
(L�o Rodrigues - Rep�rter da Ag�ncia Brasil - Rio de Janeiro)
Milhares de trabalhadores informais de Baixo Guandu (ES) e Naque (MG) come�aram a receber indeniza��es pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco. Um al�vio para atingidos de um desastre que completar� 5 anos em menos de dois meses.
O primeiro pagamento foi realizado na quinta-feira (10) para uma artes�. Mais 7 mil pessoas dever�o receber nos pr�ximos meses valores que variam entre R$ 54 mil e R$ 94,5 mil.
Entre as categorias de trabalhadores beneficiadas est�o pescadores profissionais, revendedores de pescado, comerciantes, artes�os, agricultores, carroceiros, areeiros, ilheiros e lavadeiras. Especificamente para os moradores que pescavam somente para subsist�ncia foi arbitrado um valor mais baixo, de R$ 23,9 mil. A extens�o do pagamento para outros munic�pios da bacia do Rio Doce ainda depende de avalia��o judicial. A Funda��o Renova, entidade respons�vel pela repara��o dos danos da trag�dia, considera esta possibilidade e estima que cerca de 80 mil trabalhadores informais dever�o receber indeniza��es.
A barragem, localizada em Mariana (MG), se rompeu em 5 de novembro de 2015, deixando 19 mortos, destruindo comunidades e impactando dezenas de munic�pios na bacia do Rio Doce. Para reparar os danos, a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton, assinaram um Termo de Transa��o e Ajustamento de Conduta (TTAC) com a Uni�o e os governos de Minas Gerais e do Esp�rito Santo. Este acordo levou � cria��o da Funda��o Renova, que � mantida com recursos das tr�s mineradoras.
Segundo a entidade, at� junho de 2020, foram 10.096 indeniza��es em raz�o dos danos gerais sofridos, totalizando R$ 910,1 milh�es. Mais R$ 227,5 milh�es foram pagos a 267 mil pessoas que ficaram sem abastecimento de �gua ap�s a trag�dia. No entanto, ap�s quase 5 anos, muitas categorias informais n�o haviam sido reconhecidos pela Funda��o Renova entre os atingidos. Algumas delas sofreram impactos indiretos, como os comerciantes de comunidades pesqueiras que viram sua clientela sumir devido � queda da renda dos pescadores.
Justi�a Federal
A solu��o est� vindo por meio da Justi�a Federal. Em julho, duas senten�as similares determinaram o reconhecimento desses trabalhadores em Baixo Guandu e em Naque e fixou uma matriz de danos, por meio da qual se pode calcular o valor das indeniza��es. Foram considerados os danos materiais, os danos morais e os lucros cessantes, isto �, os ganhos financeiros que o profissional deixou de obter.
"Eram categorias de dif�cil comprova��o de danos. O juiz estabeleceu uma flexibiliza��o no processo de comprova��o. E isto inaugura um novo cap�tulo nas indeniza��es. N�s j� t�nhamos feito o que era o feij�o com arroz e indenizado aqueles casos que estavam tudo certinho. Mas tinha esse grupo grande que a gente n�o conseguia avan�ar. Pelo C�digo Civil, quem n�o tem como comprovar um dano, n�o tem como ser indenizado. Mas agora o juiz nos deu o caminho para podermos avan�ar", diz o presidente da Funda��o Renova, Andr� de Freitas.
O juiz federal M�rio de Paula Franco J�nior ampliou o leque de documentos que servem de comprova��o de resid�ncia e de comprova��o do of�cio, entre eles declara��o de contratantes, livros de caixa, cadernetas de controle, certid�o de casamento ou nascimento dos filhos que registre a profiss�o, entre outros. Al�m disso, reconheceu que n�o havia na Justi�a brasileira um precedente que oferecia sa�da para indeniza��es na dimens�o da trag�dia de Mariana.
Para o magistrado, seria inaplic�vel analisar a extens�o individual dos danos de cada um dos 500 mil atingidos estimados em toda a bacia do Rio Doce. Assim, buscou na Justi�a dos Estados Unidos a no��o de rough justice, ou justi�a poss�vel, em portugu�s. Trata-se de um caminho para resolver, de forma eficiente, um grande n�mero de casos se valendo de um processo simplificado para lidar com quest�es indenizat�rias de massa.
O juiz rejeitou os valores que haviam sido propostos pela Samarco, Vale e BHP Billton, que variavam entre R$ 15,2 mil e R$ 19,2 mil. Tamb�m determinou que aqueles atingidos que j� tenham firmado acordos de indeniza��o recebam a diferen�a monet�ria, com base na matriz de danos definida.
Plataforma eletr�nica
Atendendo � senten�a, a Funda��o Renova criou uma plataforma eletr�nica, que est� acess�vel aos advogados ou defensores p�blicos que representam cada atingido. At� o dia 31 de outubro, eles devem acessar o sistema e requerer a indeniza��o, inserindo os documentos pertinentes. Ent�o, a Funda��o Renova envia a proposta conforme o valor estipulado na decis�o judicial. Com a aceita��o do atingido, o acordo segue para homologa��o da Justi�a e, a partir da�, o pagamento deve ser feito em 5 dias �teis. "Ontem, conseguimos pagar a primeira indeniza��o menos de 24 horas ap�s a homologa��o", diz Mariana Azevedo, gerente de Pol�ticas e Monitoramento da Repara��o da Funda��o Renova.
