Anima��es digitais fazem letras subirem e descerem da tela, enquanto o professor ensina o que s�o as palavras ox�tonas. No fim, ele canta o "funk da acentua��o". A professora jovem fala da 1.� Guerra Mundial como se estivesse batendo um papo, mas com conte�do na ponta da l�ngua, em um cen�rio montado em um quarto de adolescente.
Professores youtubers - j� chamados de edutubers - fazem sucesso aproveitando-se justamente do que os jovens sentem falta na educa��o formal: agilidade, linguagem f�cil e pr�xima dos adolescentes, estrat�gias para entreter o aluno. Os canais com v�deoaulas chegam a ter 5 milh�es de visualiza��es por m�s. Nas redes sociais, os professores s�o tratados como estrelas e t�m at� f�-clube.
S� com a receita dos v�deos, a chamada "monetiza��o do Youtube", que leva em conta visualiza��es e publicidade, os mais conhecidos ganham cerca de U$ 2 mil (R$ 8,4 mil) por m�s. O piso salarial do professor do ensino b�sico p�blico � de R$ 2.455. O sal�rio do docente de ensino m�dio na maioria das escolas privadas de S�o Paulo � de menos de R$ 6 mil, segundo dados do sindicato da categoria.
A popularidade dos v�deos faz com que eles vendam ainda cursos online, posts patrocinados nas redes sociais e sejam chamados para aul�es pelo Pa�s por col�gios e empresas. O cach� pela participa��o � de cerca de R$ 8 mil.
"A sala de aula ficou obsoleta, agora o aluno pode voltar, pausar, ouvir de novo a explica��o que n�o entendeu", diz o curitibano Noslen Borges de Oliveira, de 40 anos, o professor Noslen. Recentemente ele se demitiu do �ltimo dos sete empregos que acumulava, em escolas e cursinhos. Hoje, s� na internet, j� ganha mais. "Na escola, o professor � aquele que foi colocado l� e pronto. O aluno gosta de mim porque me escolheu."
Seu canal de Portugu�s e Literatura tem 2,4 milh�es de inscritos, que � como se chama quem o acompanha com frequ�ncia e recebe notifica��es quando um v�deo � publicado. S�o alunos de S�o Paulo, Rio e Nordeste, entre 17 e 24 anos. Bem-humorado, ele assoa o nariz no meio da explica��o sobre ora��es subordinadas e n�o edita quando se confunde ao falar. No per�odo da prepara��o para o Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem), foram 5,7 milh�es de visualiza��es no canal. "As pessoas me param na rua para me agradecer, tiram fotos."
Carreira
"� a valoriza��o do professor, acostumado a ser t�o desprestigiado no Brasil", diz a pedagoga Joana Dourado, que pesquisa os "professores influenciadores" para seu doutorado na Universidade Federal da Bahia. Estudos mostram que s� 2,4% dos jovens de 15 anos no Pa�s querem ser professores porque a carreira passa a impress�o de pouca realiza��o pessoal, baixos sal�rios, condi��es de trabalho ruins. Mas, para Joana, a "sedu��o do aluno pelo espet�culo", que ocorre no YouTube, pode ajudar a abrir os olhos do professor tradicional para o digital.
Segundo dados do YouTube Brasil, nove entre dez usu�rios usam a plataforma para estudar e buscar conte�dos de educa��o. "Aula nem sempre � chata, as pessoas gostam de aprender se o conte�do est� associado ao entretenimento ou algo de interesse", diz Priscila Gonsales, fundadora do Educadigital, que faz projetos em educa��o na cultura digital. Para ela, n�o h� preju�zo em usar a internet para refor�ar o conte�do aprendido em sala. "O perfil dos estudantes � outro e o mundo fora das escolas � tomado pelo contexto digital. Mas continua sendo importante a escola ser o espa�o de debates e reflex�es." L�via Ara�jo, de 18 anos, n�o conseguia pagar um cursinho presencial e estuda pelo YouTube. "Parece que os professores est�o aqui em casa. � descontra�do, n�o sinto que � uma obriga��o."
A youtuber mineira D�bora Aladim, de 21 anos, foi uma das sensa��es de um aul�o para o Enem com 6 mil alunos. Ela ainda cursa Hist�ria na Universidade Federal de Minas Gerais e seu canal no YouTube, em que faz v�deos como "A revolu��o francesa em 5 minutos", tem 2,3 milh�es de inscritos. D�bora se forma professora em breve e n�o pensa em trabalhar em escolas. "Como professora online tenho liberdade, monto minhas aulas de acordo com a demanda." Com o dinheiro das redes, saiu da casa dos pais, alugou um apartamento e se sustenta. D�bora grava os v�deos sozinha, em casa. Mas sua equipe inclui empres�rio e assessores.
