O feriado de 12 de outubro tem uma raz�o religiosa para existir, dentro da tradi��o cat�lica brasileira: para a Igreja, a data � dedicada a Nossa Senhora Aparecida, santa considerada a padroeira do Brasil.
Nossa Senhora Aparecida � o nome que acabou sendo dado a uma imagem de Nossa Senhora da Concei��o, feita de terracota, 36 cent�metros de altura e 2,5 quilos, que teria sido encontrada em outubro de 1717, por tr�s pescadores no Rio Para�ba do Sul em S�o Paulo.
- 10 perguntas sobre Nossa Senhora Aparecida que, 300 anos depois, continuam sem respostas definitivas
- Por que o Brasil comemora o Dia das Crian�as em 12 de outubro?
Como a santa foi "aparecida", a alcunha logo pegou. O epis�dio foi considerado um milagre - e logo outros relacionados � santa foram sendo narrados. De sorte que a pequena capela originalmente erguida, em 1745, para abrig�-la passou a atrair mais e mais romeiros, e o local aos poucos se transformou em uma cidade, Aparecida.
Hoje Aparecida � o principal ponto de turismo religioso do pa�s. Anualmente, cerca de 12 milh�es de romeiros visitam o Santu�rio Nacional - que recebeu, ali�s, os tr�s �ltimos papas do catolicismo, Jo�o Paulo 2º, Bento 16 e Francisco. No feriado dedicado � santa, o local costuma ser visitado por 200 mil pessoas.
Em julho de 2013, quando visitou o Brasil, o papa Francisco celebrou uma concorrida missa no Santu�rio Nacional de Aparecida. Ao fim da cerim�nia ele afirmou que deveria voltar em 2017 - revelando, portanto, que estava em seus planos tomar parte nas comemora��es pelos 300 anos da descoberta da imagem da padroeira brasileira. Por algum tempo, muito se especulou se ele tornaria a viajar para o pa�s.
A negativa acabou sendo justificada por problemas de agenda. Entretanto, especulou-se que ele teria declinado da possibilidade diante do cen�rio pol�tico inst�vel atravessado pelo pa�s desde o impeachment de Dilma Rousseff, ocorrido um ano antes.
Em mensagem em v�deos transmitida na missa do dia 12 de outubro de 2017, o papa criticou o "problema da corrup��o do pa�s".
Devo��o nacional
E como foi que a santinha foi parar no rio?
Conforme aponta o jornalista Rodrigo Alvarez no livro Aparecida - A Biografia da Santa que Perdeu a Cabe�a, Ficou Negra, Foi Roubada, Cobi�ada pelos Pol�ticos e Conquistou o Brasil, o mais prov�vel � que algu�m a tenha descartado porque ela estava quebrada - e muitos acreditam que ter uma imagem quebrada de santo pode dar azar.
J� a cor original da santa muito provavelmente n�o era negra. Ficar anos sob as �guas deve ter tornado a imagem escura tal e qual a conhecemos.
- A longa viagem de Dom Pedro 1º que culminou na Independ�ncia do Brasil
- Por que a Igreja Cat�lica decidiu condenar a pena de morte – e por que n�o havia feito isso antes
De acordo com especialistas, entretanto, a devo��o a Nossa Senhora Aparecida demorou para se espalhar em todo o Brasil. Para o te�logo e fil�sofo Fernando Altemeyer J�nior, professor de Ci�ncias da Religi�o da Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP) e autor de um cap�tulo de livro que a Editora Paulinas prepara sobre a devo��o mariana no Brasil, esta fama de Nossa Senhora Aparecida se espalhou mesmo com o trabalho realizado pelos mission�rios da Congrega��o Redentorista, que iniciaram os servi�os em Aparecida em 1895.
"Lentamente, a devo��o popular acabou assumida pela Igreja Cat�lica. O fervor foi amplificado com a chegada dos redentoristas e, depois, com a constru��o da Rodovia Dutra. Estrategicamente, Aparecida fica no meio das duas metr�poles, Rio e S�o Paulo", aponta o te�logo. "Antes, a devo��o estava concentrada no Vale do Para�ba e Sul de Minas."
