O fim da primavera de 2015 em Katmandu, capital do Nepal, floria de um jeito mais bonito no cora��o de Eduardo Ver�ssimo. Solteiro e aos 37 anos, o homem alimentava dentro de si o desejo de ser pai desde sua adolesc�ncia, e encontrou no pa�s a oportunidade de ter seus filhos via barriga de aluguel - sem uma companheira. Ele viajou at� l� para o processo de fertiliza��o in vitro (FIV) e, pela primeira vez, pensou estar pr�ximo de realizar o seu sonho.
"Eu sempre gostei de crian�a e sinto que nasci para ser pai. Sabia que em certo momento isso aconteceria de forma natural", explica. Ver�ssimo n�o encontrou uma parceira interessante para ter filho ao longo da vida, e passou a ver a paternidade como um projeto que dava para tocar sozinho. Ele percebeu, no entanto, que nem tudo era t�o f�cil quanto parecia, e o que era esperan�a no come�o, transformou-se em frustra��o e estresse.
Um dia ap�s deixar o material gen�tico na cl�nica de reprodu��o e voltar para o Brasil, um terremoto de altas propor��es devastou o Nepal - o pior sismo desde 1934. Milhares de pessoas morreram e os servi�os b�sicos foram cortados, deixando a popula��o sem �gua, luz e moradia. Diante da precariedade, a Suprema Corte nepalesa proibiu estrangeiros de contratarem barrigas de aluguel no pa�s, que at� ent�o era um destino marcado por isso devido � falta de leis.
Eduardo Ver�ssimo n�o abaixou a cabe�a e tentou a fertiliza��o in vitro em Tabasco, no M�xico, dois anos depois. Mas, ap�s quatro tentativas fracassadas, a Justi�a mudou o C�digo Civil e tamb�m vetou o processo para pessoas de outros pa�ses. "Eu j� estava desgastado f�sico e emocionalmente. Fiquei sabendo da proibi��o por um amigo no momento em que eu esperava pelo teste de gravidez. Fiquei sem esperan�as", recorda.
Foi a� que ocorreu o que ele menos esperava: o Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil passou a permitir, em 2017, que a FIV fosse realizada em parentes de at� quarto grau e entre n�o-familiares. Nesse �ltimo caso, � necess�rio pedir autoriza��o do Conselho Regional de Medicina (CRM), sempre dentro do contexto legal de barriga solid�ria (que n�o cobra pela cess�o tempor�ria do �ltero). E foi o que Eduardo fez.
Vale ressaltar que o artigo 15 da lei n� 9.434, de 1997, tipifica como crime a compra ou venda de tecidos, �rg�os ou partes do corpo humano, com penas de tr�s a oito anos de pris�o e multa. Apesar de alguns juristas levarem em conta essa norma para criminalizarem a a comercializa��o da gravidez, outros alegam que o ato n�o se enquadra nessa san��o. "Falta legisla��o penal [para esse assunto]. A barriga de aluguel, ao meu ver, � mais uma quest�o moral do que jur�dica, apesar de entendimentos contr�rios", interpreta Ver�ssimo, que � advogado. "[No meu caso], estamos falando de uma cess�o tempor�ria do �tero, e n�o da compra e venda", completa.
'Eu tinha a certeza de que realizaria o sonho de ser pai'
Com a mudan�a na lei , uma amiga de sua m�e aceitou ceder o �tero a ele, e a gravidez foi confirmada pelos m�dicos em oito de agosto de 2017, em S�o Paulo. Os dois anos de ansiedade e frustra��o, entre a �sia e a Am�rica, se converteram em l�grimas no rosto do novo pai durante uma tarde de sol daquele dia. Eduardo recebeu o resultado do exame pelo celular no caminho do trabalho e n�o conteve a emo��o. Ele chorava compulsivamente dentro do carro e um filme passou pela sua cabe�a, relembrando as dificuldades e sua persist�ncia para super�-las.
"Eu n�o acreditava no que estava acontecendo, porque muita coisa tinha dado errada at� ent�o. Tentei e alcancei meu sonho porque fui teimoso", afirma. A partir de ent�o, Eduardo providenciou, via cart�rio, uma escritura p�blica de cess�o tempor�ria do �tero e um termo de conduta e consentimento para direcionar o processo. Isso evita que haja desist�ncia de ambas as partes.
