"Todas as grandes maldades do mundo s�o por causa do dinheiro; � a corrup��o, � o roubo, guerras, conflitos, s�o mentiras. Tudo para juntar dinheiro, para ganhar dinheiro �s custas de qualquer coisa. O dinheiro � o grande inimigo de Jesus, pois voc� n�o pode servir a Deus e ao dinheiro." Com essas palavras, o cardeal dom Claudio Hummes, arcebispo em�rito de S�o Paulo e relator-geral do S�nodo dos Bispos Sobre a Amaz�nia, renovou o hist�rico Pacto das Catacumbas, em que a Igreja assume sua op��o preferencial pelos pobres.
A cerim�nia ocorreu na manh� de domingo, 20, nas Catacumbas de Domitila, o maior e mais antigo cemit�rio subterr�neo de Roma. A missa reuniu cerca de 40 padres sinodais e o novo pacto foi assinado tamb�m por leigos e at� membros de outros credos - religiosos da Igreja Anglicana e da Assembleia de Deus - que estiveram presentes ao encontro. No total, o documento terminou com pelo menos 200 signat�rios, sendo 80 bispos.
O documento foi dividido em 15 pontos (mais informa��es abaixo), na qual os religiosos falam de aquecimento global, exaust�o dos recursos naturais, defesa de territ�rios, acolhimento a migrantes, redu��o de uso de pl�stico, diminui��o da produ��o de lixo, freio ao consumismo e outros temas caros aos dias atuais. Segundo o novo Pacto, � preciso "assumir, diante da extrema amea�a do aquecimento global e da exaust�o dos recursos naturais, o compromisso de defender em nossos territ�rios e com nossas atitudes a Floresta Amaz�nica em p�. Dela v�m as d�divas das �guas para grande parte do territ�rio sul-americano, a contribui��o para o ciclo do carbono e regula��o do clima global, uma incalcul�vel biodiversidade e rica sociodiversidade para a humanidade e a Terra inteira."
Atualizando a vers�o original do Pacto das Catacumbas, firmada em 1965, o novo acordo recebeu o nome de Pacto das Catacumbas pela Casa Comum.
Durante a missa, Hummes usava a estola que pertenceu ao cardeal brasileiro dom Helder C�mara (1909-1999), atualmente com processo de canoniza��o aberto na Igreja. "� uma rel�quia e eu me sinto muito emocionado por estar usando", disse Hummes. "Dom Helder nos d� esse grande exemplo, nos lembra do Vaticano 2� e de toda obra que o Vaticano 2� fez. N�s sabemos que este s�nodo � produto do Vaticano 2�. Isso � muito importante, precisamos ver essa refer�ncia, essa rela��o: s�o os frutos, s�o as formas como o Vaticano 2� j� nos indicava. E a� temos a figura de dom H�lder no Vaticano 2� recordando sempre que a Igreja n�o pode se esquecer dos pobres."
Para o fil�sofo e te�logo Fernando Altemeyer J�nior, chefe do Departamento de Ci�ncia da Religi�o da Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP), "o novo pacto � um turning point para os bispos cat�licos". "Aquele, assinado por 42 bispos em 16 de novembro de 1965 antecipou a Enc�clica Populorum Progressio. Este consolidado a Enc�clica Laudato Si, encarnada na Amaz�nia", explica. "� um sopro de vitalidade em favor das igrejas das periferias. Um belo hino � Casa Comum, nosso planeta. Algo assim revolucion�rio s� vimos quando surgiu S�o Domingos e S�o Francisco na virada do s�culo XII. Os atuais 80 bispos signat�rios e mais 120 leigos, religiosos, padres e pastores que assinam esta vers�o de 20 de outubro de 2019 reafirmam a coragem dos crist�o nas catacumbas."
Para Altemeyer J�nior, "� altamente significativo o lugar" onde a cerim�nia ocorreu. "E desta vez contou com alguns cardeais sob a batuta de dom Claudio Hummes", acrescenta. "Tamb�m simb�lico que ele presidisse a cerim�nia com uma estola do bispo profeta Helder C�mara, que foi quem patrocinou o primeiro Pacto das Catacumbas".