"Havia uma devo��o, mas n�o em n�vel nacional, como hoje", diz o historiador e pesquisador Paulo Rezzutti.
No seu livro D. Pedro: A Hist�ria N�o Contada, ele relata que o pr�prio primeiro imperador do Brasil visitou a igrejinha onde a santa estava exposta. Aparecida foi uma das paradas do percurso que Pedro fez, a cavalo com uma comitiva, entre Rio e S�o Paulo, em agosto de 1822.
Viagem esta que acabaria terminando com a declara��o da Independ�ncia do Brasil, �s margens do rio Ipiranga.
Memorialistas populares afirmam que o monarca teria feito uma promessa ali: se ele se tornasse governante do Brasil, transformaria Nossa Senhora na padroeira do pa�s.
Isto nunca ocorreu. "Em 1826, o Brasil ganhou seu primeiro padroeiro: S�o Pedro de Alc�ntara, por solicita��o de dom Pedro 1º ao papa", conta Rezzutti. "Esse santo era de devo��o particular da fam�lia imperial. � de onde vem o nome Alc�ntara, que est� no nome completo tanto de Pedro 1º quanto de Pedro 2º."
Para o pesquisador e estudioso de santos Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia, a devo��o a Nossa Senhora Aparecida s� ultrapassou os limites da ent�o Vila de Santo Ant�nio de Guaratinguet�, regi�o da descoberta da imagem, quando come�aram a se espalhar as hist�rias de milagres.
"H� o relato da liberta��o de um escravo chamado Zacarias, preso por grossas correntes que, quando passou pela igreja constru�da para abrigar a imagem da santa, pediu ao feitor permiss�o para rezar. Ajoelhado diante de Nossa Senhor Aparecida, as correntes que o prendiam teriam se soltado, tornando-se ele ent�o livre", conta Lira.
"Essas hist�rias foram se espalhando."
Princesa Isabel e a coroa
Outro relato lembrado por Lira diz respeito � neta de dom Pedro 1º, a princesa Isabel.
"Em 1868, conta-se que ela foi a Aparecida pedir prote��o de Nossa Senhora Aparecida para conseguir ter um filho. J� estava casada h� quatro anos, sem conseguir engravidar", conta o hagi�logo. "Em 1874, Isabel teve uma crian�a, natimorta, e, entre 1875 e 1878, teve tr�s filhos, que garantiriam a sucess�o imperial."
Em novembro de 1888, um ano antes da Proclama��o da Rep�blica do Brasil, a princesa teria retornado para Aparecida. Levou uma doa��o preciosa, conforme afirma Lira: uma coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis e um manto azul.
Esta coroa seria utilizada em 1904 em uma cerim�nia oficial. "Um representante do papa a coroou oficialmente Rainha do Brasil", diz o pesquisador Rezzutti.
Segundo ele, isto pode ter ocorrido pela influ�ncia de Isabel junto ao Vaticano. "Ela tinha muito contato com a c�pula da Igreja. E isto se refor�ou durante seu ex�lio na Europa, quando a fam�lia imperial foi obrigada a deixar o Brasil, depois da Rep�blica. Foi muito simb�lico a princesa, herdeira do trono e da coroa imperial - que nunca usaria - doar uma coroa para a 'rainha do Brasil'. De certa forma, � como se ela transferisse sua coroa para a santa."
Mas essa coroa��o n�o fez de Nossa Senhora automaticamente a padroeira do Brasil.
Oficialmente, isso s� ocorreria em 16 de julho de 1930, por decreto do Papa Pio 11º. Conforme contextualiza Altemeyer, havia uma press�o grande das arquidioceses tanto do Rio quanto de S�o Paulo para que o Vaticano formalizasse tal reconhecimento. Desde ent�o, S�o Pedro de Alc�ntara passou a ser considerado "nosso segundo padroeiro", como explica Lira.
