
Bras�lia – Desde 1º de novembro, conflitos envolvendo povos ind�genas, moradores, fazendeiros e madeireiros na regi�o do Maranh�o tem chamado a aten��o do pa�s e preocupado autoridades. Em um m�s e meio, quatro integrantes da etnia guajajara foram mortos em situa��es que ainda precisam ser esclarecidas. No entanto, os casos de viol�ncia na regi�o t�m origem hist�rica e come�aram com uma grande trag�dia no primeiro ano do s�culo 20. O epis�dio � pouco conhecido nas demais regi�es do pa�s, mas ainda � assunto rotineiro nas conversas em cidades no interior do estado e gerou marcas na identidade dos ind�genas e de povoados que circundam a terra ind�gena Cana Brava.
D�cadas de descaso em rela��o �s pol�ticas p�blicas voltadas para as cidades e reservas ind�genas da localidade agravam problemas e geram conflitos. Enquanto o governo federal declara que n�o vai demarcar terras ind�genas e provoca mudan�as em �rg�os que atuam no setor, o risco de novos embates entre �ndios e a popula��o local aumenta.
O povo guajajara � uma das maiores comunidades ind�genas no pa�s, com cerca de 12 mil integrantes em todo o territ�rio nacional. Apenas na reserva Cana Brava vivem cerca de 4,5 mil. Uma manobra do governo para gerar economia, em 2001, gest�o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, � o principal motivo dos atos de hostilidade no local.
A reserva faz limite com tr�s munic�pios: Barra do Corda, Jenipapo dos Vieiras e Graja�. Para chegar at� essas cidades, a popula��o precisa passar pela BR-226, que, por motivo de economia, foi constru�da de maneira que um de seus trechos cortasse a terra ind�gena Cana Brava ao meio. Em decorr�ncia do uso do territ�rio, os guajajaras cobram ped�gio de quem passa.
De acordo com alguns moradores ouvidos pela reportagem, apesar de a cobran�a ser volunt�ria, � comum que as pessoas sejam obrigadas a pagar ou deixar algo de valor para poder seguir viagem – quando a via � fechada pelos ind�genas que realizam protestos na estrada. Essa � uma forma de gerar economia na reserva, que n�o integra, atualmente, nenhum programa de agricultura desenvolvido pela Funda��o Nacional do �ndio (Funai).
O professor Cl�udio Braga, membro do N�cleo de Estudos Afro-brasileiros e Indiodescendentes (Neabi) do Instituto Federal de Educa��o do Maranh�o, estuda a linguagem, cultura e sociedade dos ind�genas h� 5 anos. Atualmente, ele d� aulas e atua nas pesquisas do c�mpus do instituto em Barra do Corda. Para Cl�udio, o fato de a BR-226 passar dentro da reserva � o motivo dos conflitos que ocorrem no local.

“Na d�cada de 90, n�o existia essa BR-226. Mas no come�o dos anos 2000 foi feito o projeto para asfaltar a estrada at� Imperatriz. Ocorreu a d�vida sobre dar a volta pela reserva ou cortar a regi�o ao meio. Por uma quest�o de economicidade, fizeram a estrada por dentro da reserva. Se eu fosse dizer quem � o culpado disso aqui, � o governo. Quis economizar dinheiro. N�o existe, em outro local do Brasil, uma BR passando dentro de uma reserva ind�gena. A solu��o era ter tangenciado, passado por fora da reserva. Assim n�o existiria essa hist�ria de fechar a BR e a pol�cia poderia intervir em caso de problemas. Como a BR passa dentro da �rea deles (�ndios), eles t�m o direito de fech�-la e dizer quem passa e quem n�o passa. Essa � a quest�o”, afirma.
