Foi-se o tempo em que as mem�rias familiares ficavam restritas apenas aos �lbuns de fotografias. J� existem no mercado empresas especializadas em oferecer servi�os para preservar a hist�ria familiar n�o somente atrav�s de livros, mas tamb�m de can��es e at� document�rios em v�deo, com "qualidade de cinema". Os servi�os podem incluir reuni�es, entrevistas, pesquisa hist�rica, levantamento bibliogr�fico, viagens e contrata��o de equipe, motivo pelo qual o custo oscila entre R$ 250 e R$ 150 mil.
O Est�dio Eon, por exemplo, � especializado em cinebiografias personalizadas. "A gente percebeu uma procura cada vez maior das pessoas em preservar suas hist�rias para as futuras gera��es. Faz parte de uma tend�ncia que n�o � s� do Brasil", diz o jornalista Fabio Schivartche, de 46 anos, s�cio da empresa com o produtor e fot�grafo Kiko Ferrite, de 47.
O trabalho envolve o levantamento de imagens hist�ricas do per�odo retratado. Para um document�rio sobre a matriarca de uma fam�lia de origem h�ngara, Schivartche faz um levantamento de grava��es da �poca para ilustrar quando a mulher fugiu de tropas nazistas e do regime sovi�tico. "O filme n�o s� informa, mas precisa emocionar, inspirar futuras gera��es."
J� o m�sico Kleber Albuquerque, de 50 anos, utiliza depoimentos e informa��es pessoais como inspira��o no projeto Can��o sob Medida. "� uma esp�cie de retrato sonoro." Ele, que teve m�sicas gravadas por Zeca Baleiro e F�bio Jr., considera can��es sob encomenda um desafio maior do que outros tipos de composi��es. "Elas t�m uma polissemia para que a pessoa se reconhe�a, mas que outras possam ouvir como can��o normal." O resultado � entregue com uma dedicat�ria e, quando solicitado, um videoclipe. E h� at� a possibilidade de apresenta��o ao vivo.
Mem�rias em papel
Domingues Massafera, de 66 anos, reuniu centenas de fotografias e documentos da fam�lia por tr�s d�cadas. Mas n�o achava que isso era suficiente. Come�ou, ent�o, a fazer fotoc�pias de lembran�as guardadas por parentes e a entrevist�-los em grava��es caseiras, al�m de levar papel para que fizessem anota��es sobre imagens antigas. O resultado era bom, mas n�o o suficiente. Alguns meses atr�s, ele descobriu, enfim, o que procurava: criar um livro sobre os Massaferas, "romanceado" e inspirado no estilo de Machado de Assis.
Para tanto, procurou uma empresa especializada em biografias sob encomenda no �ltimo semestre. Mant�m, agora, um di�logo constante com o escritor respons�vel, que est� fazendo novos levantamentos sobre os Massaferas. Como Domingues, outras tantas pessoas t�m procurado produtoras, editoras e artistas para guardar mem�rias pr�prias e da fam�lia em um formato mais elaborado, fora da est�tica amadora.
"Se eu n�o organizar isso tudo, vou acabar perdendo", diz Domingues, que � arquiteto e advogado. "N�o queria algo ma�ante, queria um livro juntando imagens e informa��es, mas romanceado, para ficar gostoso de ler." Segundo ele, a biografia est� ajudando at� a sanar curiosidades antigas, como confirmar que seu bisav� (Carmine Mazzafera, comerciante italiano radicado em Minas Gerais), realmente foi envenenado.
O livro da fam�lia � elaborado pelo escritor Guilherme Barros, s�cio da LabLivros, especializada em biografias sob encomenda e em obras que re�nem desenhos e relatos de crian�as. No primeiro caso, tudo come�a com uma reuni�o para identificar a demanda e bolar um plano de trabalho. O prazo m�dio � de quatro meses. "�s vezes, � apenas o av� que conta hist�rias e est� com 80 anos. � preciso estar de frente com ele alguns dias ou horas, trocar ideias", diz. "Outros envolvem um resgate familiar, com diversas entrevistas, pesquisa hist�rica."
