
Jovens deprimidos, suicidas, sem perspectivas, desesperan�ados. O que tem levado uma gera��o a lidar com dores t�o profundas que n�o veem sentido em viver? A �nica certeza � que h� um grito por socorro. E a cada dia vira um problema de sa�de p�blica assustador.
Doutor em educa��o e autor de nove livros, entre eles Benedito e Em�lio – Ou quando se nasce com um vulc�o ao lado, indicado para o Jabuti 2014 na categoria Juvenil, Hugo estar� em Belo Horizonte no pr�ximo domingo (26) para participar do Sempre um Papo, quando falar� sobre Em�lio, que convida o leitor a refletir sobre toler�ncia e respeito ao pr�ximo e � sua individualidade.
Mas, certamente, abordar� quest�es do seu pr�ximo livro, Gera��o do quarto: quando crian�as e adolescentes nos ensinam a amar, que lan�ar� no segundo semestre, resultado de uma pesquisa de campo, feita em cinco capitais brasileiras, sobre a gera��o que nasceu no fim do s�culo 20 e in�cio do s�culo 21 e que apresenta adoecimento emocional e mental.
Ele conversou com o Estado de Minas diante do calor da trag�dia ocorrida em Suzano, S�o Paulo, quando os ex-alunos Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25, mataram oito pessoas na Escola Estadual Raul Brasil, na quarta-feira, dia 13.
Crian�as, jovens morrendo e matando. A sociedade est� doente? Em que momento ela se perdeu?
Na hist�ria das inf�ncias e das juventudes, a sociedade sempre as tratou como se elas n�o fossem realmente importantes em e para um bom projeto societ�rio. Basta analisar que a emerg�ncia do conceito de inf�ncia e de adolesc�ncia � recente e h� bem pouco tempo internalizado pelas sociedades de modo geral. O adultismo ou o adultocentrismo governam as sociedades, as tradicionais, as modernas, as contempor�neas e, infelizmente, esse adultismo tentou e ainda tenta silenciar as crian�as, os adolescentes e as juventudes. Silenciar nem sempre � impedir que se grite, mas � constantemente n�o ouvir a voz e nem permitir a troca dial�gica. Toda sociedade adoece quando n�o se abre para as inf�ncias e as juventudes, tratando-as como menores, ora porque recusa o l�dico, o humor, o riso, a leveza, optando pela rigidez machista, ora porque quer fazer da crian�a, do adolescente, do jovem esp�cie de adultos mirins, usados, antes de tudo, para o consumo. A doen�a que acomete a sociedade contempor�nea n�o � nova e nem in�dita, pode-se diagnostic�-la ao longo do tempo do pensamento humano: chama-se barb�rie e sempre emerge em epidemia quando os exclu�dos, tomados pelo �dio e pelo desamor, se tornam incontrol�veis. Estamos, sim, doentes e a doen�a n�o me parece ter cura f�cil, embora, desde todo o tempo, se soube cur�vel. A quest�o � que ela � menos da ordem das terapias e mais da ordem das preven��es. O que estamos fazendo para prevenir os adoecimentos? No meu ver, pouca coisa, sobretudo, no Brasil, pa�s em que, por exemplo, o suic�dio de pessoas entre 15 e 29 anos � tido como a quarta causa morte.
� poss�vel apontar culpados?