"O ato do pont�fice legitimava o que o pr�prio povo brasileiro j� havia consagrado no cora��o. No decreto, o santo padre afirmou que atendia ao pedido do episcopado e do povo brasileiro, 'o qual com fervor e piedade constantes, desde os anos do descobrimento das regi�es bras�licas at� nossos tempos, tem venerado e venera a Imaculada Virgem M�e de Deus'", conta Altemeyer.
No ano seguinte, em 31 de maio de 1931, uma missa solene ocorreu no Rio de Janeiro, ent�o capital federal, para oficializar o decreto. "Para a ocasi�o, a imagem da santa foi levada em romaria de Aparecida at� o Rio", ressalta o te�logo.
O vermelhinho no calend�rio, entretanto, viria apenas 50 anos mais tarde. A declara��o de feriado nacional foi sancionada pelo presidente Jo�o Figueiredo, o �ltimo presidente da ditadura militar do Brasil, em 30 de junho de 1980, exatamente no dia em que o pa�s recebeu a visita de Jo�o Paulo 2º, primeiro papa a pisar em terras nacionais.
A partir daquele ano, portanto, ficou "declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para cultura p�blico e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil", conforme o texto da lei.
"Desde ent�o, houve muitos questionamentos acerca da lei, por conta de o Estado ser laico e da separa��o entre Igreja e Estado promovida pela Rep�blica", comenta Lira.
"Eu n�o vejo controv�rsia. Nossa Senhora Aparecida � reconhecidamente participante do imagin�rio brasileiro, da vida brasileira. Se feriamos, por exemplo, o dia da morte de uma personalidade hist�rica que �s vezes n�o alcan�a o percentual significativo da na��o e lhe prestamos homenagens p�blicas, por que n�o homenagear a padroeira e feriar o dia a ela dedicado?"
H�, entretanto, uma curiosidade hist�rica. De acordo com os relatos antigos, a imagem de Nossa Senhora foi encontrada no Rio Para�ba do Sul na segunda quinzena de outubro de 1717 - n�o poderia ter sido, portanto, no dia 12. Muitos acreditam que a data exata tenha sido dia 17.
Por que ent�o entrou para a hist�ria o dia 12 de outubro?
De acordo com historiadores, a escolha da data n�o foi algo aleat�rio, mas sim uma decis�o simb�lica. O 12 de outubro j� era um dia importante. Foi em 12 de outubro - de 1492 - que Crist�v�o Colombo aportou no continente americano. E foi em 12 de outubro - de 1822 - que dom Pedro 1º acabou aclamado imperador do Brasil.
Pedro 1º, ali�s, nasceu em um 12 de outubro, em 1798.
Devo��o
N�o h� um n�mero consolidado sobre quantas igrejas dedicadas a Nossa Senhora Aparecida existem no Brasil, mas certamente se trata da santa de maior devo��o popular no pa�s.
"� muito dif�cil uma diocese brasileira que n�o tenha pelo menos uma par�quia dedicada � padroeira do Brasil", resume Lira. "Capelas, ent�o, s�o in�meras."
O pesquisador tamb�m acredita que a devo��o � santa venha aumentando nos �ltimos anos gra�as � profus�o de canais de TV e espa�os na internet e redes sociais dedicados a espalhar a f� cat�lica. "H� uma valoriza��o da padroeira", acredita ele.
Lira ainda frisa a import�ncia de Nossa Senhora Aparecida ser negra, � imagem de boa parcela da popula��o brasileira.
"Nas apari��es de Maria Sant�ssima que foram aprovadas pela Igreja, vemos que Nossa Senhora se tornou semelhante ao povo do local de apari��o, o que nos remete ao texto b�blico: fomos feitos � imagem e semelhan�a do Pai do C�u. Aqui, a imagem veio com a cor de uma ra�a sofrida, pequenina, mas, com um sorriso esbo�ado. Tem nosso cheiro, nossa terra, nossa cor miscigenada", aponta o hagi�logo.
Reportagem publicada originalmente em 10 de outubro de 2018