No caso do projeto infantil, h� pais que preferem enviar os desenhos e deixar a interpreta��o para a empresa. Outros levam o filho para um bate-papo. "Mais importante do que o livro agora � o livro na m�o da crian�a daqui a 30 anos. Ali, ela vai se reconhecer", diz Barros.
Conversa
O foco tamb�m � liter�rio no Writing Triangles, da escritora JoG, de 40 anos. O projeto � de narrativas curtas (750 palavras), que fazem uma esp�cie de perfil. "Hoje, as pessoas n�o t�m tanto tempo para pensar na vida delas, ir mais fundo em hist�rias passadas", diz JoG. A experi�ncia come�a com um bate-papo de uma hora, geralmente em uma cafeteria. JoG faz anota��es e, em cerca de cinco dias, envia o texto. "O que fa�o � deixar falar, pe�o fotos significativas ou objetos para ter um gatilho do que � importante para a pessoa. � a impress�o daquele momento." Quem j� contratou JoG foi a tradutora inglesa Bianca Thomas, de 40 anos, que mora h� dois em S�o Paulo. Ela diz que a experi�ncia foi quase terap�utica, de "autoconhecimento com os olhos de outra pessoa".
J� o publicit�rio e fot�grafo Lex Kozlik, de 33 anos, mant�m o projeto Ca�adores de Mem�rias, que mistura relatos em primeira pessoa e imagens antigas. "Por meio da fotografia, a pessoa entra em contato com sua hist�ria." Os trabalhos de Kozlik envolvem a diagrama��o e impress�o no formato de livro. Um dos mais recentes foi o de um homem que encomendou uma obra para os 50 anos da mulher. Ap�s reuni�es, ele e Kozlik decidiram que o livro reuniria 50 depoimentos de amigos sobre a aniversariante, com fotografias importantes para ambos. "As pessoas querem contar como foi a vida, para n�o deixar s� na tradi��o oral, que acaba sendo perdida �s vezes."
Fotografia
Basta entrar em um museu de hist�ria ou de arte mais antiga para se deparar com a seguinte imagem: um homem e uma mulher dispostos perto dos filhos e, �s vezes, de animais dom�sticos. O desejo de se ver retratado acompanha a sociedade h� alguns s�culos, mas ganhou novos formatos com o avan�o da tecnologia, desde a cria��o da fotografia at� a populariza��o do smartphone.
Se o mercado abre espa�o para produtos mais elaborados - e, em alguns casos, bastante caros -, tamb�m h� ofertas populares. Um exemplo � o livro Aprendi com meu Pai, de 2006, com relatos sobre 55 pais e que, no fim, traz p�ginas que podem ser preenchidas pelo leitor. Outro, � o de editoras que produzem livros personalizados, para introduzir crian�as dentro de hist�rias, at� de personagens conhecidos, como os da Turma da M�nica.
"A partir de determinado momento da Hist�ria da Arte, h� registros de figuras, inicialmente da nobreza e aristocratas. O que � diferente do passado para agora s�o os meios de registro e a possibilidade de acesso", comenta Humberto Silva, professor de Filosofia da Faculdade Armando �lvares Penteado (Faap). "Se, h� 400 anos, eram s� reis e nobres, hoje uma festa simples na periferia pode ser registrada e esse filme se perpetuar no tempo."
O professor compara que esse interesse pelo registro tamb�m se v�, de forma mais caseira, em eventos familiares, n�o s� quando s�o fotografados ou filmados, mas tamb�m quando exibem pain�is com imagens antigas. "� algo que n�o existia h� 30, 40 anos. A gente v� a crian�a que ganha registro m�s a m�s, dia a dia, do primeiro dia que fez isso ou aquilo", diz Silva.
Narcisismo
O soci�logo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Gerson de Moraes tamb�m pontua que a tend�ncia � uma "vers�o 2019" do que j� era observado antes, mas dentro de uma �poca "bastante narcisista".
"Ningu�m quer se sentir coadjuvante, todo mundo quer se sentir de alguma forma fazendo parte do elenco principal, todo mundo quer ser o ator principal dessa novela chamada vida", diz Moraes. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
GERAL