
Essa recomenda��o, por�m, contraria a orienta��o da ampla maioria das autoridades e entidades de sa�de. Embora haja estudos em andamento sobre a poss�vel a��o desses medicamentos contra o v�rus que causa a COVID-19, o SARS-CoV-2, a efic�cia deles n�o foi comprovada at� o momento. Al�m disso, a orienta��o para pessoas que apresentam sintomas � procurar assist�ncia m�dica e n�o se automedicar.
A afirma��o de que haveria um “colapso” no sistema de sa�de brasileiro tamb�m n�o � verdadeira. Levantamento feito pelo Comprova mostra que, neste momento, todos os estados possuem leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) dispon�veis.
Como verificamos?
Entramos em contato com a respons�vel pela publica��o no Facebook por meio de um n�mero de telefone que consta na apresenta��o da p�gina. Ela disse n�o saber a origem do texto que compartilhou.
Tamb�m consultamos o administrador de um perfil que havia publicado material semelhante mais de dois meses antes, em 3 de maio, mas n�o obtivemos resposta. Por meio de buscas na internet, n�o identificamos nenhuma entidade de sa�de que tenha reivindicado a autoria.
Em seguida, solicitamos por e-mail um posicionamento do Minist�rio da Sa�de em rela��o �s recomenda��es feitas no texto. Confrontamos essas sugest�es com as orienta��es de entidades m�dicas, autoridades de sa�de e estudos cient�ficos j� publicados a respeito da COVID-19.
Submetemos, ainda, o conte�do do texto � an�lise de dois especialistas: os infectologistas Una� Tupinamb�s, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Marcelo Carneiro, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e integrante da Associa��o Brasileira dos Profissionais em Controle de Infec��es e Epidemiologia Hospitalar (Abih).
Por fim, realizamos um levantamento com base em informa��es disponibilizadas pelas secretarias estaduais de Sa�de para verificar as taxas de ocupa��o de UTIs em todo o pa�s e entrevistamos o m�dico sanitarista Gonzalo Vecina Neto para compreender o que significa um “colapso” no sistema de sa�de.
O Comprova fez esta verifica��o baseado em informa��es cient�ficas e dados oficiais sobre o novo coronav�rus e a COVID-19 dispon�veis no dia 8 de julho de 2020.
Verifica��o
O texto faz men��o a tr�s “fases” da evolu��o da COVID-19 e lista sintomas e tratamentos associados a cada uma delas. Esse modelo de classifica��o � citado em revis�o publicada em abril na revista Journal of Infection Control, da Associa��o Brasileira dos Profissionais em Controle de Infec��es e Epidemiologia Hospitalar (Abih).
Assinado por 28 especialistas, o artigo confirma que a infec��o por SARS-CoV-2 pode ser dividida em tr�s est�gios. O est�gio I � “um per�odo de incuba��o assintom�tica com ou sem v�rus detect�vel”; o est�gio II � um “per�odo sintom�tico n�o grave com presen�a de v�rus” e o est�gio III � um “est�gio sintom�tico respirat�rio grave com alta carga viral”. O estudo, por�m, n�o associa sintomas ou tratamentos espec�ficos a cada uma delas.
De acordo com o infectologista Una� Tupinamb�s, essa classifica��o se aplica a apenas algumas situa��es, j� que a ampla maioria dos casos de COVID-19 n�o s�o graves e, portanto, n�o atingem a fase mais aguda da infec��o. “Aqueles pacientes mais graves talvez possam se enquadrar nas tr�s fases, mas, felizmente, s�o a minoria. S� os que est�o naquela fase mais grave que precisam realmente de interna��o, de CTI”, explicou. Segundo dados da Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS), 80% das infec��es s�o “leves ou assintom�ticas”.
Em nota, o Minist�rio da Sa�de esclareceu que os “sintomas da COVID-19 podem variar de um simples resfriado at� uma pneumonia severa, sendo os sintomas mais comuns a tosse, coriza, dor de garganta e dificuldade para respirar”. Embora haja relatos de infectados que apresentaram alguns dos demais sintomas citados no texto, eles s�o menos comuns.
De acordo com o infectologista Marcelo Carneiro, que � um dos autores do artigo do Journal of Infection Control, os sintomas mais frequentes apresentados por pacientes da COVID-19 s�o os mesmos de outras infec��es gripais. A exce��o � a perda do olfato e paladar, registrada em alguns casos e, que parece, conforme o especialista, ser um tra�o particular da doen�a causada pelo novo coronav�rus.
