Adolescentes e pr�-adolescentes s�o um dos grupos mais afetados quando o assunto � sa�de mental durante o isolamento social, acreditam especialistas. Foram-se as festas e a conviv�ncia com os amigos, vieram a ansiedade e a depress�o. � a chamada "balada roubada".
Defini��o foi usada por sociedade de psican�lise para representar sentimento de jovens em isolamento social, distante dos amigos. M�dicos relatam maior busca por ajuda durante a quarentena do novo coronav�rus; falta de escola tamb�m contribui para o problema
Quando o WhatsApp de Mariana* chegou a 5 mil mensagens n�o respondidas, a m�e teve certeza de que algo estava errado. Aos 12 anos, a menina dizia que n�o via "sa�da para sua vida", chorava sem raz�o clara e tinha dores de barriga constantes. Passou a se recusar a assistir �s aulas online da escola e acreditava que era a �nica que n�o conseguia aprender daquela nova maneira, imposta pela pandemia. A m�e n�o a deixava mais sozinha no quarto, com medo de suic�dio. Ao procurarem um psiquiatra, Mariana teve em maio o diagn�stico de depress�o e foi medicada. S� h� poucos dias, ela pegou o livro para estudar pela primeira vez depois disso. "Eu chorei ao ver. Mas para as aulas pelo computador ainda n�o conseguiu voltar", conta a m�e, uma dona de casa do interior de S�o Paulo.
Adolescentes e pr�-adolescentes s�o um dos grupos mais afetados quando se fala em sa�de mental durante o isolamento social, acreditam especialistas. A identidade deles se forma pelo grupo, pelo outro. E quando o outro est� longe, isolado tamb�m, muitos v�nculos acabam ruindo. Foram-se ainda as festas, as conversas nos intervalos das aulas, os momentos de experimentar a independ�ncia, na escola ou em qualquer lugar longe da fam�lia. � a balada roubada, como bem definiu em live sobre o tema a Sociedade Brasileira de Psican�lise do Rio de Janeiro.
Uma pesquisa publicada no Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry concluiu que "crian�as e adolescentes s�o mais suscet�veis a ter altas taxas de depress�o e ansiedade durante e depois de per�odo de isolamento". Os pesquisadores analisaram 83 estudos sobre o assunto publicados entre 1946 e 2020.
Outro trabalho, feito na China em abril, mostrou que 22% dos estudantes declararam ter sintomas depressivos durante a quarentena e 18% disseram ter se sentido ansiosos. Os �ndices s�o superiores ao que se identificava antes da pandemia. No Brasil, pesquisa da Funda��o Lemann e Ita� Social mostrou em agosto que 77% dos estudantes estavam tristes, ansiosos, irritados ou sobrecarregados.
"Eu sou um fracasso", diz Mariana, ao ser indagada porque se sente triste. "�s vezes sou muita chata, acho que magoo todo mundo." A menina, que perdeu o pai aos 4 anos, fazia terapia antes da pandemia e j� tinha um quadro de ansiedade. Mesmo n�o tendo se adaptado ao ensino remoto, ela morre de medo de voltar � escola porque teme contaminar a m�e.
"Claro que neste momento de pandemia a gente espera rea��es emocionais, mas n�o persistentes. Quando se tenta algo positivo e n�o funciona ou o adolescente n�o se interessa por nada, � preciso ficar atento", diz o professor de Psiquiatria da Inf�ncia e Adolesc�ncia da Universidade de S�o Paulo (USP) Guilherme Polanczyk.
Entre os outros principais sintomas da depress�o est�o baixa autoestima, sensa��o de inutilidade, irritabilidade, pensamentos sobre morte, altera��es de sono e apetite e at� f�sicas, como dores e enjoos. Polanczyk � o coordenador da pesquisa Jovens na Pandemia, feita no Hospital das Cl�nicas, que pretende identificar os efeitos do momento atual na sa�de mental por meio de formul�rios online preenchidos pelos pais. O grupo espera receber cerca de 10 mil respostas e poder auxiliar as fam�lias depois.
