Passados quase cinco anos do prazo dado pela Pol�tica Nacional de Res�duos S�lidos (PNRS) para o fim dos lix�es no Brasil, que venceu em julho de 2014, cerca de metade dos munic�pios brasileiros ainda destina seus res�duos incorretamente. E, na semana que passou, durante a marcha de prefeitos a Bras�lia, parte deles voltou a pleitear um novo adiamento do prazo ao Congresso.
Mais do que mais prazo, por�m, o que talvez as cidades precisem � entender as causas do problema para atac�-lo. � o que sugere um estudo elaborado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) que analisou os fatores que tornam as cidades mais propensas a adequarem corretamente seus res�duos ou n�o. O trabalho, divulgado com exclusividade pelo jornal O Estado de S�o Paulo, revela como surgem os lix�es no Brasil.
Os pesquisadores desenvolveram um modelo matem�tico que analisou fatores socioecon�micos que podem ter mais impacto na capacidade da cidade de lidar com o lixo e conclu�ram que tr�s s�o os mais significativos: �ndice de crian�as matriculadas na escola; independ�ncia financeira do munic�pio e densidade populacional. � relevante ainda a exist�ncia ou n�o de taxas espec�ficas de limpeza urbana.
O trabalho, que ser� divulgado nesta segunda-feira, 15, durante o Semin�rio Internacional de Res�duos S�lidos, em S�o Paulo, considera a base de dados do �ndice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (Islu), criado em 2016 pelo Selurb para mensurar o grau de ader�ncia das cidades �s metas e diretrizes fixadas pela pol�tica nacional. Da edi��o anterior do levantamento, de 2018, participaram 3.374 cidades - 53% ainda t�m lix�es.
Entre aquelas que fazem a destina��o correta dos res�duos, a m�dia de crian�as entre 6 e 14 anos matriculadas na escola � de 87,26%. J� nos munic�pios com lix�es, a taxa cai para 84,9%. A densidade populacional dos primeiros � de 264,40 hab/km�, j� dos segundos, de 78,55 hab/km�.
O gasto com limpeza urbana no or�amento tamb�m difere consideravelmente: a m�dia � de R$ 534,10/m�s nas cidades com destina��o adequada, ante R$ 73,50 nas com lix�o. Em rela��o � participa��o das transfer�ncias intergovernamentais na receita do munic�pio � de 79,14% ante 90,82%, respectivamente.
"Basicamente, quanto menos educa��o, maior depend�ncia de repasses estaduais e federais e menor densidade demogr�fica (ou concentra��o urbana - munic�pios com �rea muito grande e popula��o espalhada), mais vulner�vel est� o munic�pio ao surgimento de lix�es", resume o economista Jonas Okawara.
Um exemplo do que indica o estudo � Resende, no Rio, onde os indicadores educacionais e de depend�ncia financeira n�o s�o bons. A cidade at� possui economia de escala, com 115 hab/km�, mas seus gastos com limpeza urbana s�o de R$ 14 por habitante por m�s. A cidade ainda destina seus res�duos para um lix�o (leia mais sobre a cidade abaixo).
Na outra ponta est� Joinville, que faz a destina��o correta dos res�duos: 96% das crian�as est�o matriculadas; a depend�ncia de recursos intergovernamentais � baixa (44%); a densidade populacional � de R$ 512 hab/km� e, juntando or�amento com taxa de lixo, o valor por habitante � de R$ 22/m�s.
H�, no entanto, exce��es ao modelo. � o caso de Maca� (RJ), sede das opera��es da Petrobras na Bacia de Campos. Apesar de ter indicadores muito bons - 99% de crian�as matriculadas; 44% de depend�ncia financeira; 200 hab/km2 e um gasto de R$ 31,5 por hab/m�s com limpeza urbana -, a cidade ainda destinava seus res�duos para um lix�o at� o ano passado. Desde o in�cio de 2019, no entanto, a destina��o final dos detritos � um aterro sanit�rio, conforme preconizado.
Solu��es
O trabalho tamb�m aponta solu��es: o aumento em 10% no n�mero de crian�as matriculadas nas escolas pode diminuir em 3,6% a probabilidade das cidades destinarem os seus res�duos em lix�es. J� o aumento de 1.000 hab/km� pode diminuir em 2,1% essa probabilidade.
Com isso, diz Okawara, ganha-se em escala econ�mica, tornando mais vi�vel a coleta. Outra sugest�o j� conhecida � a ado��o de cons�rcios entre cidades vizinhas pequenas para compartilhar os custos e viabilizar o servi�o. Por outro lado, o aumento da depend�ncia das transfer�ncias intergovernamentais em mais 10% acresce a probabilidade de a cidade destinar res�duos inadequadamente em 10,6%.
"Quanto maior essa depend�ncia, maior a chance de ter lix�o. Para ter a destina��o adequada � preciso ter condi��es de fazer o custeio operacional para manter a opera��o. Se n�o tem autonomia para fazer a gest�o, isso facilmente pode se deteriorar. H� cidades que chegaram a fazer aterros sanit�rios e come�ar a fazer a destina��o correta, mas quando perdeu essa autonomia, rapidamente voltou a ter lix�o", diz Okawara.