A informa��o da postagem de que os sintomas de virose aparecem a partir do terceiro dia de infec��o tamb�m n�o � necessariamente verdadeira. Conforme Carneiro, os sintomas podem aparecer em at� cinco dias ap�s a pessoa ter contato com o v�rus. “Isso � muito vari�vel, depende de uma pessoa para outra”, disse.
Os medicamentos
O conte�do que viralizou tamb�m recomenda a automedica��o e indica o uso do antibi�tico azitromicina a partir do terceiro dia de sintomas, bem como os medicamentos antiparasit�rios ivermectina e nitazoxanida (mais conhecido como Annita) “para ser mais r�pido na cura”. Essa recomenda��o, por�m, � refutada pela maioria dos profissionais e autoridades sanit�rias.
Na nota, o Minist�rio da Sa�de reiterou que “at� o momento, n�o h� nenhum medicamento, subst�ncia, vitamina, alimento espec�fico ou vacina que possa prevenir a infec��o pelo coronav�rus ou ser utilizado com 100% de efic�cia no tratamento”. A Organiza��o Pan-Americana de Sa�de (Opas) corrobora o posicionamento e afirma que, por enquanto, “n�o h� vacina nem medicamento antiviral espec�fico para prevenir ou tratar a COVID-19.”
Em rela��o � azitromicina, o Minist�rio da Sa�de afirma que as evid�ncias encontradas at� agora “n�o comprovam a efic�cia do uso de medicamentos antibacterianos em pacientes com COVID-19.” Essa posi��o � ratificada pela Associa��o de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Quanto � ivermectina, o documento do Minist�rio da Sa�de esclarece que “ainda n�o existem evid�ncias cl�nicas suficientes que permitam tecer qualquer recomenda��o quanto ao uso de ivermectina em pacientes com COVID-19”. O mesmo posicionamento � adotado pela Food and Drug Administration(FDA, �rg�o norte-americano equivalente � Anvisa).
Um estudo e publicado em junho pela revista Antiviral Researchapontou que a ivermectina pode atuar como inibidor do SARS-CoV-2 em laborat�rio. Segundo o infectologista Marcelo Carneiro, por�m, isso n�o garante a efic�cia do medicamento em humanos. “J� est� provado que as doses de ivermectina precisam ser extremamente altas para funcionar. Ent�o, em laborat�rio ela funciona como antiviral. Mas n�o existe doses para humanos e, se existir, ser� extremamente t�xica”, explicou.
Quanto � nitazoxanida, uma revis�o sistem�tica r�pida publicada no dia 9 de junho por pesquisadores dos hospitais Alem�o Oswaldo Cruz, S�rio-Liban�s e Moinhos de Vento concluiu que, por “aus�ncia de evid�ncia cl�nica”, n�o � poss�vel recomendar o uso do medicamento como terapia para COVID-19. Atualmente, est�o em andamento no Brasil e em outros pa�ses pesquisas sobre a poss�vel a��o da nitazoxanida contra a COVID-19, mas ainda n�o h� comprova��o.
Automedica��o
Especialistas tamb�m criticam a automedica��o, que � sugeridapelo texto. Conforme refor�ou o Minist�rio da Sa�de na nota, o diagn�stico da COVID-19 deve ser “realizado primeiramente pelo profissional de sa�de que deve avaliar a presen�a de crit�rios cl�nicos.”
De acordo com o infectologista Una� Tupinamb�s, a recomenda��o � de que pessoas com quadro suspeito evitem a automedica��o e procurem assist�ncia m�dica para receber orienta��es de como proceder. “� muito importante que todos os pacientes com suspeita de COVID-19 tenham acesso a uma consulta m�dica, mesmo que � dist�ncia”, pontuou. O especialista esclareceu ainda que o tratamento da doen�a envolve repouso e hidrata��o oral frequente e que medicamentos como dipirona, novalgina ou paracetamol podem ser utilizados para aliviar sintomas como febre, mal estar e dor de cabe�a.
Nos casos mais graves, o tratamento passa pela oxigenoterapia — o uso de respiradores mec�nicos. Una� Tupinamb�s citou ainda a dexametasona, que, segundo estudo da Universidade de Oxford, do Reino Unido, apresentou resultados satisfat�rios quando ministrada a pacientes em est�gios avan�ados da doen�a. O uso, por�m, s� deve ser feito sob orienta��o m�dica.
