
Entre as informa��es divulgadas, est�o detalhes sobre a sele��o e monitoramento de volunt�rios, condi��es para a interrup��o dos testes e evid�ncias que ser�o consideradas pelos pesquisadores para aferir se a vacina � efetiva e segura. Esse tipo de informa��o, normalmente, s� � divulgada quando os estudos est�o completos. Mas nesses materiais, h�, como ressaltou reportagem do jornal americano The New York Times, estimativas sobre datas para a conclus�o das pesquisas.
Os blueprints revelam, por exemplo, que um total de 151 casos confirmados entre as dezenas de milhares de participantes do ensaio � suficiente para comprovar que a vacina da Moderna � 60% eficaz, segundo a reportagem do jornal americano. No caso da Pfizer, para chegar � mesma conclus�o, s�o necess�rios 164 casos.
A efic�cia pode ser, contudo, atestada antes disso por um painel de especialistas. No caso da Moderna, por exemplo, poderia ocorrer quando chegar a 53 casos se for atestada uma efici�ncia de 74%, ainda conforme informa��es do The New York Times. Isso porque h� um entendimento de que n�o seria �tico continuar expondo os participantes do estudo que tomaram placebo em vez da vacina.
Por outro lado, um comit� de seguran�a tamb�m pode pausar um estudo, como ocorreu recentemente com a AstraZeneca, ap�s ser reportado um caso adverso s�rio, que, segundo a empresa, seria de uma paciente que desconhecia ter doen�a pr�-existente. Uma das cr�ticas que a companhia recebeu � das poucas informa��es sobre esse caso e de outro participante com rea��o adversa, que tamb�m teria apresentado um problema neurol�gico. Os testes do imunizante, desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford (Reino Unido), chegaram a ser interrompidos, mas foram retomados ap�s an�lise de um comit� externo.
Debate pol�tico n�o pode contaminar pesquisa, dizem especialistas
A maior transpar�ncia de uma parte das pesquisas � elogiada, mas tamb�m h� preocupa��o da comunidade acad�mica para que essa corrida n�o se contamine por discuss�es ideol�gicas e press�es geopol�ticas, como ocorreu com alguns medicamentos na pandemia. Para especialistas ouvidos pelo Estad�o, � compreens�vel que o ritmo dos estudos ocorra de modo mais acelerado por causa do alcance e gravidade da crise sanit�ria, mas � necess�rio o acompanhamento dos resultados tenha um m�nimo de tempo. Portanto, prever cronogramas precisos para vacina��o em massa em 2020 n�o � uma perspectiva considera respons�vel.
"Tr�s meses � um per�odo muito curto para avalia��o. N�o s� da quest�o de seguran�a, de eventos adversos, mas tamb�m da dura��o", destaca Ricardo Gazzinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia. "Uma vacina que tem efic�cia por tr�s meses pode ser que n�o tenha em seis meses ou um ano. Uma efic�cia de tr�s meses n�o tem muito valor." Segundo ele, vacinas levam uma m�dia de 10 anos para serem desenvolvidas, com casos mais c�leres em quatro anos. "A tecnologia avan�ou muito, permitiu ser mais r�pido. Temos que tentar ter o mais r�pido poss�vel, mas tudo tem que ter limite." Um dos pontos que destaca � o de efic�cia m�nima entre imunizados, determinada em 50% nos Estados Unidos. "� uma efic�cia muito baixa. Mas o que vai ser feito no Brasil? O Minist�rio (da Sa�de) tem de pronunciar sobre isso. � importante ter esse debate de maneira mais aberta."
Sobre celeridade, Gazzinelli tamb�m cita como exemplo para a recente confirma��o de um segundo caso de poss�vel rea��o adversa neurol�gica envolvendo participantes do estudo de Oxford com a AstraZeneca, que teve pausa ap�s o primeiro registro. "Pode ser que n�o tenha nada a ver, mas pode ser que tenha. A casu�stica toda fala da doen�a em uma pessoa a cada 230 mil, e s�o dois casos em 18 mil volunt�rios."
Outro motivo de preocupa��o � que uma tema cient�fico seja polu�do por discursos pol�ticos e ideol�gicos, a exemplo do que se viu com medicamentos que passaram por estudos iniciais para o tratamento, como a cloroquina e a ivermectina. Na corrida eleitoral americana, isso j� � percept�vel por parte do presidente, Donald Trump, que chegou a prometer, na semana passada, vacina para outubro.