Pacto original
Para muitos estudiosos do catolicismo, foi um evento que mudou os rumos da pr�pria Igreja. Em 16 de novembro de 1965, 42 padres assinaram um acordo: o Pacto da Igreja Servidora e Pobre, que acabaria conhecido como Pacto das Catacumbas.
O manifesto ocorreu em meio ao Conc�lio do Vaticano 2�, encontro que buscou modernizar a Igreja no pontificado de Jo�o XXIII.
Dividido em 13 pontos, os bispos assumiam naquele acordo uma atitude em favor dos pobres do mundo todo. O documento ficou conhecido como Pacto das Catacumbas porque foi firmado ap�s missa ocorrida nas catacumbas de Santa Domitila, em Roma.
No livro Pacto das Catacumbas, escrito pelo padre Jos� Oscar Beozzo, ex-presidente da Comiss�o de Estudos da Hist�ria da Igreja na Am�rica Latina, e publicado pela Editora Paulinas, o momento hist�rico foi definido como "a express�o p�blica da caminhada e dos compromissos do grupo da Igreja dos Pobres, formado desde a primeira sess�o do 2.� Conc�lio do Vaticano". Da cerim�nia deste domingo Beozzo participou ativamente, realizando uma contextualiza��o hist�ria introdut�ria aos presentes,
Aos 42 signat�rios originais depois se juntaram outros cerca de 500 bispos de todo o mundo. O Pacto acabaria inspirando o movimento cat�lico que seria conhecido como Teologia da Liberta��o - corrente teol�gica de vi�s sociopol�tico, que parte da premissa de que o Evangelho exige uma op��o preferencial pelos pobres.
Participaram do pacto cinco religiosos brasileiros: dom Jo�o Batista da Mota e Albuquerque (1909-1984), ent�o arcebispo de Vit�ria, dom Francisco Austregesilo de Mesquita Filho (1924-2006), bispo de Afogados de Ingazeira (PE), dom Jos� Alberto Lopes de Castro Pinto (1914-2007), bispo auxiliar do Rio, dom Henrique Hector Golland Trindade (1897-1974), bispo de Botucatu (SP), e dom Ant�nio Batista Fragoso (1920-2006), ent�o bispo de Crate�s (CE). Dom Helder C�mara (1909-1999), um dos fundadores da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi um dos idealizadores do texto - mas acabou n�o participando da cerim�nia de assinatura por um capricho do destino: no mesmo hor�rio ele tinha um compromisso junto � C�ria Romana.
Os 15 pontos do novo Pacto das Catacumbas
Assumir, diante da extrema amea�a do aquecimento global e da exaust�o dos recursos naturais, o compromisso de defender em nossos territ�rios e com nossas atitudes a Floresta Amaz�nica em p�. Dela v�m as d�divas das �guas para grande parte do territ�rio sul-americano, a contribui��o para o ciclo do carbono e regula��o do clima global, uma incalcul�vel biodiversidade e rica socio diversidade para a humanidade e a Terra inteira.
Reconhecer que n�o somos donos da m�e terra, mas seus filhos e filhas, formados do p� da terra (Gn 2, 7-8), h�spedes e peregrinos (1 Pd 1, 17b e 1 Pd 2, 11), chamados a ser seus zelosos cuidadores e cuidadoras (Gn 1, 26).
Para tanto, comprometemo-nos com uma ecologia integral, na qual tudo est� interligado, o g�nero humano e toda a cria��o porque a totalidade dos seres s�o filhas e filhos da terra e sobre eles paira o Esp�rito de Deus (Gn 1, 2).
Acolher e renovar a cada dia a alian�a de Deus com todo o criado: "De minha parte, vou estabelecer minha alian�a convosco e com vossa descend�ncia, com todos os seres vivos que est�o convosco, aves, animais dom�sticos e selvagens, enfim, com todos os animais da terra que convosco sa�ram da arca (Gn 9, 9-10 e Gn 9, 12-17).
