Nos quatro meses desde a chegada do coronav�rus ao Brasil, o Sistema �nico de Sa�de (SUS), criado em 1988, teve sua infraestrutura ampliada de modo sem precedentes. At� agora, quase 10 mil novos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) foram acrescentados � rede, que antes tinha 17,9 mil vagas, em um esfor�o de munic�pios, Estados e do governo federal. Nas regi�es onde a crise d� os primeiros sinais de arrefecimento, gestores p�blicos tra�am planos sobre o que fazer com a estrutura quando a pandemia passar, mas temem n�o ter recursos para mant�-la.
Essa pode ser a chance de usar respiradores, monitores, tom�grafos, aparelhos de hemodi�lise e at� m�quinas de raio-X para acabar com interna��es improvisadas em corredores hospitalares. Mas, para aproveitar a oportunidade, ser� preciso discutir como garantir o custeio desse sistema, afirmam gestores e pesquisadores.
At� uma semana atr�s, 9.273 leitos de UTIs haviam sido habilitados (reconhecidos como parte do sistema e remunerados pelo seu uso) pelo governo federal. O portal da Transpar�ncia, da Controladoria-Geral da Uni�o, aponta que, entre janeiro e julho, o governo federal gastou R$ 77 bilh�es com a sa�de no Pa�s, ante R$ 57,5 bilh�es no mesmo per�odo de 2019. O Minist�rio da Sa�de foi questionado pelo Estad�o sobre planos para aproveitar a infraestrutura criada para combater o coronav�rus, mas n�o se manifestou.
Em S�o Paulo, cidade que registrou o maior n�mero de casos de covid-19, o total de vagas de UTI na rede do SUS aumentou de 507 para 1.340, segundo a Prefeitura. Sete hospitais tiveram novas alas inauguradas e houve refor�o na estrutura dos demais centros m�dicos. "Trocamos, por exemplo, os tom�grafos de quase todos os hospitais", disse o secret�rio municipal da Sa�de, Edson Aparecido.
"Houve melhoria da infraestrutura e da qualidade da sa�de p�blica na cidade, como equipamentos e pessoas contratadas e que v�o ficar. Mas h� mudan�as que precisaremos fazer no sistema como um todo. O que a pandemia deixou como legado � uma melhora na articula��o da aten��o b�sica, do sistema de urg�ncia e emerg�ncia e da rede hospitalar", afirmou.
Planos
Na cidade, alguns dos servi�os novos dever�o ser transformados em unidades de refer�ncia para atendimentos espec�ficos. Um que j� estava nos planos, na Bela Vista, dever� ser voltado para popula��o de rua. Aparecido afirma que a pandemia exp�s tamb�m a falta de um tratamento espec�fico para obesos na cidade. "Isso foi dram�tico na pandemia. Na periferia, principalmente, o jovem que teve problemas com a covid era obeso. Estamos pensando em transformar um dos hospitais (novos) em um servi�o para a obesidade", disse.
Passada a crise, parte das vagas de UTI ser� fechada e transformada em camas de enfermaria. Aparecido avalia que haver� filas de outras demandas, como cirurgias eletivas adiadas na pandemia. "O recurso que veio do governo federal (para a pandemia) n�o foi pouco (R$ 700 milh�es)", diz, defendendo que a presen�a mais forte de Bras�lia no financiamento do SUS "� um legado que deveria ficar."
O secret�rio estadual da Sa�de do Rio Grande do Norte, Cipriano Maia, diz que, quando a pandemia chegou ao Estado, o plano foi fazer investimentos j� planejados pelo poder p�blico. "Quando pensamos no plano de conting�ncia, a prioridade foi ativar leitos que estavam no projeto que j� havia", disse.
Parte das vagas foi instalada em regi�es onde a demanda era maior, como o Serid�, no centro sul do Estado, que tinha 10 UTIs e agora est� com 40. Outra parte foi transferida para hospitais filantr�picos com servi�os espec�ficos, como a Liga Norteriograndense Contra o C�ncer, entidade que ir� mant�-la ap�s a pandemia.
O Estado possu�a cerca de 370 leitos de UTI antes da crise. Ganhou mais 281. "T�nhamos um represamento de leitos de UTI cr�nico, com judicializa��o permanente, de 20 a 30 pacientes por dia em espera e, com essa estrutura, a gente conseguir� atender, mas o dif�cil ser� manter se n�o tiver um financiamento adequado", disse.