A situa��o do sistema de sa�de
Ao contr�rio do que diz o texto publicado no Facebook, n�o � poss�vel afirmar que o sistema de sa�de brasileiro colapsou. Professor da Universidade de S�o Paulo (USP) e ex-presidente da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), o m�dico sanitarista Gonzalo Vecina Neto explicou o que tecnicamente significaria esse colapso, que j� atingiu certas regi�es, mas ainda n�o foi observado em cen�rio nacional.
“Colapso � quando voc� tem que fazer uma escolha entre quem vai para a UTI e quem vai para o cuidado paliativo. Exemplificando: h� dois pacientes que precisam entrar na UTI para terem uma chance de salvamento e voc� tem que escolher um dos dois, porque s� tem uma vaga. O Brasil j� experimentou [o colapso] em Manaus, em Bel�m, em algumas cidades do interior do Par�, como Marab�. Colapso geral no Brasil, n�o (ocorreu)”, explicou.
Levantamento feito pelo Comprova com base em dados divulgados pelas secretarias de sa�de mostra que todos os estados brasileiros possuem vagas em UTIs. Sergipe (93,8%), Mato Grosso (93,2%) e Acre (92,4%) t�m as maiores taxas de ocupa��o. Portanto, tecnicamente � poss�vel dizer que nenhuma unidade federativa apresenta colapso no sistema de sa�de no momento.
A p�gina "Um pouco de tudo"
Por telefone, a administradora da p�gina “Um pouco de tudo”, Lucia Barros, disse desconhecer o autor do texto e alegou que copiou o material da p�gina de outra pessoa, mas que n�o se recorda quem. Lucia, que se apresentou como cabeleireira e alegou que divide-se entre Bras�lia e o Piau�, afirmou que mant�m a p�gina “por hobby” e que retirou o texto do ar por recomenda��o da filha, que � profissional da sa�de. V�rias vers�es diferentes do texto foram publicadas no Facebook antes. Por meio da plataforma CrowdTangle, identificamos que a mais antiga � da p�gina “Dr. Mike” e data de 3 de maio. O perfil � administrado pelo dentista Ezequias Nascimento dos Santos, que mant�m uma cl�nica em Manaus (AM) e, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi candidato a deputado estadual pelo PSC em 2018. Na postagem – que faz men��o � azitromicina, mas n�o � ivermectina e � nitazoxanida -, a autoria do texto n�o � atribu�da a “profissionais de sa�de”.
Procuramos a cl�nica por telefone para solicitar informa��es sobre a origem do texto, mas n�o houve retorno.
Por que investigamos?
O Comprova investiga conte�dos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados � COVID-19, a verifica��o se torna ainda mais importante, pois esses conte�dos podem colocar a sa�de das pessoas em risco.
At� o dia 2 de julho, antes de ser retirada do ar, a publica��o da p�gina “Um pouco de tudo” alcan�ava 76 mil compartilhamentos no Facebook. O conte�do � perigoso porque atribui a profissionais da sa�de recomenda��es que n�o s�o aceitas por autoridades sanit�rias e entidades m�dicas, o que pode induzir pessoas a adotar procedimentos arriscados, como a automedica��o ou o uso de medicamentos cuja efic�cia contra a COVID-19 ainda n�o � comprovada. A informa��o de que a rede p�blica de sa�de estaria em colapso tamb�m � perigosa pois distorce a realidade e pode fazer com que pessoas potencialmente infectadas deixem de procurar assist�ncia m�dica.
O Comprova j� verificou outros conte�dos que se mostraram falsos ou enganosos, como um site que sugere que h� consenso m�dico quanto ao tratamento da COVID-19, um texto com conselhos para lidar com a pandemia e um tu�te segundo o qual o uso da hidroxicloroquina nos primeiros sintomas da COVID-19 impediria que a doen�a avan�asse para est�gios mais agudos.
Falso, para o Comprova, � o conte�do inventado ou que tenha sofrido edi��es para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
O conte�do j� havia sido verificado pelo Estad�o e pelo Aos Fatos, que tamb�m o classificaram como falso.
* Texto produzido pelo Projeto Comprova, coaliz�o de ve�culos de imprensa para checar conte�do viral nas redes sociais. Investigado por: Estado de Minas e Gazeta do Sul. Verificado por: Jornal do Commercio, Poder 360, Nexo Jornal, UOL, SBT e Revista Piau�.