Tur�stica, Resende tem descarte irregular
Resende � considerado um dos mais importantes munic�pios do interior do Rio. Sede do maior complexo militar da Am�rica Latina - a Academia Militar das Agulhas Negras -, da �nica ind�stria de enriquecimento de ur�nio do Brasil e da maior f�brica de caminh�es do Pa�s, o munic�pio � tamb�m uma refer�ncia regional no turismo; perdendo apenas para a capital em n�mero de visitantes.
Em contraste com a aparente pujan�a, por�m, a cidade guarda uma alta depend�ncia de recursos intergovernamentais (63%). E tem �ndices educacionais abaixo do esperado: 83% das crian�as entre 6 e 14 anos est�o na escola - os dois fatores tornam a cidade mais propensa a n�o ter um descarte adequado de res�duos s�lidos, como sugere o estudo do Serlurb (leia mais na p�g. ao lado). De fato, Resende convive com um lix�o.
"O lix�o � uma armadilha porque, embora aparentemente seja uma solu��o mais barata, acaba saindo caro a m�dio e longo prazo", explica o pesquisador da Coppe/UFRJ Luciano Basto Oliveira, especialista em res�duos s�lidos e planejamento energ�tico. "Os maiores riscos s�o o da contamina��o do solo e do len�ol fre�tico (com eventuais problemas de sa�de para a popula��o). Estudo da Organiza��o Mundial de Sa�de mostra que metade dos leitos hospitalares do mundo s�o ocupados por doen�as relacionadas � falta de saneamento b�sico."
Desde 2007, uma a��o civil p�blica pede o fechamento do lix�o que fica na �rea rural do munic�pio e recebe diariamente 100 toneladas de detritos n�o s� de Resende, mas tamb�m de Penedo e Visconde de Mau�.
O presidente da Ag�ncia do Meio Ambiente de Resende, Wilson Moura, afirmou que o lix�o est� em processo de encerramento das atividades, o que deve acontecer em, no m�ximo, tr�s meses. Segundo Moura, o munic�pio j� licitou e contratou a Central de Tratamento de Res�duos de Barra Mansa para receber os res�duos de Resende.
"Em geral, a grande dificuldade de solucionar o problema est� na necessidade de atender �s quest�es ambientais, sociais (catadores de lixo) e econ�micas", disse. "E para a constru��o de novos aterros, centrais de tratamento ou usinas s�o necess�rios diversos estudos que atendam a processos morosos de licenciamento ambiental."
Dificuldades
Analista t�cnica da Confedera��o Nacional de Munic�pios, a ge�grafa Cl�udia Lins explica que o aterro sanit�rio � uma estrutura cara, de opera��o e manuten��o complexas e que s� � vi�vel economicamente para munic�pios com mais de 100 mil habitantes. Ela lembra que 90% dos munic�pios do Pa�s tem menos de 50 mil habitantes e que tais diferen�as regionais deveriam ser levadas em conta no momento de se fazer exig�ncias no descarte de res�duos.
"A pol�tica p�blica de res�duos s�lidos � de compet�ncia comum de Uni�o, Estados e munic�pios. Ou seja, Uni�o e Estado devem dar apoio financeiro ao munic�pio para que o servi�o seja prestado", disse. "Vivemos num Pa�s com desigualdades socioambientais enormes, em que todos os munic�pios s�o tratados como iguais. A realidade de S�o Paulo n�o � a mesma de qualquer outro Estado de Norte e Nordeste, por exemplo. Como fazer gest�o de res�duos da mesma forma? A lei tem que dar condi��es diferenciadas para ser cumprida nos munic�pios menores. E a �nica alternativa da lei � a do aterro sanit�rio.
Aterros regionais diminu�ram o problema no MS
O semin�rio desta segunda-feira vai destacar um caso de sucesso desenvolvido no Mato Grosso do Sul a partir do Projeto Res�duos S�lidos - Disposi��o Legal. A parceria criada em 2015 entre o Minist�rio P�blico do Meio Ambiente e o Tribunal de Contas do Estado teve foco em implantar fontes de arrecada��o espec�ficas para custear os servi�os de limpeza urbana e promover acordos regionais para viabilizar a atividade por meio de ganho de escala, al�m de acordos para tramita��es de processos judiciais relacionados ao tema.
Quando o projeto teve in�cio, 80% das 79 cidades destinavam seus res�duos para lix�es. Hoje s�o 41%. Em volume de res�duos, 75% do que � gerado nas resid�ncia hoje vai para aterros sanit�rios regionalizados. Em 2015, apenas tr�s cidades possu�am algum modelo de cobran�a pelo servi�o de limpeza urbana. Hoje s�o 20.
"Ainda h� muito o que caminhar, mas percebemos que sem uma uni�o de esfor�os isso n�o seria poss�vel. A arrecada��o espec�fica e a regionaliza��o dos aterros s�o fundamentais para o Brasil resolver esse problema", conta o promotor Luciano Loubet, diretor do N�cleo Ambiental do Minist�rio P�blico do Mato Grosso do Sul.
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