Um muralha dentro de uma mata de dif�cil acesso, ossos de um antigo cemit�rio em pleno centro e trilhos de trem em meio � obras de um shopping. Das �reas perif�ricas at� regi�es de intensa urbaniza��o, novas pe�as arqueol�gicas t�m sido encontradas na cidade de S�o Paulo. Mas ao mesmo tempo em que descobertas s�o reveladas, a gest�o de pe�as e s�tios arqueol�gicos enfrenta dificuldades. Dentre os casos mais conhecidos est� uma �rea hoje em ru�nas na zona leste.
A maioria dos achados na capital prov�m de levantamentos arqueol�gicos realizados por causa de obras de m�dio e grande porte, exigidos em portaria federal desde 2002. Um levantamento do Estado no Di�rio Oficial da Uni�o identificou, somente no ano passado, ao menos 17 procedimentos do tipo.
Na capital, a determina��o tamb�m abrange obras de menor porte que estejam em regi�es de potencial arqueol�gico, como a �rea em torno da Capela dos Aflitos, na Liberdade, regi�o central. Foi l� que, em 2018, foram encontradas ossadas do antigo Cemit�rio dos Aflitos.
Primeiro cemit�rio da cidade, o local funcionou de 1775 e 1858 e era voltado especialmente � popula��o mais marginalizada. Junto aos ossos, arque�logos encontraram adornos de vidro, geralmente utilizados por pessoas escravizadas.
A origem dessas pessoas ser� investigada em laborat�rio, explica L�cia Juliani, fundadora da A Lasca Arqueologia, respons�vel pelas escava��es. Como todo o material foi retirado, o terreno est� livre para a obra. Considerando as dimens�es do que foi o cemit�rio, por�m, a especialista acredita que haja mais vest�gios sob outros im�veis no entorno. A Lasca aguarda ainda autoriza��o federal para iniciar pesquisa em um terreno pr�ximo ao P�tio do Col�gio, tamb�m no centro, onde foram encontrados peda�os de cer�mica portuguesa.
Outra pesquisa no centro � feita no Br�s, junto � obra do Shopping Circuito das Compras SP, no antigo terreno da Feirinha da Madrugada. No local, foram encontrados trilhos, paralelep�pedos e outros itens ferrovi�rios.
Segundo o Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), cerca de 12,5 mil pesquisas arqueol�gicas s�o feitas no Pa�s, das quais mais de 2 mil no Estado de S�o Paulo, sendo 250 na capital. Por lei, tudo o que � descoberto pertence � Uni�o. Na pr�tica, embora parte dos artefatos seja exposta e estudada, a maioria fica guardada.
Pared�o na mata
Outro caso � o das estruturas remanescentes da Pedreira do Jaragu�, na zona norte. O acesso n�o � simples: � preciso tomar uma trilha fechada dentro da aldeia ind�gena guarani Tekoa Itakupe. No fim do percurso, ap�s passar por nascentes e �rvores, � avistado um pared�o de pedra, produzido com blocos de quartzo extra�dos do pr�prio local.
Com ao menos seis metros de altura e em formato de U, o muro � primeira vista remete a uma obra de civiliza��o antiga. A origem, no entanto, � outra: foi erguido nos anos 1930 por uma mineradora de quartzo.
"Trata-se da ponta de um iceberg dentro da hist�ria da minera��o paulista", explica o arque�logo Paulo Zanettini, lembrando que os primeiros registros de ouro no Brasil foram feitos nas encostas do Jaragu�.
Em 2016 foi aberto estudo de tombamento do muro, cuja preserva��o ser� decidida este m�s. "Esse pared�o representa uma jornada inteira da regi�o. De 1580 at� hoje existe algum tipo de minera��o", explica Paula Nishida Barbosa, diretora do Centro de Arqueologia de S�o Paulo, ligado � Prefeitura.
Abandono
Por causa do mato alto, o Estado n�o conseguiu se aproximar h� tr�s semanas das ru�nas do S�tio Mirim, em Ermelino Matarazzo, na zona leste. A situa��o mudou ap�s a reportagem procurar a Prefeitura de S�o Paulo, que atribuiu o problema � chuva. A vegeta��o aparada, contudo, n�o � suficiente para resolver a falta de manuten��o do espa�o, que traz as ru�nas de uma casa de cerca de 400 anos - e que estava de p� at� d�cadas atr�s.