N�o quero tratar com culpas. N�o acho que culpas deem conta da dimens�o complexa para que possamos resolver essa doen�a social. Mas entendo que existam responsabilidades. E penso que a maior responsabilidade est� nas m�os dos adultos, em outras palavras, das fam�lias, das escolas, das igrejas, das empresas, dos organismos sociais mais atuantes, digamos assim. N�o se ouve o que as crian�as sentem e pensam e tamb�m n�o se ouvem os jovens. A n�o escuta � ind�cio de que n�o se quer dar ouvido ao que eles pensam e sentem e isso � um grande problema. N�s, de modo geral, costumamos categorizar os jovens, como se fossem rebeldes, at�nitos, problem�ticos, indisciplinados, violentos, irrespons�veis e tamb�m fazemos isso com as crian�as, considerando-as menos inteligentes, menos importantes, fr�geis e incompletas. No meu ver, as fam�lias est�o muito doentes e est�o em desordem. Mas n�o precisam de uma ordem imposta e nem de convers�es religiosas ou esp�cie de moralismo conservador, mas de di�logo, de apoio, de cuidado do Estado. No Brasil, os problemas que acontecem dentro de casa, viol�ncia contra a mulher, abuso sexual, fome, n�o saneamento das casas, mis�ria, repercutem na escola. Os respons�veis pelo adoecimento da sociedade brasileira e mundial no meu ver somos todos n�s que n�o admitimos a exist�ncia saud�vel das diferen�as humanas. Quando queremos que todas as pessoas sejam iguais, queremos que todas as pessoas nos espelhem, nos imitem, nos copiem e nos sigam. Queremos banir a liberdade e dar vaz�o �s opress�es que nos habitam. N�o � com culpa que se cura. Cura-se com amor. � de amor e n�o de culpas que precisamos. Os opressores sempre querem identificar culpados. Quero trabalhar como amamos mais.
A “gera��o do quarto” � fruto do qu�?
A gera��o do quarto � intergeracional. Isto �, n�o � uma gera��o com cronologia fixa, datada, predeterminada pelo tempo e pelo espa�o. No entanto, � uma gera��o que se caracteriza pelo adoecimento emocional e mental. S�o pessoas que passam mais de seis horas do seu dia, quando est�o em casa, nos seus quartos, isoladas, sem di�logo, sem troca, sem a experi�ncia do contradit�rio. S�o predominantemente pessoas que nasceram no fim do s�culo 20 e in�cio do s�culo 21. Ela emerge da incompreens�o, da frequente compara��o, da aus�ncia de empatia, compaix�o, di�logo, amor que reinam no mundo contempor�neo. � uma gera��o fragilizada emocionalmente, educada por outra gera��o tamb�m assim fragilizada. A gera��o do quarto nos adverte: talvez essa seja uma grande li��o de amor. Adverte-nos de que estamos perdendo nossos meninos e nossas meninas. Perdendo para os comportamentos perigosos – automutila��o, idea��o suicida, suic�dio, depress�o, s�ndromes, fobias, dist�rbios alimentares, polidepend�ncia, uso abusivo de �lcool e de drogas, viol�ncia contra as mulheres, isolamento digital. Quando olhamos os transtornos mentais como se fossem um grande problema do qual devemos nos livrar, no meu ver, mais uma vez, cometemos erros. Eles s�o sinais de que erramos com o ensino do amor e da paz. Precisamos aprender com os gritos de socorro. As crian�as e os adolescentes, com seus corpos, nos dizem o que nos vinca a alma. �, para mim, um gesto de amor. O amor que � anunciado pelas crian�as. Elas est�o nos chamando a aten��o. N�o se pode querer fechar os olhos. S� se estivermos, de fato, tomados pelo sentimento do nazismo e do fascismo. Essas doutrinas sempre odiaram inf�ncias.
"Os respons�veis pelo adoecimento da sociedade brasileira e mundial no meu ver somos todos n�s que n�o admitimos a exist�ncia saud�vel das diferen�as humanas"
Hugo Monteiro Ferreira, neuropsic�logo
� pertinente dizer que a tecnologia � a grande vil�? A Era Digital com milh�es de amigos, milh�es de curtidas, mas com isolamento e solid�o reais?
A quest�o n�o � externa somente, mas interna. Responsabilizar a web, a internet, as redes digitais �, outra vez, querer imputar a tal culpa. Diz-se que a culpa � do computador, porque n�o se quer perceber que a cibercultura foi criada pelos humanos. A vida digital � um dado da realidade contempor�nea, querer neg�-la ou atribuir a ela um poder devastador parece-me ser o movimento de querer apontar o dedo na dire��o inversa, eximindo-se de responsabilidade e continuando no mesmo processo de adoecimento. S� crian�as, adolescentes, jovens e adultos fissurados emocionalmente fazem da vida digital seu processo de sa�da. N�o me parece que seja justo e nem racional tratar o mundo virtual como inimigo. O que penso que deva ser analisado � como constru�mos uma sociedade que, no lugar de querer partilhar na presen�a seus afetos, prefere viver nos afetos a dist�ncia, nas rela��es projetadas, nas vidas inventadas pela plasticidade das m�quinas. Por que ser� que nossos filhos preferem ficar seis horas dentro de seus quartos, usando o mundo digital, e n�o fazem quest�o de ficar conosco? N�o percebemos o que eles est�o nos dizendo: preferimos as m�quinas, porque tamb�m n�o fomos devidamente escolhidos? � dif�cil a gente perceber que as m�quinas e as suas pot�ncias s�o nossas cria��es.