Para a advogada Richardeny Lemke Ott, que representou os atingidos de Baixo Guandu e Naque, os pagamentos permitir�o que as pessoas retomem suas vidas. "Parece que estagnou. S�o cinco anos de ang�stias. Por exemplo, os areeiros que retiravam areia da calha do rio, transportavam de carro�a e entregava para comerciantes de areia. � uma atividade tradicional. Muitas vezes, s�o trabalhadores que n�o tiveram oportunidade de estudo, mas aprenderam aquele of�cio, viviam daquilo. E essa atividade foi retirada abruptamente da vida dele. Agora ele vai poder retomar sua vida, investir em outra atividade, comprar um im�vel, o que ele quiser", diz.
No processo, a defesa dos atingidos alegou que a Funda��o Renova atuava para protelar o pleito e que a entidade se recusava a negociar, restando ao atingido apenas duas op��es: aceitar propostas ou recorrer � Justi�a. Richardeny aposta que Baixo Guandu e Naque virar�o refer�ncia para o processo indenizat�rio em toda a bacia do Rio Doce, embora defenda que sejam consideradas as particularidades de cada cidade. "Alguns locais podem ter especificidades por ser regi�o tur�stica, o pescado ser mais caro, e nesse caso a valora��o deve ser um pouco diferenciada", avalia a advogada.
O presidente da Funda��o Renova, Andr� de Freitas, tamb�m aposta na extens�o do novo marco indenizat�rio, mas afirma que � preciso esperar as decis�es judiciais, o que dar� seguran�a para a aplica��o do sistema nos demais munic�pios. Comiss�es de atingidos de pelo menos mais 11 cidades j� pediram na Justi�a decis�es similares as de Baixo Guandu e Naque.
Processo indenizat�rio
A indeniza��o dos trabalhadores informais tem sido um dos principais gargalos do processo de repara��o de danos da trag�dia. No ano passado, a Funda��o Renova colocou em pr�tica o projeto do Pescador de Fato que prometeu enquadrar como atingidos pescadores informais que ainda n�o haviam sido reconhecidos como v�timas da trag�dia. A iniciativa, que ser� expandida para outros munic�pios, foi aplicada inicialmente em Linhares (ES) e em Conselheiro Pena (MG), levando � inclus�o de 150 atingidos. Ainda no ano passado, um acordo permitiu o reconhecimento dos camaroeiros da comunidade Enseada de Su�, em Vit�ria.
No entanto, al�m dos trabalhadores informais, muitos atingidos t�m relutado em aceitar os acordos propostos pela Funda��o Renova por consider�-los insuficientes. Uma das principais diverg�ncias diz respeito aos valores decorrentes dos danos morais. Na cidade de Mariana (MG), epicentro da trag�dia, dados da Funda��o Renova apontavam no final do ano passado que menos de 25% das fam�lias haviam aceitado um acordo de indeniza��o.
Para poder reclamar seus direitos, as comiss�es de atingidos em toda a bacia do Rio Doce puderam selecionar assessorias t�cnicas que lhes deram suporte com profissionais de �reas variadas como direito, sociologia, arquitetura, engenharia, etc. Essa prerrogativa foi assegurada em diferentes acordos que a Samarco firmou com o Minist�rio P�blico Federal (MPF) e com o Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG).
Houve ainda atingidos que optaram por processar a mineradora com advogados particulares. No ano passado, a Justi�a do Trabalho chegou a arbitrar em primeira inst�ncia valores entre R$ 2 milh�es e R$ 3 milh�es para familiares de dois trabalhadores mortos na trag�dia. O Sindicato dos Trabalhadores da Ind�stria de Extra��o de Ferros de Mariana tamb�m obteve em mar�o deste ano decis�o judicial favor�vel fixando uma indeniza��o de R$ 20 mil para mais de 600 funcion�rios que trabalhavam na barragem que se rompeu.
Al�m das discuss�es no Brasil, tramita ainda uma a��o no Reino Unido, onde est� sediada a BHP Billiton. Atingidos cobram indeniza��o da mineradora anglo-australiana, que controlava a Samarco junto com a Vale.
Segundo a Funda��o Renova, dificuldades existem porque o programa de indeniza��es � uma a��o em escala jamais vista no mundo, tanto pelo ineditismo e como pela complexidade em n�mero e diversidade de situa��es. A entidade registra ainda que, al�m dos valores indenizat�rios, destinou R$ 1,30 bilh�o para pagamento de aux�lios financeiros at� junho de 2020. Assegurado a todos os atingidos que perderam suas rendas na bacia do Rio Doce, esse aux�lio n�o tem natureza indenizat�ria e equivale a um sal�rio m�nimo, acrescido de 20% para cada dependente, al�m do valor de uma cesta b�sica.
Edi��o: F�bio Massalli