Controlado majoritariamente por integrantes do governo federal, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), presidido pelo ministro Ricardo Salles, aprovou ontem a extin��o de duas resolu��es que delimitam as �reas de prote��o permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral. Para ambientalistas, a revoga��o abre espa�o para especula��o imobili�ria nas faixas de vegeta��o das praias e ocupa��o de �reas de mangues para produ��o de camar�o. Para o governo e o empresariado, havia legisla��es conflitantes. A Rede j� entrou com a��o no Supremo Tribunal Federal para reverter a vota��o.
O Conama revogou ainda uma resolu��o que exigia o licenciamento ambiental para projetos de irriga��o, al�m de aprovar uma nova regra, para permitir que materiais de embalagens e restos de agrot�xicos possam ser queimados em fornos industriais para serem transformados em cimento, substituindo as regras que regulavam o atual descarte.
Pela manh�, ambientalistas, parlamentares e a Associa��o Brasileira dos Membros do Minist�rio P�blico de Meio Ambiente (Abrampa) pediram que todos esses itens fossem retirados da pauta. Houve ainda busca de cancelar a reuni�o, por meio de a��o judicial. Todas as tentativas fracassaram.
A revoga��o das Resolu��es 302 e 303, ambas de 2002, elimina instrumentos de prote��o dos mangues e das restingas, as faixas com vegeta��o comumente encontradas sobre �reas de dunas em praias do Nordeste. O argumento do governo � de que essas resolu��es foram abarcadas por leis que vieram depois, como o C�digo Florestal. Especialistas em meio ambiente apontam, por�m, que at� hoje essas resolu��es s�o aplicadas, porque s�o os �nicos instrumentos legais que protegem, efetivamente, essas �reas.
No m�s passado, por exemplo, a Companhia Ambiental do Estado de S�o Paulo (Cetesb) perdeu uma a��o na Justi�a e foi obrigada, por meio de senten�a, a respeitar as delimita��es previstas na resolu��o de 2002, "para evitar a ocorr�ncia de dano irrepar�vel � coletividade e ao meio ambiente". A extin��o da resolu��o tamb�m acaba com regras que definiam limites de �reas de preserva��o permanente de reservat�rios artificiais, bem como o regime de uso do entorno desses lagos.
J� a revoga��o da Resolu��o 284, de 2001, acaba com os crit�rios de regras federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irriga��o. No entendimento dos ambientalistas, a revoga��o tem o objetivo de acabar com exig�ncias legais a pedido de parte do agroneg�cio. A Confedera��o da Agricultura e Pecu�ria do Brasil (CNA), que integra o Conama, argumentou, no entanto, que a resolu��o conflita com outras que j� est�o em vigor. O Minist�rio da Agricultura declarou que irriga��o n�o � "atividade", mas sim um acess�rio da agricultura. "N�o vemos impacto positivo nessa resolu��o no meio ambiente", declarou o minist�rio, que tamb�m integra o conselho.
Concentra��o
Durante a vota��o, Salles chegou a sugerir que as vota��es fossem adiadas. Todos os integrantes do pr�prio governo e institui��es empresariais, no entanto, votaram para a manuten��o da pauta e suas delibera��es. Procurado, Salles n�o quis comentar a vota��o. O resultado exp�e a forma como o governo passou a controlar o �rg�o. Desde julho de 2019, concentrou-se nas m�os do governo federal e de representantes do setor produtivo a maioria dos votos. Estados e entidades civis perderam representa��o. O Conama teve os integrantes reduzidos de 96 para 23.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Prote��o Ambiental (Proam), afirma que, pela estrutura atual, o governo federal passou a ter 43% de poder de voto no conselho, al�m de outros 8% de poder de voto do setor empresarial. Os demais votos est�o dilu�dos entre Estados, munic�pios e sociedade civil. A estrutura anterior do �rg�o tinha o objetivo de dar representatividade a v�rios segmentos da sociedade. Uma parte era escolhida por indica��o e outra, por elei��o. Desde o ano passado, por�m, essa escolha passou a ser feita por sorteio.
Institui��es que representam a sociedade civil, incluindo associa��es ambientais, de trabalhadores rurais e povos ind�genas, viram suas posi��es ca�rem de 23 para 4. E duas dessas cadeiras est�o vagas, porque seus membros - da Associa��o Rare do Brasil e da Comiss�o Ilha Ativa - deixaram o conselho e n�o foram substitu�dos. Os Estados tamb�m perderam representa��o. Se antes havia uma cadeira para cada um dos 26 Estados e o Distrito Federal, agora s�o 5 cadeiras representadas por um Estado de cada regi�o geogr�fica do Pa�s. Os munic�pios, que tinham 8 representantes, agora t�m 2.