As doa��es e ped�gios recolhidos na BR garantem a subsist�ncia da comunidade ind�gena, j� que a unidade n�o � alvo de nenhum programa de agricultura familiar por parte da Funai. Dentro da reserva tamb�m ocorre a planta��o de maconha, que � utilizada na fabrica��o de produtos como bolos e cacha�as de c�nabis. No entanto, o com�rcio da droga acaba se perpetuando pelas cidades vizinhas e atraindo a popula��o para o com�rcio ilegal, que � proibido fora da �rea ind�gena. Al�m disso, o aumento de assaltos contra carros de passeio, �nibus e caminh�es, realizados por criminosos que se escondem na reserva, tem preocupado passageiros e motoristas. Em alguns casos, �ndios, cooptados pelos delinquentes, participam dos atos criminosos. Procurada pela reportagem para saber sobre a assist�ncia econ�mica ao povo guajajara, a Funai n�o respondeu. O Minist�rio da Infraestrutura foi questionado sobre a possibilidade de extens�o da BR, para contornar a reserva, mas n�o se posicionou at� a publica��o desta reportagem.
BANHO DE SANGUE
O levante de ind�genas contra membros da Igreja Cat�lica, no Maranh�o, em 1901, ocorreu por diversas raz�es. Mas a principal foram informa��es desencontradas entre os povos tradicionais da regi�o e a tentativa da institui��o religiosa de catequizar os �ndios. Filhos do povo guajajara foram levados por padres e frades para estudar em uma escola mantida pela Igreja, a �nica da regi�o. No entanto, como os �ndios apresentam menor resist�ncia imunol�gica �s doen�as do homem n�o ind�gena, algumas crian�as morreram ap�s uma epidemia de sarampo. De acordo com registros da Igreja Cat�lica, de 102 meninos e meninas, 50 crian�as morreram na unidade de ensino.
Os ind�genas pensaram se tratar do assassinato deliberado de seus filhos pelos religiosos, como conta o professor Cl�udio Braga. “Os filhos dos grandes fazendeiros estudavam na escola da miss�o dos frades e moravam l� e conviviam com os ind�genas. Os frades e as freiras pegavam os filhos pequenos dos �ndios para criar. Teve uma epidemia de influenza e alguns filhos de �ndios morreram. Os ind�genas, sem essa informa��o, pensaram que os frades estavam matando os filhos deles”, afirma.
De acordo com o livro O massacre de Alto Alegre, escrito pelo padre Bartolomeo da Monza, foi o maior massacre de �ndios contra homens brancos da hist�ria. O ataque ocorreu na hora da missa, �s 5h. Os ind�genas mataram as quatro freiras, sete frades, 200 fi�is e alguns fazendeiros que viviam na regi�o. O levante foi liderado pelo ind�gena Caiur� Imana, que havia se convertido ao catolicismo, mas foi punido com castigos f�sicos por n�o aderir ao relacionamento monog�mico pregado pela Igreja. “Algumas fam�lias tradicionais perderam entes nesse ataque. At� hoje os bisnetos e tataranetos est�o na cidade, t�m cargos influentes, s�o vereadores. Ent�o, esse preconceito contra ind�genas existe at� hoje. Existe essa animosidade hist�rica que vem no consciente coletivo da cidade”, completa Cl�udio.
Em seu trabalho de pesquisa, o professor Carlos Eduardo Penha Everton, da Universidade Federal do Maranh�o (UFMA), ouviu um l�der ind�gena sobre o fato. Ele declarou que a Igreja proibia os pais dos meninos ind�genas de verem seus filhos que eram levados para a cidade. “A� ‘vei’ tal de var�ola... (...) a� matou um bocado de crian�a...a� procuraram e disseram... “n�o, s� com cinco anos que ‘pode’ visitar os filhos”... (...?) fizeram um buraco e jogavam as criancinhas dentro (faz sil�ncio e “olha para o nada”, reflexivo)...(...) eu n�o gosto de contar n�o, porque � tristeza”, disse Celestino Lopes Guajajara.
