do programa de prote��o de defensores, para alcan�ar maior efetividade, � ser adotado como uma pol�tica p�blica e receber recursos adequados para garantir seu funcionamento institucional, descentralizado e com participa��o da sociedade civil. Estamos confiantes de que o Brasil poder� avan�ar em medidas concretas como essas, que s�o urgentes mas requerem sustentabilidade a m�dio e longo prazo. E n�s estamos dispon�veis para prestar assessoria, compartilhar boas pr�ticas e experi�ncia internacional nesses assuntos.

Que informa��es a senhora tem sobre a a��o de mil�cia formadas por policiais e ex-policiais no Brasil? Qual o risco que elas representam? H� algum paralelo entre a a��o dessas mil�cias e a a��o de grupos militares em outros pa�ses da regi�o?

A viol�ncia � um fen�meno muito presente em nossa regi�o e sem d�vida tem impactos profundos no gozo e implementa��o efetiva dos direitos humanos. O Estado tem o monop�lio do uso da for�a legal, e deve usar essa prerrogativa para assegurar a prote��o de todas as pessoas, por�m observando sempre os princ�pios de legalidade, necessidade, n�o-discrimina��o, proporcionalidade e humanidade. A a��o de pessoas que t�m treinamento, meios e/ou recursos do Estado mas usam a for�a fora do quadro legal � uma anomalia grave que amea�a o estado democr�tico de direito, afetando o acesso � justi�a e a governabilidade. O Estado tem sempre o papel principal de respeitar, proteger e fazer cumprir todos os direitos humanos para todas as pessoas. Isso tamb�m significa que deve tomar medidas para que terceiros n�o interfiram no gozo dos direitos humanos, e portanto as autoridades devem implementar a��es efetivas para prevenir, deter e punir as a��es desses grupos. E aqui quero enfatizar novamente a preven��o, pois a implementa��o de medidas efetivas de seguran�a cidad�, a investiga��o eficaz do crime organizado e medidas de presta��o de contas na lei e na pr�tica institucional, sempre com uma perspectiva de direitos humanos, podem ser ferramentas poderosas para enfrentar o problema premente da viol�ncia na regi�o.

Como a senhora a senhora analisa a a��o das for�as militares e paramilitares na Venezuela?

Nosso Escrit�rio recebeu numerosos relatos sobre o uso excessivo da for�a que tem sido usado em v�rias circunst�ncias pelas for�as de seguran�a e outros grupos de civis armados. H� poucos dias, sobre os recentes acontecimentos nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e a Col�mbia, a Alta Comiss�ria Bachelet condenou a viol�ncia e pediu ao governo para determinar �s for�as de seguran�a para cessar o uso excessivo da for�a contra manifestantes desarmados e cidad�os comuns. A situa��o dos direitos humanos na Venezuela j� foi documentada pelo ACNUDH em dois relat�rios, publicados em 2017 e 2018. E o Escrit�rio est� desenvolvendo um terceiro relat�rio, que dever� ser publicado este ano, de acordo com uma resolu��o do Conselho de Direitos Humanos de setembro de 2018, onde os pr�prios Estados encarregam o Alto Comissariado para documentar a situa��o em um relat�rio exaustivo.

A crise que envolve o povo mapuche no Chile � um padr�o para os povos ind�genas da regi�o? Quais s�o as diferen�as entre a viola��o dos direitos humanos dos povos ind�genas no Brasil e em outros pa�ses da regi�o?

Nosso Escrit�rio est� ciente do desafio que representa encontrar um equil�brio entre as demandas leg�timas do povo mapuche por seus direitos e outros interesses sociais e econ�micos. Esta situa��o tem profundas ra�zes hist�ricas e causas estruturais relacionadas aos direitos humanos, como a discrimina��o, estigmatiza��o e vulnera��o de direitos econ�micos, sociais e culturais. Embora com suas peculiaridades, nosso Escrit�rio observa que boa parte dos povos ind�genas da regi�o continua enfrentando desafios muito similares para o gozo efetivo de seus direitos humanos. Uma parte essencial de nosso mandato no Brasil e em todos os pa�ses que cobrimos, � contribuir para a plena realiza��o dos direitos humanos de todas as pessoas sem discrimina��o. Em particular, apoiamos e promovemos o reconhecimento constitucional dos povos ind�genas onde ainda n�o existe.

Como o Estado brasileiro deve atuar para controlar o uso da for�a letal pela pol�cia no Pa�s?

Com base em sua obriga��o jur�dica de proteger o direito � vida e a integridade f�sica, todos os pa�ses devem adotar e aplicar um marco normativo coerente para regular o uso da for�a, n�o apenas reconhecendo que os funcion�rios encarregados da aplica��o da lei t�m o mandato para usar a for�a em tarefas de seguran�a e ordem p�blica, mas tamb�m determinando quando, como e onde pode ser usada a for�a em forma leg�tima, conforme as normas e tratados internacionais de direitos humanos ratificados no tema. O Brasil n�o possui uma lei federal que regulamente o uso da for�a, e portanto um primeiro passo seria promover um processo de discuss�o participativo e democr�tico sobre o assunto, incluindo n�o apenas parlamentares e funcion�rios policiais, mas tamb�m a sociedade civil e institui��es nacionais como o Conselho Nacional dos Direitos Humanos e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidad�o. Os Estados devem fornecer treinamento e dotar os funcion�rios policiais com distintos tipos de armamento e muni��es para que possam fazer um uso diferenciado da for�a e as armas de fogo, visando a restringir cada vez mais o uso de meios que possam causar ferimentos ou mortes. O uso das armas letais ou potencialmente letais deve ser regulamentado expressamente no marco regulat�rio do uso da for�a. Neste assunto, a regra principal � que os policiais s� poder�o usar armas letais intencionalmente quando for estritamente inevit�vel para proteger uma vida. Tamb�m � importante refor�ar a fiscaliza��o sobre a a��o das for�as de ordem e melhorar os processos de sele��o e avalia��o dos funcion�rios policiais, procurando que tenham qualidades �ticas, psicol�gicas e f�sicas apropriadas para o exerc�cio eficaz de suas fun��es.

