
Considerado amea�a dom�stica de terrorismo nos Estados Unidos pelo potencial de incentivar viol�ncia por parte de extremistas, o movimento QAnon (sigla para "Q An�nimo") foi adaptado ao Brasil e ganha adeptos entre radicais nacionais. A vers�o brasileira da teoria da conspira��o criada pela extrema-direita americana tem sido cultivada em f�runs bolsonaristas e alimenta campanhas de "fake news".
S�o alvos dessas campanhas ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e mesmo estrat�gias sanit�rias na pandemia, como o uso de m�scaras de prote��o e "term�metros de testa".
Em s�ntese, os adeptos do QAnon acreditam que o presidente Donald Trump foi escolhido por um ex�rcito secreto para uma batalha contra governantes ocultos do mundo. � um her�i patriota que aceitou enfrentar uma rede de tr�fico humano e pedofilia que envolve desde pol�ticos da esquerda e atores de Hollywood at� o Vaticano e o bilion�rio h�ngaro George Soros.
A origem do movimento � obscura. Os adeptos seguem um an�nimo que se identifica como "Q" para lan�ar mensagens cifradas em um f�rum da deep web - parte da internet escondida de ferramentas de busca para preserva��o do anonimato.
A fonte prim�ria da teoria jamais fez qualquer men��o a Bolsonaro, mas apoiadores do presidente trataram de incluir o brasileiro entre os l�deres mundiais escolhidos pelo "Q" para "salvar o mundo".
Em abril deste ano, por exemplo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, postou nas redes uma foto ao lado do pai e dos irm�os comendo milho. Para adeptos do movimento QAnon, mais do que uma mera reuni�o de fam�lia, a imagem era uma prova de que Bolsonaro � o escolhido. Dias antes, o "Q" havia publicado a cena de uma planta��o de milho. "Junte as pe�as do quebra-cabe�a", dizia a mensagem postada pelo perfil "Revela��o Total".
Levantamento do Estad�o identificou que, nos �ltimos 12 meses, ideias do movimento foram propagadas em p�ginas, grupos e canais de Facebook e YouTube que, juntos, somam cerca de 1,7 milh�o de seguidores ou membros. Por meio da ferramenta CrowdTangle, a pesquisa considerou apenas as publica��es em portugu�s. S�o contas que permanecem no ar, apesar das remo��es de grupos de adeptos da QAnon anunciadas recentemente pelas plataformas.
Os "conspiracionistas" n�o est�o restritos ao anonimato da internet. No ato de 21 de junho, na Esplanada dos Minist�rios, apoiadores de Bolsonaro levaram cartazes ostentando a letra "Q" e tamb�m "wwg1wga", sigla que identifica o movimento e representa em ingl�s a frase "onde vai um vamos todos".
Outra manifestante carregava os dizeres "Pizzagate � real", em refer�ncia � conspira��o que serviu de gatilho ao QAnon. Em 2016, trumpistas inventaram que Hillary Clinton, ent�o advers�ria de Trump nas elei��es americanas, e seus principais auxiliares controlavam um esquema de tr�fico de crian�as de dentro de uma pizzaria, em Washington. Influenciado pela farsa, um homem foi ao local e disparou uma metralhadora.
O crescimento no territ�rio americano acendeu um alerta. Relat�rio do FBI que veio a p�blico em agosto de 2019 apontou que ideias como as do QAnon "muito provavelmente" cresceriam e levariam grupos e indiv�duos extremistas a cometer atos criminosos ou violentos". A ag�ncia classificou o movimento como potencial amea�a interna de terrorismo.
Ataques
Integrantes do STF s�o alvos recorrentes dos f�runs conspirat�rios no Facebook com informa��es caluniosas. Publica��es buscaram ligar ministros a "orgias com garotas" organizadas pelo m�dium conhecido como Jo�o de Deus, sustentam que a for�a de Trump � capaz de influenciar decis�es do Supremo e insinuam que o Judici�rio conspira contra Bolsonaro.
Entre as p�ginas que reproduzem conte�do QAnon est�o algumas que se apresentam como "Alian�a com o Brasil", "Brasil Acima de Tudo" e "Bolsonaro direitista". Em v�deos com "explica��es" sobre a teoria � comum a defesa da "hidroxibolsonaro" no combate � COVID-19. As p�ginas costumam ser mantidas por perfis falsos ou ap�crifos.
A reportagem pediu entrevistas a quatro pessoas que s�o identificadas nas redes sociais como refer�ncias ao QAnon no Brasil, mas n�o obteve resposta. Em seus perfis, eles alegam que a "m�dia mainstream" trabalha contra a "verdade secreta".
O movimento � pol�tico, mas n�o s�. Reportagem de junho da revista The Atlantic classificou o fen�meno como "uma nova religi�o". No Brasil, o QAnon � disseminado em grupos que discutem temas esot�ricos e m�sticos.
O psicanalista e professor da Universidade de S�o Paulo (USP) Christian Dunker afirma que teorias conspirat�rias buscam a simplifica��o de fen�menos que as pessoas n�o conseguem explicar com o repert�rio que det�m. "A paranoia resolve as coisas porque ela vai dizer que existe um plano maior, um sentido. E diz indiretamente para a pessoa que ela � muito importante porque passou a saber que o mundo se divide, por exemplo, no combate entre as trevas e o bem. Esse efeito de relev�ncia, de protagonismo, � muito tentador", disse o psicanalista.
Plataformas removem p�ginas ligadas a grupo
O Facebook informou, em nota enviada ao Estad�o, agir constantemente contra grupos e p�ginas ligadas ao movimento QAnon e que violam as pol�ticas da empresa. "Esses movimentos, no entanto, evoluem com rapidez, o que exige de n�s um esfor�o cont�nuo. Portanto, seguiremos o tema de perto, estudando s�mbolos e terminologias e avaliando os pr�ximos passos para manter a nossa comunidade segura", diz a nota.
A plataforma afirmou que no dia 19 deste m�s removeu 790 grupos e 100 p�ginas ligados ao movimento.
Condutas violentas
A rede conspirat�ria, por�m, n�o foi banida da plataforma. A derrubada afetou somente contas que "celebravam condutas violentas, mostravam armas de fogo, sugeriram us�-las ou tinham seguidores com padr�es comportamentais violentos".
J� o YouTube declarou que desde que atualizou sua pol�tica de discurso de �dio, em junho de 2019, removeu "dezenas de milhares" de v�deos relacionados ao QAnon e encerrou "centenas" de canais com conte�do sobre o tema por violarem diretrizes de comunidade.
"Al�m disso, quando os usu�rios v�m ao YouTube e pesquisam t�picos sujeitos a desinforma��o, fornecemos contexto adicional e destacamos v�deos de especialistas ou fontes de not�cias confi�veis." Procurado, o Pal�cio do Planalto n�o se manifestou.