Parte da hist�ria � desconhecida pela pr�pria popula��o local. Ap�s o massacre, em 13 de mar�o de 1901, tropas do estado foram enviadas e nos meses seguintes dizimaram centenas de �ndios.
Os mortos entre os povos tradicionais teriam se aproximado de 1 mil. �ndios da etnia canela teriam atuado junto �s for�as policiais, o que gerou uma divis�o e conflito entre guajajaras e canelas, separa��o que dura at� os dias atuais.
De acordo com informa��es obtidas pela reportagem, a Igreja Cat�lica decidiu, neste ano, voltar a realizar os trabalhos mission�rios entre os ind�genas. No entanto, devido �s mortes que ocorreram em novembro e dezembro, deve adiar seus planos.
Quarta morte em 40 dias
A Pol�cia Militar prendeu ontem quatro pessoas suspeitas de envolvimento na morte do ind�gena Erisvan Guajajara, de 15 anos, assassinado a golpes de faca durante uma festa na sexta-feira, em Amarante do Maranh�o, a 687 quil�metros de S�o Lu�s. O n�o ind�gena Jos� Roberto do Nascimento Silva, de 23, tamb�m foi morto. Para a Pol�cia Militar, a principal suspeita � que o ind�gena e o homem tenham sido mortos por envolvimento com roubos e tr�fico de drogas na regi�o. “N�s temos hist�rico de envolvimento do dois, tanto o ind�gena quanto o n�o ind�gena em situa��o de roubo e furto de celulares e envolvimento com o tr�fico de drogas”, informou o coronel Jorge Ara�jo, comandante do 34º Batalh�o de Pol�cia Militar de Amarante do Maranh�o.
De acordo com um dos irm�os do jovem ind�gena, ele havia sa�do h� 25 dias da terra ind�gena Arariboia, localizada a 20 quil�metros do Centro de Amarante. Os corpos de Erisvan e de Jos� Roberto foram encontrados em um terreno baldio pr�ximo a um campo de futebol. A fam�lia do �ndio pede justi�a.
Segundo sua fam�lia, era um adolescente que estudava e trabalhava na ro�a na terra ind�gena Arariboia. “N�o � verdade que Erisvan Soares Guajajara � ligado ao tr�fico. Ele usava o fumo dele, n�o vendia nada para ningu�m. Ele recebeu amea�as do povo do Amarante, mas n�o sei dizer o nome de quem amea�ou exatamente.” A declara��o � da irm� do adolescente, C�lia L�cia Guajajara, de 27, � ag�ncia Amaz�nia Real.
A Funda��o Nacional do �ndio (Funai) disse que est� acompanhando o caso e se colocou � disposi��o para ajudar no que for poss�vel. O Conselho Indigenista Mission�rio (Cimi) afirmou que, at� o momento, n�o encontrou elementos de crime de �dio ou por disputa de terras.
No m�s passado, o l�der ind�gena Paulo Paulino Guajajara foi morto durante uma emboscada na terra ind�gena Arariboia, na regi�o de Bom Jesus das Selvas, no Maranh�o. O conflito tamb�m causou a morte do madeireiro M�rcio Greykue Moreira Pereira e deixou ferido o primo de Paulo Guajajara, La�rcio Guajajara.
Paulo Paulino Guajajara era membro dos Guardi�es da Floresta, um grupo de �ndios que vigia, protege e denuncia madeireiros com o intuito de proteger a natureza. Os conflitos entre madeireiros e ind�genas j� haviam sido denunciados �s autoridades, e as amea�as aumentaram ap�s a apreens�o de ve�culos utilizados na extra��o ilegal de madeira em terras ind�genas no Maranh�o.
Por causa dos ataques, o ministro da Justi�a, Sergio Moro, determinou que a For�a Nacional de Seguran�a atue na terra ind�gena Cana Brava. As tropas chegaram na regi�o na quarta-feira passada e devem permanecer por 90 dias.