Como a senhora analisa a inten��o do Brasil de aumentar as circunst�ncias em que a for�a letal pode ser usada legalmente utilizada pela pol�cia contra um suspeito?

Gostaria de dizer que temos recebido informa��es alarmantes de que as taxas de homic�dios no pa�s v�m atingindo recordes hist�ricos nos �ltimos tempos e que o n�mero de pessoas mortas por causa da a��o de policiais tamb�m tem aumentado com o passar dos anos. Tamb�m s�o preocupantes as informa��es que revelam que a viol�ncia letal afeta desproporcionalmente os jovens afrodescendentes no pa�s. Embora o uso da for�a seja necess�rio e legal em alguns casos, quando existe uma amea�a s�ria contra a ordem p�blica e a seguran�a, sempre deve responder a um objetivo leg�timo de aplica��o da lei e respeito aos direitos humanos. E ainda mais o uso da for�a letal, que segundo as normas internacionais sempre deve ser excepcional, e repito, estritamente inevit�vel para proteger a vida. Neste sentido, capturar um suspeito - fora dos casos onde existe um perigo real para a vida de uma pessoa - deve ocorrer unicamente para colocar a pessoa suspeita � disposi��o dos mecanismos judiciais, e n�o deveria facultar a pol�cia para fazer uso da for�a letal. Qualquer medida que desrespeite estas normas poderia atentar contra princ�pios b�sicos para um estado democr�tico de direito, como a presun��o de inoc�ncia e o devido processo legal.

Qual a diferen�a entre a situa��o do Brasil da defesa dos direitos humanos em rela��o a outros pa�ses da regi�o?

Cada pa�s tem uma situa��o particular a respeito da prote��o dos direitos humanos. Seus diferentes fatores pol�ticos, hist�ricos, sociais e outros fazem com que seja dif�cil realizar compara��es. No entanto, temos identificado v�rios desafios comuns e elaboramos uma estrat�gia por pa�s para a regi�o, para os pr�ximos quatro anos. A estrat�gia inclui enfoques sobre como trabalhar com os Estados nas leg�timas demandas das v�timas das ditaduras que continuam sem resposta, prestar assist�ncia em direitos humanos e seguran�a p�blica, a preven��o da tortura, enfrentar a discrimina��o contra parcelas da popula��o que vivem a vulnera��o de seus direitos em todos os �mbitos, bem como a igualdade e os direitos das mulheres, a prote��o de defensores dos direitos humanos, os espa�os para o exerc�cio das liberdades p�blicas e os direitos humanos no campo do desenvolvimento sustent�vel, com �nfase no direito a um meio ambiente saud�vel e a responsabilidade das empresas neste tema. Esta agenda � comum para a regi�o e a nossa ideia � dialogar com as autoridades brasileiras em um breve prazo, sobre como podemos prestar assist�ncia em programas e planos sobre estes assuntos, bem como com a sociedade civil para identificar formas de fortalecer seu trabalho em direitos humanos.

Am�rica Latina tem um hist�rico de ativismo muito importante, por exemplo na den�ncia de viola��es dos direitos humanos durante as ditaduras militares e a defesa da democracia. No Brasil, um tema que mobiliza os ativistas � a discrimina��o derivada das iniquidades em termos de recursos, renda, poder, o acesso a condi��es de vida adequadas e em geral aos direitos econ�micos, sociais e culturais no contexto de um desenvolvimento sustent�vel. Desde as Na��es Unidas, uma prioridade � apoiar os Estados em seu compromisso de implementar uma agenda de desenvolvimento sustent�vel para o ano 2030, e combater a desigualdade � indispens�vel para atingir esse objetivo. Al�m disso, estamos preocupados com a situa��o das mulheres e os altos n�meros de feminic�dios, viol�ncia e os ataques contra as mulheres ativistas por defender a igualdade de g�nero. H� poucos dias, o relator da ONU sobre defensores de direitos humanos, Michel Forst, alertou por exemplo sobre o aumento do uso do conceito "ideologia de g�nero" que, principalmente nesta regi�o, � apresentado como uma tentativa de movimentos feministas e defensores dos direitos LGBTI para desestabilizar a ordem social. Enfim, gostaria de insistir em um ponto: embora tenham passado 70 anos desde a ado��o da Declara��o Universal dos Direitos Humanos, e apesar de todas as conquistas alcan�adas gra�as ao trabalho de incans�veis defensoras e defensores, n�o podemos baixar a guarda. Devemos fazer todos os esfor�os necess�rios para que a defesa dos direitos humanos seja uma causa nobre em cada sociedade, e jamais consider�-los como garantidos.


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