O tempo da gesta��o foi passando e o homem n�o sentiu medo de a mulher se apegar afetivamente aos beb�s. Ela era casada, aceitou a ideia com o apoio do marido e j� tinha filhos. "Meu �nico receio era um aborto ou que n�o nascessem com sa�de", recorda.
Havia um sentido especial na preocupa��o: ele descobriu que teria g�meos, o que aumenta os perigos na gravidez por FIV. De acordo com o m�dico respons�vel pelo processo de Eduardo, Fernando Prado, as gesta��es m�ltiplas podem trazer problemas de press�o alta, diabetes e hemorragias para as gr�vidas. "Para as crian�as, o risco de prematuridade � grande e, com isso, sequelas podem aparecer, especialmente quando nascem antes do s�timo m�s de gravidez", alerta.
Apesar do risco, Julia e Vitor nasceram saud�veis, de oito meses, e o advogado se transformou no primeiro pai a registrar filhos fruto de fertiliza��o in vitro s� em seu nome no Brasil, conforme atestou o cart�rio ap�s uma consulta nos bancos de dados nacionais.
"�s vezes, s�o cinco, seis, sete, oito tentativas [de FIV], e as pessoas cansam, acham que n�o vai dar certo, que n�o � para ser", analisa. "Mas eu tinha algo dentro de mim que dizia que uma hora daria certo. N�o sabia quando, onde, mas eu tinha a certeza que realizaria o sonho de ser pai. Isso que me fez seguir em frente".
'Sou um pai que honra a paternidade ativa'
Apesar da hist�ria de amor, a presen�a paterna ainda � uma realidade distante da vida de muitos filhos no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), o Pa�s ganhou 1,1 milh�o de fam�lias formadas por m�es solteiras entre 2005 e 2015.
Parte disso se deve ao aumento do n�mero de casais sem filhos e �s fam�lias de uma s� pessoa. Mesmo assim, o n�mero expressivo abriu espa�o para se discutir a 'paternidade ativa', ou seja, pais que n�o se resumem a sustentar a casa e que se empenham em dar carinho, banho, trocar fraldas e outras posturas ainda ligadas erroneamente apenas ao mundo feminino.
"A divis�o de tarefas por g�nero, entre pai e m�e, tem que mudar. � um pensamento que n�o cabe mais na sociedade moderna", critica. "Temos que olhar para cada momento da crian�a para n�o se arrepender no futuro do que n�o fez. Fora os traumas que a neglig�ncia paterna gera na vida da crian�a. Quando o Vitor e a Julia comem, por exemplo, eu bato palma, eles d�o risada� � um tipo de carinho muito importante para a forma��o de um ser humano do bem e afetuoso. O pai n�o pode se ausentar disso", reflete.
Apesar de os n�meros ainda demonstrarem um contraste no comportamento dos homens para com os filhos, Eduardo Ver�ssimo, de 41 anos, analisa que sua gera��o, da d�cada de 1980, tem se mostrado participativa em espa�os cuja presen�a do pai era estranha um tempo atr�s. "Hoje, quando eu entro em ber��rios de shopping ou em sal�o de cabeleireiro, vejo muitos deles presentes. Tem pai trocando fralda enquanto a m�e espera do lado de fora e n�o me sinto sozinho. N�o � mais s� a mulher nesses espa�os. A postura est� mudando", diz.
Diante disso, o homem se orgulha de cultivar uma rela��o pr�xima com seus filhos. Para ele, n�o cabe no dia a dia a imagem do pai 'dur�o', que cumpre seu papel pondo 'comida na mesa de casa', e tampouco coment�rios preconceituosos sobre a "falta de uma m�e", como j� leu nas redes sociais de um religioso que reprovou a ideia de ser pai solteiro.
Os pequenos Vitor e Julia, que hoje est�o com um ano e cinco meses, s�o criados com o mesmo 'amor incondicional' que vieram ao mundo e t�m como refer�ncia as figuras femininas da av�, madrinha e das tias. A rotina dos tr�s � parecida com a de muitas fam�lias: Eduardo fica com os pequenos de manh�, busca-os na escola, brinca, d� o jantar e os coloca para dormir. No fim de semana, passam o dia juntos e se re�nem com os outros parentes, como est�o fazendo neste Dia dos Pais, 11. "Quero criar cidad�os com princ�pios e valores e pretendo deixar um legado humano. Sou um pai que honra a paternidade afetiva".
*Estagi�rio sob a supervis�o de Charlise Morais
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