Renovar em nossas igrejas a op��o preferencial pelos pobres, em especial pelos povos origin�rios, e junto com eles garantir o direito de serem protagonistas na sociedade e na Igreja. Ajud�-los a preservar suas terras, culturas, l�nguas, hist�rias, identidades e espiritualidades. Crescer na consci�ncia de que estas devem ser respeitadas local e globalmente e, consequentemente favorecer, por todos os meios ao nosso alcance, que sejam acolhidas em p� de igualdade no concerto mundial dos demais povos e culturas.
Abandonar, como decorr�ncia, em nossas par�quias, dioceses e grupos toda esp�cie de mentalidade e postura colonialista, acolhendo e valorizando a diversidade cultural, �tnica e lingu�stica num di�logo respeitoso com todas as tradi��es espirituais.
Denunciar todas as formas de viol�ncia e agress�o � autonomia e direitos dos povos origin�rios, � sua identidade, aos seus territ�rios e �s suas formas de vida.
Anunciar a novidade libertadora do evangelho de Jesus Cristo, na acolhida ao outro e ao diferente, como sucedeu com Pedro na casa de Corn�lio: "V�s bem sabeis que a um judeu � proibido relacionar-se com um estrangeiro ou entrar em sua casa. Ora, Deus me mostrou que n�o se deve dizer que algum homem � profano ou impuro" (At 10, 28).
Caminhar ecumenicamente com outras comunidades crist�s no an�ncio inculturado e libertador do evangelho, e com as outras religi�es e pessoas de boa vontade, na solidariedade com os povos origin�rios, com os pobres e pequenos, na defesa dos seus direitos e na preserva��o da Casa Comum
Instaurar em nossas igrejas particulares um estilo de vida sinodal, onde representantes dos povos origin�rios, mission�rios e mission�rias, leigos e leigas, em raz�o do seu batismo, e em comunh�o com seus pastores, tenham voz e voto nas assembleias diocesanas, nos conselhos pastorais e paroquiais, enfim em tudo que lhes compete no governo das comunidades.
Empenhar-nos no urgente reconhecimento dos minist�rios eclesiais j� existentes nas comunidades, exercidos por agentes de pastoral, catequistas ind�genas, ministras e ministros e da Palavra, valorizando em especial seu cuidado em rela��o aos mais vulner�veis e exclu�dos.
Tornar efetiva nas comunidades a n�s confiadas a passagem de uma pastoral de visita a uma pastoral de presen�a, assegurando que o direito � Mesa da Palavra e � Mesa de Eucaristia se torne efetivo em todas as comunidades.
Reconhecer os servi�os e a real diaconia do grande n�mero de mulheres que hoje dirigem comunidades na Amaz�nia e procurar consolid�-los com um minist�rio adequado de mulheres dirigentes de comunidade.
Buscar novos caminhos de a��o pastoral nas cidades onde atuamos, com protagonismo de leigos e jovens, com aten��o �s suas periferias e aos migrantes, aos trabalhadores e aos desempregados, aos estudantes, educadores, pesquisadores e ao mundo da cultura e da comunica��o.
Assumir diante da avalanche do consumismo um estilo de vida alegremente s�brio, simples e solid�rio com os que pouco ou nada tem; reduzir a produ��o de lixo e o uso de pl�sticos, favorecer a produ��o e comercializa��o de produtos agroecol�gicos, utilizar sempre que poss�vel o transporte p�blico.
Colocar-nos ao lado dos que s�o perseguidos pelo prof�tico servi�o de den�ncia e repara��o de injusti�as, de defesa da terra e dos direitos dos pequenos, de acolhida e apoio a migrantes e refugiados. Cultivar amizades verdadeiras com os pobres, visitar as pessoas mais simples e os enfermos, exercitando o minist�rio da escuta, da consola��o e do apoio que trazem alento e renovam a esperan�a.
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