A falta de amor � a explica��o para trag�dias como a de Suzano?
Sim. O amor � o grande problema de trag�dias como a que ocorreu em Suzano. Na verdade, n�o o amor, mas a sua invers�o, o �dio. A viol�ncia � a materializa��o do �dio. O �dio se constr�i. N�o � gen�tico. � transdisciplinar. O problema da escola citada � de natureza transdisciplinar, multifacetado, multirreferencial e multidimensional. N�o se deve reduzi-lo a uma �nica causa e matriz. H� vari�veis diversas. Precisamos analis�-las acuradamente. Mas, se queremos encontrar um dos fatores, creio que a aus�ncia de di�logo, de escuta e de amorosidade pode ser um fator forte e determinante para o que infelizmente vimos. Ainda podemos ver muito mais. Temo que essa barb�rie esteja se ordenando em redes incontrol�veis. Temo que o Estado brasileiro queira resolver o desamor com o �dio. Eis uma amea�a real, no meu ver.
Como elas podem ser ajudadas?
As pessoas podem ser ajudadas se forem acolhidas como podem ser. Se o preconceito for erradicado e pararmos com essa ideia equivocada de que o mundo � dividido entre bons e maus, entre cidad�os de bem e bandidos. A condi��o humana � complexa e precisamos compreend�-la na sua complexidade. Podemos fazer o que tem feito o CVV (Centro de Valoriza��o da Vida) h� mais de 50 anos, ouvir sem julgar, acolher com amor. � muito importante que criemos um Estado que assegure direitos �s pessoas, que saiba entender a exist�ncia da diversidade e que n�o queira inviabilizar as pessoas diferentes e tornar certas identidades como as refer�ncias, os modelos. A desesperan�a nasce da rejei��o. Humano rejeitado entra em processo de desvincula��o e pensa em morrer e morre em vida, morre em morte e mata para viver.
Em momentos assim, destaca-se a educa��o de antigamente como sendo exemplo. Forma��o mais severa. Mas vivemos em outro tempo. No entanto, em que os pais de hoje est�o errando?
N�o cabem compara��es. � um equ�voco. Quem age assim nega o presente e se volta para o passado, porque n�o quer o presente, quer o antigo. A quest�o n�o � aus�ncia de severidade. Muito pelo contr�rio. A viol�ncia infradom�stica contra meninos e meninas � alt�ssima. Basta analisar os registros dos conselhos tutelares. N�o se deve querer conter vida com rigidez. Rigidez nada tem a ver com rigor. Rigor tem a ver com cuidado acurado. Falta rigor �s fam�lias, porque falta cuidado acurado. No passado, os pais eram tidos como severos e foram eles quem criaram as gera��es adoecidas e at�nitas as quais geraram as gera��es contempor�neas. Como eu j� disse, n�o enxergo que haja um erro novo, in�dito, para mim, h� uma sequ�ncia de erros continuados.
� assustador saber que autoridades conhecem a chamada Deep Web, que pessoas planejam crime por l�, e n�o conseguem, simplesmente, bloque�-los?
O Estado n�o sabe tratar com o submundo da web, porque o Estado fez quest�o de negar a exist�ncia desse submundo. Relegou-o �s inf�ncias, �s juventudes. Coisa menor. Coisa de crian�a. Coisa de jovem. N�o cabe ao universo adulto. Mas agora, ainda que n�o queira, ter� de olhar, menos porque quis ver e mais porque n�o pode negar a ferida que escorre em seu corpo.
Servi�o
Livro: Em�lio – Ou quando se nasce com um vulc�o ao lado
Autor: Hugo Monteiro Ferreira
Ilustrador: Andr� Beltr�o
Editora: Escrita Fina
P�ginas: 112
Pre�o sugerido: R$ 44,90