A administradora Aurora* conta que o filho Marcos*, de 17 anos, pediu ajuda h� cerca de um m�s. "Ele n�o aguentou tanta solid�o." O adolescente, que era muito soci�vel, passou a estudar apenas por meio de v�deos gravados pelos professores, j� que a escola promoveu poucos encontros online. "De repente a rotina dele sumiu, o contato sumiu, n�o via professor, n�o interagia, n�o ouvia perguntas dos colegas, o mundo sumiu completamente", diz a m�e.
Ele come�ou a n�o dormir, se sentir feio, burro e sem amigos. Levado ao psiquiatra pela primeira vez na vida, Marcos foi medicado porque estava com sintomas depressivos e chegou a falar de suic�dio com o m�dico.
C�meras fechadas. N�o h� pesquisa ainda que mostre o aumento de casos de depress�o, ansiedade, automutila��o ou suic�dio durante a pandemia, mas psiquiatras relatam aumento de procura de adolescentes. "Esses casos j� vinham num crescente e, com certeza, o isolamento social contribui para isso", diz o psiquiatra da inf�ncia e da adolesc�ncia e m�dico colaborador do Programa de Transtornos Afetivos na Inf�ncia e Adolesc�ncia do HC, Miguel Boarati. "A tend�ncia do adolescente � se isolar do grupo familiar e ficar com os amigos." Agora, o que acontece � o contr�rio.
O m�dico tamb�m acredita que a falta de escola e a mudan�a para o ensino remoto contribuem para a situa��o. H� diminui��o do contato com colegas, professores e, algumas vezes, at� mais cobran�a, provas e exerc�cios para compensar a falta da aula presencial.
Escolas e professores, por outro lado, se ressentem de poder ajudar pouco os alunos com dificuldades emocionais durante o distanciamento. Estudos mostram que os docentes s�o essenciais para identificar quest�es na sa�de mental dos estudantes, casos de abuso, de viol�ncia dom�stica. "Na sala de aula presencial ou no intervalo est�vamos sempre observando. Agora, por mais que voc� pe�a, eles fecham a c�mera", diz a supervisora pedag�gica da Escola Vereda, no ABC paulista, Patricia do Nascimento Carvalho.
Ela conta que muitos pais passaram a relatar problemas de ansiedade e depress�o durante a pandemia. Com o gancho do setembro amarelo, campanha de preven��o ao suic�dio da Associa��o Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina, a escola criou um projeto para que os alunos possam falar de seus sentimentos nas lives.
A frustra��o com planos de viagens, formaturas, festas, que foram sendo perdidas ao longo do ano, causa mais ainda a sensa��o de incerteza. "A perspectiva de tempo para o adolescente � diferente, por uma quest�o cognitiva. Um ano � um tempo enorme para eles, sentem que muitas coisas est�o sendo perdidas, o que se torna algo muito estressante", afirma Polanczyk.
Marina Marcondes, de 17 anos, conta que tinha uma grande viagem para a Amaz�nia marcada com a escola para este ano, esperada desde que era crian�a. "Fiquei muito chateada, ainda estou chateada, mas sou otimista e tento pensar que as coisas acontecem por alguma raz�o", diz a menina, que � aluna do Col�gio Santa Cruz e participou de um projeto da escola para expressar a quarentena em fotos.
Registrou um cubo m�gico com as faces viradas, o que, para ela, representa a incerteza desses tempos. "As fotos revelam muito do que os alunos est�o vivendo, a partir disso me aproximei deles, procurei alguns para conversar", diz o orientador do ensino m�dio do Santa Cruz, Bruno Weinberg, que prop�s o projeto. Em uma imagem, Manuela Freire, de 16 anos, registra a sombra das suas m�os imitando um p�ssaro e expressa no nome da foto a vontade da adolescente h� meses em casa: "Me leva junto".
*Nomes fict�cios - a reportagem preservou a identidade dos jovens sob tratamento e de suas fam�lias
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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'Balada roubada': adolescentes em casa enfrentam ansiedade e depress�o
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