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Estado de Minas GERAL

Um em cada quatro adolescentes brasileiros � dependente de Internet, aponta estudo

Fen�meno, j� notado por alguns pais, est� sendo quantificado por uma pesquisa pioneira no Brasil


postado em 13/10/2019 14:00 / atualizado em 13/10/2019 17:56

(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Quando decidiu restringir o acesso do filho ao computador, Mariana (nome fict�cio) observou um comportamento diferente daquele que o adolescente costumava demonstrar. O garoto, ent�o com 12 anos, se revoltava contra os pais quando era obrigado a ficar algumas horas sem usar a internet. Xingava, gritava e arremessava objetos. Parecia outra pessoa, segundo relato da pr�pria m�e. "Ele tinha um �dio no olhar, ficava totalmente transtornado. N�o era mais aquele menino doce e carinhoso", conta ela.

Mariana decidiu procurar ajuda. Passou a participar de um grupo de apoio a pais e parentes de jovens que fazem uso abusivo de tecnologias. Ao frequentar as sess�es, coordenadas por profissionais do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Cl�nicas da Universidade de S�o Paulo (IPq-HC/USP), percebeu que o que o filho tinha era um v�cio e conheceu outras fam�lias com o mesmo drama.

O fen�meno, j� notado por alguns pais, est� sendo quantificado por uma pesquisa pioneira no Brasil. Levantamento da Universidade Federal do Esp�rito Santo (Ufes) com mais de 2 mil adolescentes mostra que 25,3% s�o dependentes moderados ou graves de internet.

"Como a amostra pesquisada � grande, � um estudo representativo da realidade dos centros urbanizados brasileiros", ressalta Hermano Tavares, coordenador do Ambulat�rio Integrado dos Transtornos do Impulso do IPq, que conta com um grupo de tratamento para depend�ncia tecnol�gica.

O estudo foi feito com jovens de 15 a 19 anos de escolas p�blicas e privadas da regi�o metropolitana de Vit�ria. Eles responderam a um question�rio internacionalmente utilizado para verificar o v�cio digital, o Teste de Depend�ncia de Internet (ou Internet Addiction Test, em sua vers�o original, em ingl�s).

Mais do que medir o tempo de uso das redes, a avalia��o tem como objetivo verificar como acesso � internet impacta na rotina, emo��es e relacionamentos dos usu�rios.

� esse impacto, segundo especialistas e pais de jovens, o principal indicador de quando o uso da internet torna-se problem�tico. No caso do filho de Mariana, hoje com 16 anos, o v�cio em jogos online trouxe, al�m de comportamento agressivo, queda de rendimento na escola, ansiedade e atitudes antissociais. "� triste abrir a porta do quarto do filho, saber que ele tem a oportunidade de frequentar tantos lugares e v�-lo s� enfurnado em casa", diz.


Mais problemas


Outro reflexo da depend�ncia tecnol�gica � a presen�a de transtornos mentais associados. Segundo George Nunes Bueno, pesquisador da Ufes e um dos respons�veis pelo estudo, a propor��o de jovens com sintomas de ansiedade no grupo de dependentes tecnol�gicos � o dobro da verificada entre n�o dependentes (34%, ante 17%).

"O n�mero de dependentes � maior entre os que dizem usar a internet para se divertir, passar tempo livre ou que considera a internet uma companhia", explica o especialista.

Raz�es

A solid�o e a baixa autoestima s�o algumas das raz�es para o uso problem�tico da internet, principalmente entre os mais jovens. "A autoimagem � muito importante na adolesc�ncia e muitos encontram nas redes sociais a aprova��o e a popularidade que n�o encontram fora da internet", diz Sheila Niskier, m�dica do adolescente da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp).

Para o psic�logo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de depend�ncias tecnol�gicas do IPq-HC, outra raz�o para o uso excessivo de internet entre jovens brasileiros � a enorme desigualdade sociocultural do Pa�s. "Perante a web, todos s�o iguais e t�m oportunidades de cultura similares", afirma.

Ele afirma ainda que a viol�ncia urbana registrada nas cidades brasileiras faz com que os pr�prios pais prefiram que os filhos permane�am em casa, no computador, a que fa�am atividades externas.

Para os especialistas, � importante que os pais saibam identificar o problema, impor limites e mudar h�bitos dentro de casa. "O adolescente tem o p� no acelerador das emo��es, � impulsivo. O controle tem de ser externo. Muitas vezes o uso da internet est� preenchendo um vazio na fam�lia", afirma Sheila.

Depoimento:'Meu filho ficou irreconhec�vel. At� espumava'

At� os 14 anos, o Lucas (nome fict�cio) era bem tranquilo. Aos 15, come�ou a apresentar sinais de que n�o estava bem. N�s t�nhamos mudado de bairro e ele ficava mais tempo em casa, quase sempre no computador. Nessa �poca, comecei a notar que ele se tornou mais agressivo e explosivo. Passava umas dez horas por dia na internet. Quando ele tinha 16 anos, tiramos o computador de casa para usar em um com�rcio que t�nhamos aberto.

Ele passou a jogar escondido, mas, quando n�o conseguia, demonstrava raiva, at� mudava a fei��o. Em uma dessas crises, pegou uma faca para tentar agredir o irm�o. Tivemos de chamar a pol�cia. Em outra, arrancou os fios do computador da parede, quebrou dois celulares, ficou irreconhec�vel, at� espumava, de tanta raiva. Chegamos no limite quando ele se trancou no quarto e ficou segurando uma faca contra o peito, dizendo que ia se matar. Conseguimos entrar e tirar a faca dele.

