"O homem branco d� educa��o para os filhos na escola. Mas para a gente a educa��o � dentro de casa, com os mais velhos contando hist�rias para os filhos, netos, visitantes. S� que com o gerador, as comunidades estavam perdendo isso. � muito barulho, todo mundo corre quando est� ligado. Agora n�o tem barulho, ningu�m mais fica irritado. E o pessoal come�ou a contar hist�ria novamente."
O relato do l�der ind�gena Wareaiup Kaiabi, da Associa��o Terra Ind�gena do Xingu (Atix), resume uma das principais mudan�as sentidas por aldeias do Xingu ap�s passarem a contar, desde o ano passado, com energia solar.
Em 65 aldeias do territ�rio ind�gena, foram instalados 70 sistemas fotovoltaicos, o que, al�m de substituir parcialmente o uso dos geradores, aumentou a oferta de energia nas aldeias - tanto em tempo de uso ao longo do dia quanto em �rea atendida.
Em praticamente toda a Amaz�nia, tribos ind�genas e comunidades mais isoladas, al�m de algumas cidades pequenas, dependem de geradores a diesel ou a gasolina para ter energia. Apesar de muitas vezes estarem localizadas perto de grandes hidrel�tricas ou mesmo de linh�es de energia, acabam fora do Sistema Interligado Nacional (SIN) por dificuldades de acesso e log�stica.
Cara, barulhenta e poluente, por�m, a energia de geradores acaba sendo tamb�m um recurso escasso, restrito a poucas horas do dia, principalmente por quest�es econ�micas - o combust�vel � encarecido pelo transporte de longas dist�ncias a locais de dif�cil acesso.
Por causa disso, diversos projetos-piloto t�m levado nos �ltimos anos fontes alternativas de energia a essas comunidades. Mas em geral acabam sendo iniciativas isoladas, deixando em aberto a d�vida sobre como transform�-las em uma pol�tica p�blica para toda a regi�o.
Na quarta-feira, 27, Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) lan�ou em Manaus um estudo socioecon�mico sobre o projeto Xingu Solar, do Instituto Socioambiental (ISA), que mensura as vantagens e os impactos dessa mudan�a na vida das pessoas. No Territ�rio Ind�gena do Xingu (TIX), a energia usada at� ent�o vinha de sistemas a diesel ou a gasolina adquiridos pelos pr�prios ind�genas ou fornecidos pela Secretaria Especial de Sa�de Ind�gena (Sesai) do Minist�rio da Sa�de.
Ganhos sociais
Num primeiro momento, o plano foi fornecer a energia para os pr�dios p�blicos, como as unidades de sa�de, escolas, sedes da associa��o, casas de processamento de alimentos e postos da Funai. Casas individuais ainda n�o foram atendidas.
"Uma preocupa��o foi com a sa�de, como manter a refrigera��o de vacinas. Mapeamos as aldeias para pensar numa estrat�gia de transporte de vacinas ao longo do territ�rio para que elas pudessem estar sempre geladas", conta Paulo Junqueira, do ISA.
Ainda na sa�de, a ideia era ter, por exemplo, energia para garantir o funcionamento de aparelhos de inala��o - insufici�ncia respirat�ria aguda j� foi a principal causa de morte no Xingu, segundo Junqueira. E garantir energia para os casos m�dicos de emerg�ncia.
"Facilitou muito o atendimento �s comunidades. Agora d� para estudar na escola � noite. Pegar vela para estudar era muito ruim, hoje est� mais f�cil", concorda Wareaiup Kaiabi. "Mas bom mesmo � n�o ter mais barulho. Era muito, incomodava demais. Os mais velhos contavam isso pra gente. A energia solar parou o problema que estava acontecendo antes, com o gerador", diz.
Junqueira destaca tamb�m a vantagem de poder carregar equipamentos, como lanternas e celulares. "Em algumas aldeias tem internet, mas mesmo sem sinal de celular, eles usam o aparelho como lanterna, gravador, filmadora, m�quina fotogr�fica, para ouvir musica", relata o pesquisador, que h� mais de dez anos convive com os xinguanos.
O Iema fez entrevistas em 15 aldeias com 117 pessoas. Observou, por exemplo, que 53% dos ind�genas que receberam a energia solar sentiram-se mais seguros no atendimento m�dico de urg�ncia, contra 24% entre aqueles sem energia solar. J� na educa��o, 43% das aldeias com energia solar passaram a oferecer ensino noturno, contra 25% das demais.
Os pesquisadores ficaram preocupados tamb�m com poss�veis impactos negativos. "Ouvimos relatos sobre mudan�a nas tradi��es alimentares. Antigamente, quando o pessoal chegava com muito peixe, logo havia uma distribui��o e todo mundo comia. � uma generosidade que faz parte da tradi��o. Agora d� para guardar o alimento no freezer, o consumo fica um pouco mais individual", diz Junqueira.
Ganhos econ�micos
A partir da experi�ncia do projeto, os pesquisadores do Iema estimaram tamb�m que uma produ��o de energia el�trica combinada a partir de geradores a diesel e pain�is solares poderia gerar uma economia de mais de R$ 360 mil por ano em subs�dios federais.
Eles consideram que o custo de energia gerada nesses sistemas isolados em reais / kilowatt-hora � mais alto do que a m�dia de quem est� dentro do SIN. Para que as pessoas que vivam nesses lugares possam pagar menos e ficarem mais ou menos equilibradas com quem vive dentro do sistema integrado, o governo criou encargos repassados a todos os consumidores de energia.
A conclus�o do estudo � que um sistema menos dependente de combust�veis f�sseis que viesse a ser ampliado a todos os 2 milh�es de pessoas que est�o fora do SIN hoje no Brasil poderia ser vantajoso para todos os consumidores.
"Muitas cidades da Amaz�nia s� tem energia das 18h �s 22h. A ideia do Xingu Solar era complementar o diesel. Em vez de apenas por 4 horas, seria poss�vel ter a fonte solar durante o dia e, com bateria, diminuir a conta do diesel", explica Pedro Bara, pesquisador do Iema.
Apesar de o sistema solar ser inicialmente mais caro que a compra de geradores, no m�dio prazo, a economia com o combust�vel f�ssil logo compensa. Uma combina��o dos dois � necess�ria para compensar os dias sem sol e falhas na bateria. O diesel funciona como garantia. Eles calcularam que o custo por unidade de energia el�trica gerada � de R$ 1,70 no diesel, de R$ 1,42 no sistema h�brido e de R$ 1,04 no solar.
"E os sistemas solares est�o ficando cada vez mais competitivos. As taxas de retorno j� s�o quase mais atrativas do que comprar geradores, que n�o v�o mudar muito mais. Al�m disso, as tecnologias de baterias tamb�m est�o se desenvolvendo muito r�pido", afirma Bara.
"A ideia � que esse tipo de iniciativa seja mais amplo, como pol�tica p�blica. Tem muito projeto piloto na Amaz�nia, que funciona na base da filantropia, mas nossa inten��o foi mostrar que pode trazer um impacto para o bolso de todo mundo", complementa.
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