Filha de um veterin�rio e uma dentista, ela virou youtuber por acaso. Aos 15, escrevia resumos de Hist�ria para os colegas. Certo dia, seu computador quebrou e D�bora fez o resumo em v�deo, no celular, e p�s no YouTube. O v�deo teve rapidamente mil visualiza��es e ela percebeu que podia fazer mais. Hoje, um dos campe�es do canal, com 3 milh�es de visualiza��es, chama-se "Escrevendo reda��o sem saber nada do tema", assunto que passou a ensinar. D�bora � popular tamb�m no Instagram, onde publica viagens e faz posts patrocinados pela Uber Eats.
Mudan�a
O matem�tico Daniel Ferretto, de 44 anos, tem mais o estilo de professor de cursinho convencional. Foi como ele come�ou em Santa Catarina, em 1998, quando chegou a dar 65 aulas por semana em sete cidades. Em 2012, passou em um concurso para papiloscopista na Pol�cia Federal. Mas sentia falta das aulas e arriscou gravar um v�deo sobre adi��o. "Em um quarto de casa montei um est�dio, com cadeira, trip� e lousinha." Aprendeu sobre equipamentos de v�deo, edi��o e fez tudo sozinho. "No come�o tinha quatro inscritos, achei que ia chegar a no m�ximo 300."
Hoje o canal tem 2,2 milh�es de inscritos, com v�deos que v�o do b�sico da porcentagem � matem�tica financeira. Trabalham com ele 17 pessoas, entre monitores e assessores. Al�m do YouTube, ganha com pacotes de R$ 22 mensais por cursos online. "Como est� tudo na internet, o professor n�o � mais o detentor do conhecimento, n�o d� para continuar dando aulas como em 1920."
'Educa��o como entretenimento'
Ele n�o � professor, mas se tornou um dos campe�es de audi�ncia entre os canais de educa��o do Youtube. Tamb�m foi um p�ssimo aluno, mas hoje ensina Hist�ria e Ci�ncia. Felipe Castanhari, de 29 anos, criou o Canal Nostalgia, hoje com 13 milh�es de inscritos, para "compensar o que deixou de aprender na escola", conta. Seus v�deos sobre a vida de Adolf Hitler ou sobre o desmatamento na Amaz�nia s�o praticamente document�rios, com efeitos visuais, roteirista e supervis�o de historiadores e cientistas.
"A ideia foi trazer conte�do de qualidade, mas com a linguagem mais simples poss�vel, para ultrapassar a barreira intelectual do brasileiro", conta Castanhari, que antes de ser youtuber trabalhava com anima��o 3D em publicidade. Recentemente, ele fechou um contrato com a Netflix para um programa de Hist�ria e Ci�ncia que deve estrear em abril. "Costumo dizer que quando eu entendo o v�deo, qualquer pessoa vai conseguir entender."
Castanhari conta que passou de ano na escola "sempre colando" at� chegar ao ensino m�dio, quando de repente percebeu que n�o tinha nenhuma lembran�a das aulas que havia assistido a vida toda. "Por alguma raz�o notei o quanto eu tinha perdido a oportunidade de aprender, ent�o mudei completamente, virei um bom aluno, comecei a sentar na frente."
Foi a� que ele se identificou com um professor de Hist�ria, que hoje � o historiador do canal e supervisiona todos os v�deos. O Nostalgia tem esse nome porque Castanhari come�ou contando hist�rias do que gostava na inf�ncia, como desenhos animados e �dolos, como Michael Jackson. At� que os assuntos se esgotaram, brinca o youtuber, e resolveu se voltar para a educa��o, como uma forma de compensar o que tinha perdido no passado.
H� dois anos, Castanhari se envolveu em uma pol�mica ao apresentar um programa do History Channel que foi criticado por escritores como Laurentino Gomes e Lira Neto. A produ��o foi chamada de superficial e acusada de buscar o "polemismo f�cil". Ele afirma que n�o teve inger�ncia no conte�do e a produ��o cometeu erros.
Castanhari, que cresceu em Osasco, periferia de S�o Paulo, acredita que o sucesso dos professores youtubers vem do fato de a escola n�o ser mais interessante para o jovem. "Essa molecada n�o consegue ficar cinco segundos em um v�deo que acha chato, imagina sentada numa classe por 50 minutos? Temos de vender educa��o como entretenimento, como um filme."
V�deo � visto como aliado
Professores de escolas particulares n�o veem rivalidade entre o trabalho em sala e v�deos com conte�do escolar. Para educadores, se o formato atrai os jovens, pode ser um aliado, desde que haja acompanhamento e qualidade. "Temos de estar abertos ao menos para entender o que os atrai para esse tipo de aula", diz Renata Le�o, coordenadora da Esfera Escola Internacional, que passar� a ofertar aulas optativas de youtuber. A ideia � que alunos saibam fazer v�deos e aprendam a identificar conte�dos confi�veis.
Ax� Silva, professor de Geografia do Col�gio Dante Alighieri, d� aulas "anal�gicas" e mant�m um canal no YouTube. "� uma ferramenta que pode agregar ao aprendizado, desde que bem utilizada." Ele convida alunos a assistir v�deos ap�s as aulas - no canal, aborda temas com ajuda de convidados. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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