Fomos ao hospital com ele, passamos em psiquiatra e come�amos a procurar ajuda para depend�ncia em tecnologia. Foi ent�o que toda a fam�lia passou a frequentar o grupo de apoio a familiares de dependentes em internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Cl�nicas da USP. Todos tiveram de mudar h�bitos e aprender a p�r limites.

Avaliando a cria��o do Lucas, percebo que sempre fomos permissivos, n�o coloc�vamos limites, faz�amos de tudo para evitar frustra��es. Desde que come�amos o acompanhamento, h� quatro meses, estamos tentando mudar.

Em primeiro lugar, o pai, que era caminhoneiro, mudou de emprego para ficar mais presente. Passamos a equilibrar os deveres do Lucas com privil�gios. Agora, ele tem limite de horas no computador, tem de frequentar cursos. Estamos mais presentes e isso est� fazendo a diferen�a.

Terapia com pais

A cada 15 dias, um grupo de pais e parentes de jovens se re�ne em um sobrado em Pinheiros, na zona oeste de S�o Paulo, para aprender a lidar com o inusitado v�cio dos filhos. A maioria est� na faixa dos 40 ou 50 anos e tem filhos adolescentes.

Quando tornaram-se pais e m�es, relatam, um dos principais medos era de que os filhos se tornassem dependentes de drogas ou �lcool, ou que fossem v�timas de viol�ncia.

Tamb�m temiam (e queriam evitar) ter com os filhos uma rela��o autorit�ria como a que vivenciaram com os pais, sem di�logo e com muitas regras.

Mas o que hoje tem se manifestado como principal preocupa��o da paternidade foi algo inesperado: a apatia que os filhos demonstram com qualquer atividade que n�o esteja relacionada ao uso da internet. "Se ele n�o pode estar no computador, fica deitado na cama e dorme o dia todo", conta o pai de um jovem de 23 anos. "Parece que n�o tem uma motiva��o na vida, n�o consegue tomar decis�es", relata outro.

A psic�loga Sylvia Van Enck, do Ambulat�rio Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Cl�nicas da USP, conduz as sess�es de terapia.

Em uma delas, acompanhada pelo Estado, ela convida os presentes a revisitarem sua adolesc�ncia, lembrando que, quando jovens, eles tamb�m desafiavam os pais e queriam quebrar regras, mas que a resposta dos respons�veis era diferente.

"Antigamente os pais se impunham gerando medo, e n�o queremos reproduzir isso hoje. Mas tamb�m precisamos perceber o tanto de privil�gios que temos concedido antes mesmo que os filhos cumpram com suas obriga��es", diz ela.

A ideia n�o � trazer culpa aos pais, mas ensin�-los a balancear di�logo com limites. "Muitas vezes os pais temem as rea��es dos filhos e evitam o conflito, mas isso leva a um distanciamento maior. Definir tarefas e obriga��es para eles � uma forma de integr�-los � fam�lia e fazer com que eles se sintam �teis. Nos jogos online ou nas redes sociais, muitas vezes eles se sentem valorizados e por isso querem ficar s� naquele mundo", destaca Sylvia.

Foi essa a principal mudan�a adotada por Mariana no trato com o filho de 16 anos ap�s frequentar o grupo do IPq. "Mais importante do que superproteg�-lo � analisar as rea��es dele e ir negociando. N�o precisamos ser autorit�rios, mas � preciso mostrar, mesmo que de forma sutil, lideran�a", diz.

Detox digital

Com o crescente n�mero de jovens que manifestam uso abusivo de internet, especialistas resolveram se unir ao governo federal para criar um programa que conscientize pais e filhos sobre o uso adequado de tecnologias.

Capitaneado pelo Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos, o programa Reconecte oferecer� cartilhas e v�deos informativos sobre como a tecnologia pode ser usada de forma proveitosa, mas sem criar preju�zos em aspectos como sa�de mental e seguran�a.

"A tecnologia traz in�meros benef�cios, mas pode ser problem�tica. Queremos promover o fortalecimento do v�nculo familiar como forma de evitar esse uso abusivo. Vemos que, muitas vezes, o uso problem�tico est� relacionado a uma fragmenta��o do di�logo, a uma piora da escuta em casa", diz Angela Vidal Gandra da Silva Martins, secret�ria Nacional da Fam�lia da pasta.

Entre as a��es est� o Detox Digital Brasil, data em que o governo promover� atividades culturais convidando as fam�lias a ficar um dia longe da internet. A a��o ser� realizada no dia 8 de dezembro.

Segundo Daniel Celestino de Freitas Pereira, coordenador geral de enfrentamento a v�cios e impactos negativos do uso imoderado de novas tecnologias do minist�rio, al�m de a��es em cinco eixos (cultura, responsabilidade, dignidade humana, sa�de e seguran�a), o programa Reconecte dever� fazer um levantamento sobre o assunto. "Queremos fazer uma grande pesquisa nacional sobre a sa�de mental relacionada ao uso de tecnologias." Pereira afirma que uma das possibilidades avaliadas � de que esse estudo seja feito em parceria com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Cl�nicas da USP.

O grupo de depend�ncia tecnol�gica do instituto, coordenado pelo psic�logo Cristiano Nabuco, j� vem atuando em conjunto com o minist�rio com consultoria t�cnica sobre o tema. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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