O Minist�rio P�blico Federal � membro do conselho e, regularmente, cr�tico de flexibiliza��es ambientais, mas � o �nico sem direito a voto. "Com a conforma��o do Conama, o governo obteve pleno controle para passar boiadas, reduzir o rigor da legisla��o ambiental por meio de resolu��es do conselho. O Conama, �rg�o com quatro d�cadas de importantes contribui��es para a pol�tica ambiental, na pr�tica est� morto", disse a ex-presidente do Ibama Suely Ara�jo, especialista s�nior em pol�ticas p�blicas do Observat�rio do Clima.
Justi�a e Congresso
A Rede Sustentabilidade entrou com a��o no STF, com pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolu��o. A procuradora regional da Rep�blica F�tima Aparecida de Souza Borghi, representante do Minist�rio P�blico Federal, tamb�m deixou claro aos demais membros do conselho que as revoga��es ser�o questionadas pelo MPF na Justi�a.
Em sua a��o, a Rede questiona viola��o aos par�metros normativos e alerta sobre a "viola��o ao direito ao meio ambiente equilibrado, caracterizada por queimada de agrot�xicos, diminui��o de APPs � revelia de recomenda��es t�cnicas e modifica��o nociva ao meio ambiente no que diz respeito � irriga��o na agricultura".
"N�o podemos aceitar que se fira a Constitui��o, entregando � especula��o imobili�ria as �reas de restingas e manguezais. Cabe ao STF assegurar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e impedir esse grave retrocesso" disse ao Estad�o o l�der da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP)
Na C�mara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) apresentou um projeto de lei legislativo, no qual tamb�m pede que a nova resolu��o seja sustada, para que os temas sejam analisados. "H� um dever estatal de assegurar a progressiva melhoria da qualidade ambiental, n�o se admitindo flexibilizar direitos ambientais j� consolidados." A bancada do PSOL tamb�m apresentou proposta semelhante.
O l�der da Minoria da C�mara dos Deputados, Jos� Guimar�es (PT/CE), foi outro que apresentou projeto de decreto legislativo com o objetivo de sustar os efeitos da Resolu��o 500, que revogou as anteriores. Mais cedo, uma a��o popular assinada por Nilto Tatto (PT-SP), Enio Jos� Verri (PT-PR) e Gleisi Hoffmann (PR-PR) pediu a suspens�o da reuni�o e de suas decis�es. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que tamb�m pretende entrar com um a��o popular na Justi�a Federal.
J� a Associa��o Brasileira dos Membros do Minist�rio P�blico de Meio Ambiente emitiu manifesta��o de rep�dio. A Abrampa afirma que a revoga��o das resolu��es afronta os ditames legais e "ofende o princ�pio do n�o retrocesso, o qual permite aos Poderes da Rep�blica apenas avan�os na prote��o ambiental, ao passo que atos normativos contr�rios � evolu��o na prote��o ambiental propiciam mais inseguran�a jur�dica e instabilidade institucional".
O QUE MUDA
Litoral
A extin��o da Resolu��o 303, de 2002, acaba com a regra que estipulava par�metros, defini��es e limites de �reas de preserva��o permanente (APP) em locais do litoral e protegia regi�es de manguezais e restingas, que concentram vegeta��o sobre dunas em muitas praias. Abre-se o caminho para que Estados adotem as pr�prias normas e se facilita a entrada de projetos como hot�is e usinas e�licas, por exemplo.
Represas artificiais
O fim da Resolu��o 302 autoriza que empreendimentos possam entrar em �reas localizadas nos arredores de represas artificiais. Essa resolu��o estipulava uma �rea m�nima de 30 metros no entorno desses lagos, para evitar especula��o imobili�ria. Sem essa regra, o caminho est� aberto para essas instala��es.
Irriga��o
A revoga��o da Resolu��o 284, de 2001, acaba com a exig�ncia de projetos de irriga��o obterem licenciamento ambiental. A preocupa��o ambiental com esse dispositivo est� diretamente atrelada ao uso dos recursos h�dricos. A irriga��o � hoje um dos maiores consumidores de �gua do Pa�s. Sem a regra federal, cada Estado passa a definir como se dar� esse acesso e por quais ferramentas.
Agrot�xicos
O Conama aprovou ainda uma nova resolu��o que vai permitir a queima de agrot�xicos. Os chamados "res�duos de poluentes org�nicos persistentes", que agora poder�o ser incinerados em fornos de produ��o de cimento, incluem itens como inseticidas, pesticidas e fungicidas, que s�o usados pelo agroneg�cio. At� hoje, o descarte de res�duos e embalagens segue um rigoroso processo ambiental. Agora, tudo poder� ser queimado. A preocupa��o ambiental diz respeito ao material que essa queima vai espalhar pela atmosfera.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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