A �ltima obra de recupera��o ocorreu nos anos 1960 e foi feita pelo Iphan. H� uma d�cada, a Prefeitura apresentou um projeto arquitet�nico para a �rea, enquanto um relat�rio de 2015 delimitou uma zona de aten��o para uma a��o de resgate de artefatos arqueol�gicos. Nos dois casos, nada foi feito. "Est� completamente abandonado. A noite � perigoso", diz o agente cultural Edson Lima, de 33 anos, fundador do Sarau Urutu, realizado no entorno das ru�nas.
Sobre o apoio do patrim�nio arqueol�gico da cidade, a Prefeitura informou que o Departamento do Patrim�nio Hist�rico realizou estudos de tombamento que "permitem planejar a��es e pensar em uma pol�tica no campo da arqueologia".
Artefatos do Rodoanel
Alguns milhares de artefatos arqueol�gicos foram encontrados durante as obras do Rodoanel na capital e na regi�o metropolitana de S�o Paulo. Em princ�pio, parte do acervo deveria ser exposto em um novo museu em Carapicu�ba. O im�vel foi erguido h� cinco anos, mas nunca abriu e nenhuma institui��o se responsabiliza pela situa��o.
Al�m da indefini��o sobre a responsabilidade, tamb�m n�o foi divulgado quais objetos seriam expostos no local, embora parte esteja na Universidade de S�o Paulo (USP).
Respons�vel pela obra, a Dersa diz que j� concluiu a participa��o no projeto, enquanto o Iphan afirma que a companhia tamb�m se responsabilizou por fazer o projeto museol�gico e instal�-lo, o que n�o ocorreu. A prefeitura de Carapicu�ba declara, por sua vez, que reabriria o local por meio de um conv�nio com a Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp) para a implanta��o de um centro de estudos arqueol�gicos. A Unifesp diz, no entanto, ter encerrado as negocia��es.
Potencial arqueol�gico de SP � enorme
O ambiente urbanizado foi por muito tempo considerado um caso perdido em arqueologia. Argumentava-se que o subsolo estava muito "remexido" e n�o havia mais nada a fazer. Com o passar do tempo, isso se verificou falso: encontra-se de tudo, desde s�tios pr�-hist�ricos at� vest�gios de ocupa��es humanas mais recentes, cuja import�ncia para se entender o passado � indispens�vel.
No Brasil, a arqueologia em �rea urbana � pouco explorada se comparada a pa�ses como Inglaterra, Fran�a e Jap�o. H�, contudo, uma tend�ncia de haver mais pesquisas, em especial em S�o Paulo, por uma quest�o de amadurecimento acad�mico, administrativo e de gest�o. Al�m disso, �rg�os de preserva��o est�o cada vez mais cientes da import�ncia de trabalhos de cunho arqueol�gico.
A maior parte dos estudos hoje � relacionada a algum tipo de exig�ncia legal. N�o � 100% suficiente, mas � um ganho enorme. Basta lembrar que foram escavados, sem acompanhamento arqueol�gico, alguns dos pontos historicamente mais importantes da cidade para obras do Metr� nos anos 1970. Isso na Pra�a da S�, na Liberdade, na frente do Mosteiro S�o Bento. O caso mais emblem�tico � do P�tio do Col�gio, que s� n�o teve o subsolo totalmente arrasado porque um arque�logo amador, Anthero Pereira Junior, fez escava��es da melhor maneira que p�de.
O potencial arqueol�gico de S�o Paulo � enorme. � uma cidade entre dois rios caudalosos - naveg�veis, cheios de peixe e que permitiam o contato com o interior -, perto do litoral e com biomas coexistindo. Imagine a quantidade de gente que morava nesse lugar na pr�-hist�ria. Depois teve a ocupa��o europeia, com casas rurais e sedes de fazenda por todo lado, e, nos s�culos 18 e 19, o aumento da urbaniza��o.
Hoje, a maior parte dos bairros ainda � composta por casas e sobrados, cujas funda��es s�o relativamente rasas, sem exigir grandes escava��es. Um caso � a Penha, onde existia uma aldeia tupi e fragmentos de vasos ind�genas aparecem nas valetas da rede el�trica. Outro exemplo s�o os terrenos embaixo das linhas de transmiss�o, cuja topografia est� praticamente intacta: s�o enormes corredores sem constru��o e que poderiam ser explorados arqueologicamente.
*� PROFESSOR DO MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE S�O PAULO (MAE/USP)
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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