"Meu receio � que incorra no mesmo erro. J� tivemos preju�zos muito s�rios na discuss�o do tratamento", ressalta a infectologista Raquel Stucchi, professora da Unicamp. "Novas vacinas sempre passam por uma quest�o econ�mica. Agora, se soma uma press�o pol�tica pela urg�ncia em se liberar alguma coisa, at� para render votos em elei��es pr�ximas. O que deve ficar claro para todos � que a ci�ncia n�o pode pular etapas."
Para ela, agora n�o � o momento de prometer datas para iniciar a imuniza��o. "Isso � um erro muito grande, ilus�rio. Voc� n�o pode fazer isso se n�o tem o resultado ainda", reitera. "Pode trazer outro preju�zo que � o entendimento de pessoas de que se pode esquecer de tudo (de medidas de preven��o) porque vai ter vacina daqui um m�s, como se a pandemia tivesse acabado."
Raquel destaca, ainda, que uma poss�vel vacina pode ter efeitos distintos em diferentes grupos, tanto por faixa et�ria quanto pela presen�a de comorbidades. Mais do que isso, a prote��o ainda dependeria de certo intervalo ap�s a aplica��o de todas as doses. "O que n�o pode acontecer � se precipitar e acabar colocando em descr�dito todo um trabalho de d�cadas (com vacina��o)."
Ao The New York Times, o diretor cient�fico da Moderna, Tal Zaks, chegou a dizer que a farmac�utica decidiu ser "transparente ao ponto de desconforto" sobre os passos para o desenvolvimento de uma poss�vel vacina. Posicionamento semelhante � compartilhado por outras empresas que tamb�m est�o na corrida, tanto que ao menos tr�s divulgaram dados e protocolos da pesquisa.

Professor e pesquisador do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG, o virologista Fl�vio da Fonseca comenta que estudos sobre vacinas costumavam levar alguns meses para terem resultados divulgados dentro da pr�pria comunidade cient�fica. "Isso se alterou bastante na pandemia. A gente tinha como acompanhar, mas n�o em tempo real. Era um pouco ‘atrasado’, ap�s o processo de publica��o (que passa por avalia��o e outras etapas) em revista cient�fica, que leva meses." A R�ssia, que desenvolve a vacina Sptunik V, foi alvo de cr�ticas de cientistas ap�s divulgar o registro para o imunizante antes de divulgar detalhes das fases 1 e 2 dos testes, o que foi feito semanas depois no peri�dico m�dico Lancet.
Nesse cen�rio, a divulga��o de resultados varia de revistas tradicionais at� espa�os de publica��o na internet (em formatos chamados de preprints) e at� pr�prios (como os blueprints). "� at� compreens�vel realmente essa necessidade acelera��o. Nunca se gerou tantos dados com velocidade t�o pequena, que, �s vezes, � incompat�vel com a publica��o", argumenta o professor.
Outro ponto, � que esse debate nunca teve tanto espa�o no cotidiano da popula��o n�o cient�fica, o que requer a��es para evitar a dissemina��o de desinforma��o, boatos e fake news. "Vai ser necess�rio para todos os setores, laborat�rios, parte governamental, trabalhar a conscientiza��o", diz. "Esse movimento antivacina n�o � trivial, n�o � pequeno."
Para a biom�dica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em Neuroci�ncia, o aumento da transpar�ncia n�o s� ajuda nesse processo quanto tamb�m na confiabilidade dos resultados, que podem ser analisados por especialistas que n�o t�m rela��o direta com os estudos. "Gente da comunidade cient�fica acaba fazendo perguntas, pedindo esclarecimentos extras de algo que n�o ficou bem entendido", exemplifica.
"Isso faz com que ci�ncia seja constru�da de forma colaborativa, com mais gente contribuindo metodologicamente nas formas de an�lise, na vigil�ncia", comenta a biom�dica, que tamb�m coordena a Rede An�lise Covid-19, que coleta, analisa e modela dados relativos � covid-19. Ela cita o exemplo da vacina russa.
"A n�o publica��o de dados antes de autoridades anunciaram que iriam vacinar a popula��o deixou a comunidade cient�fica preocupada. O estudo da fase 3 n�o estava catalogado. Ainda quando dados vieram, n�o vieram dados num�ricos, com gr�ficos sem n�meros", comenta. "A melhor forma evitar pol�mica mais transparente poss�vel."