
O equipamento, importado da China, havia chegado apenas quatro horas antes, sob chuva, no aeroporto Marechal Cunha Machado, em uma opera��o cinematogr�fica que incluiu uma parceria entre o governo do Maranh�o e empres�rios locais, vigil�ncia sobre os equipamentos desde a f�brica at� o desembarque, desvios de rota para fugir dos governos dos EUA e, tamb�m, da Europa, aluguel de avi�es e um drible na Receita Federal.
A opera��o de guerra foi montada depois de o governo maranhense ter sido atravessado tr�s vezes em tentativas de comprar respiradores, uma delas pelo pr�prio governo federal, enquanto o sistema de sa�de do Estado, um dos mais pobres do Pa�s, corria o risco de entrar em colapso nos pr�ximos dias por falta de equipamentos.
Segundo o secret�rio estadual de Ind�stria e Com�rcio, Simpl�cio Ara�jo, respons�vel pela opera��o, tudo come�ou com a mobiliza��o de setores do empresariado local dispostos a colaborar no enfrentamento � pandemia.
De acordo com o secret�rio, o governo do Estado, sob o comando de Fl�vio Dino (PCdoB), enfrenta dificuldades financeiras para tomar as medidas necess�rias. Os custos estimados para o combate ao coronav�rus no Maranh�o s�o de at� R$ 800 milh�es, incluindo gastos com sa�de, assist�ncia social, perda de receitas e ren�ncias fiscais. Mas at� agora recebeu apenas R$ 56 milh�es do governo federal.
Diante do quadro dram�tico, empres�rios locais se cotizaram e ofereceram ao governo estadual R$ 15 milh�es em doa��es, que variaram de R$ 1 mil a R$ 1 milh�o.
Tentativas anteriores
Mesmo assim, o governo n�o conseguia comprar os respiradores. Na primeira tentativa, os EUA atravessaram o neg�cio, ofereceram mais dinheiro e ficaram com os equipamentos encomendados em uma f�brica na China. Na segunda tentativa, a Alemanha "superou" o governo maranhense.A terceira foi junto � Vyaire Medical, em S�o Paulo, no dia 1o de abril, mas a empresa respondeu que n�o poderia atender � encomenda porque o governo federal havia requisitado toda a produ��o de respiradores. Conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo no �ltimo domingo, o Minist�rio da Sa�de passou a ser concorrente dos governos estaduais na compra de equipamentos m�dicos.
Respiradores vindos da China
O secret�rio passou, ent�o, a se valer das boas rela��es constru�das na China, maior fabricante mundial dos equipamentos, ao longo de diversas viagens ao pa�s oriental nas quais acompanhou empres�rios maranhenses em rodadas de neg�cios.Com ajuda de amigos no outro lado do mundo, Ara�jo identificou uma f�brica "de confian�a" na cidade de Foshan e encomendou 107 respiradores. Para evitar que os equipamentos fossem desviados ou vendidos a outro cliente, funcion�rios da Vale e do Grupo Mateus, uma rede local de supermercados que importa produtos da China, fizeram pessoalmente, dentro da ind�stria, a vigil�ncia dos respiradores durante todo o processo de fabrica��o.
Al�m de arcar com os custos da aquisi��o, os empres�rios maranhenses tiveram papel decisivo na log�stica da opera��o. O governo calculou que se fosse cumprir todas as exig�ncias legais e burocr�ticas demoraria tr�s meses para adquirir os respiradores. At� l�, o sistema de sa�de estadual entraria em colapso.
A sa�da foi direcionar parte do dinheiro das doa��es, R$ 6 milh�es, direto para o Grupo Mateus, sem passar pelos cofres p�blicos. Com as credenciais de importadora, a empresa comprou os equipamentos diretamente da fabricante chinesa.
Para evitar desvios, os brasileiros fizeram a escolta dos respiradores no trajeto de 36 quil�metros que separa a f�brica, em Foshan, do aeroporto de Guangzhou, onde um avi�o cargueiro alugado pela Vale os aguardava.
Mesmo de posse dos equipamentos, o governo maranhense ainda temia que a carga fosse confiscada no meio do caminho. Havia a necessidade de uma parada para reabastecer o avi�o e foram descartadas escalas em Dubai (Emirados �rabes), EUA ou qualquer pa�s da Europa. O ponto escolhido para o reabastecimento foi a Eti�pia, de onde o cargueiro seguiu direto para o aeroporto de Guarulhos, em S�o Paulo.
"Quando chegou em Guarulhos o desespero era muito grande. Em seis horas conseguimos embarcar tudo em um avi�o da Azul alugado pelo governo do Maranh�o", relatou Ara�jo.
Ainda assim havia temor de que os respiradores fossem confiscados pelo governo federal. Foi ent�o que os maranhenses deram um drible na Receita Federal. O primeiro lance foi garantir o sigilo sobre o conte�do da carga. Para isso, optaram por cumprir os tr�mites alfandeg�rios somente em S�o Lu�s e n�o em Guarulhos.
Segundo funcion�rios do aeroporto Marechal Cunha Machado, quando finalmente o avi�o pousou com os 107 respiradores na capital maranhense, por volta das 21h, n�o havia funcion�rios da Receita em servi�o. De acordo com as fontes do aeroporto, o motivo � a redu��o dr�stica de movimento no local que costumava receber 20 voos di�rios mas desde o in�cio da pandemia tem apenas um ou dois desembarques por dia.
Uma comitiva do governo maranhense que inclu�a dezenas de homens da Pol�cia Militar, armados, e integrantes do primeiro escal�o da administra��o estadual aguardava a chegada da carga. Para liberar os equipamentos, o secret�rio Ara�jo assinou um documento se comprometendo a voltar no dia seguinte para cumprir as exig�ncias legais, o que de fato foi feito.
Quatro horas depois do desembarque, o primeiro paciente foi entubado. Agora o governo do Maranh�o aguarda outros 80 respiradores comprados em mais uma opera��o de guerra mas para evitar surpresas, a rota foi alterada.
"Da mesma forma que fizemos em S�o Paulo, tivemos que passar a mercadoria aqui em S�o Lu�s sem despertar a aten��o da Receita Federal. N�o posso dar mais detalhes porque estamos trazendo outra carga. N�o queremos nos vangloriar por este drible. O que a gente gostaria � que o governo federal declare que n�o vai interferir nas nossas aquisi��es. Um Estado pobre como o Maranh�o n�o pode ser tungado depois de todo esse esfor�o que estamos fazendo. Precisamos de mais respiradores¨, disse o secret�rio.
Com 630 casos confirmados de coronav�rus, o Maranh�o tem 60% dos leitos em UTI ocupados. A previs�o do governo � que, sem os novos respiradores, as vagas estariam esgotadas na semana que vem.