A crise acelerou uma proposta de regionaliza��o da sa�de, em que governo e prefeituras se associam, em cons�rcios, para comprar insumos e gerenciar servi�os, o que racionaliza gastos. "Ter�amos uma unidade de cons�rcio interfederativo em cada regi�o, multifinalit�rio, para gerenciar o Samu regional, o hospital regional, a policl�nica regional", afirmou Maia. "Sem esse financiamento, com recursos somente do Estado e dos munic�pios, n�o teremos condi��es de manter essa estrutura."
Leitos
A expans�o do Sistema �nico de Sa�de como resposta � pandemia de coronav�rus pode ajudar a reparar algumas falhas hist�ricas do atendimento, mas para isso � preciso reflex�o e planejamento, afirmam especialistas em sa�de p�blica.
O m�dico Adriano Massuda, doutor em Sa�de Coletiva e professor da Escola de Administra��o de Empresas da Funda��o Getulio Vargas (FGV), destaca que, mesmo com uma s�rie de problemas na forma como lidou com a chegada do coronav�rus ao Brasil, "o SUS demonstrou capacidade de ampliar os leitos de UTI e essa resposta foi importante porque era uma �rea em que o Pa�s apresentava bastante d�ficit". "Antes da pandemia, 70% das regi�es do Pa�s tinham uma quantidade de leitos de UTI per capita abaixo dos par�metros recomendados."
Para o especialista, esses leitos n�o podem ser desativados. Ele tamb�m sugere que os investimentos servir�o para renovar equipamentos antigos. "O Brasil n�o teve uma pol�tica hospitalar, desde a implementa��o do SUS, para promover uma melhoria da qualidade da aten��o hospitalar no Pa�s. Esses equipamentos s�o uma parte da possibilidade de se ter uma melhora de estrutura de resposta do sistema de sa�de."
Apenas "uma parte", ressalta Massuda, porque, em sua avalia��o, outra necessidade � uma pol�tica para a aten��o hospitalar, distribuindo esses equipamentos para as regi�es onde eles s�o mais necess�rios, al�m de uma pol�tica para forma��o e qualifica��o profissional.
"Para que esse legado n�o vire um elefante branco, esses recursos t�m de ser dirigidos para uma pol�tica que v� inserir esses leitos no sistema com profissionais habilitados e integra��o da rede", afirma.
Ele disse lamentar que o governo federal n�o tenha "nem condi��o t�cnica de fazer essa discuss�o". Segundo ele, "o grau de degrada��o das equipes t�cnicas no Minist�rio da Sa�de foi tamanha que hoje ele n�o d� conta. � uma coisa perigosa". Ele ressalta ainda que h� outra quest�o na mesa, que � o limite do teto de gastos or�ament�rios. "A quest�o do or�amento vai ser uma quest�o vital para esses leitos", diz.
Li��es
Airton Stein, professor titular do Departamento de Sa�de P�blica da Universidade Federal de Ci�ncias da Sa�de de Porto Alegre, afirma que, mais do que equipamentos novos, a pandemia refor�ou uma s�rie de aprendizados para a gest�o da sa�de p�blica, destacando a efici�ncia do monitoramento de pacientes com covid-19 por agentes comunit�rios do Programa Sa�de da Fam�lia.
Ele afirma que, na crise, o que chamou a aten��o foram os casos graves de falta de vagas em UTIs. "O gestor (p�blico) quer dar conta daquilo que aparece na manchete. Quer comprar ventila��o mec�nica. Mas o problema � muito maior do que esse", disse o especialista.
Lavar as m�os
O m�dico aponta fragilidades em parte importante da popula��o que acabaram favorecendo a propaga��o da doen�a, como a falta de orienta��o sobre como lavar as m�os - "e muitas vezes sem sab�o", diz - e o fato de n�o haver nem condi��es adequadas de moradia. Nesse grupo, ele inclui tamb�m as popula��es ind�genas.
Para ele, o investimento n�o deve ser somente no que ele chama de "tecnologia dura". "O gestor muitas vezes quer o que d� m�dia - e � tamb�m o que infelizmente gera a corrup��o, que s�o as grandes compras. Mas, como um pa�s de baixa e m�dia renda, o que ter�amos de ver s�o as tecnologias de baixo custo e efetivas, como os agentes comunit�rios", afirma. Ele destaca que esse tipo de a��o tem um car�ter preventivo, que poderia evitar a necessidade de UTI posteriormente. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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