
Os recordes nos focos de inc�ndios em todos os biomas brasileiros fazem uma extensa �rea do Brasil arder em chamas h� meses. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), este ano, as florestas do pa�s sofreram 18 mil queimadas a mais na compara��o com as ocorr�ncias nos demais pa�ses da Am�rica do Sul.
Enquanto o fogo rompe fronteiras, as a��es do governo federal s�o alvo de cr�ticas. Cinco meses ap�s declarar que deveria aproveitar a pandemia da covid-19 para “ir passando a boiada” e aprovar reformas infralegais, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz valer a pr�pria declara��o.
Desde o come�o da pandemia, Salles j� dava ind�cios do caminho que seguiria em 2020 (veja quadro). As condutas mais recentes do chefe do Minist�rio do Meio Ambiente (MMA) resultaram na revoga��o de resolu��es que protegiam manguezais e restingas e na cria��o de um grupo de trabalho para avaliar a fus�o de dois �rg�os ambientais. Mesmo com a chegada das chuvas, Salles optou pelo uso de retardantes qu�micos danosos � sa�de.
Na primeira quinzena de outubro, foram contabilizados 29.772 mil focos acumulados por todo o pa�s, n�mero 2,5 vezes maior que o registrado no mesmo per�odo do ano passado. Segundo levantamento do Inpe, o pa�s tem mais de 190 mil focos de inc�ndio, concentrando quase metade das ocorr�ncias da Am�rica do Sul (47,8%).
No Brasil, a Amaz�nia concentra a maior quantidade de focos de inc�ndio em 2020, com 87.142. Em seguida, aparecem Cerrado (57.118), Pantanal (20.830), Mata Atl�ntica (16.149) e Caatinga (8.063). Pampa � o que possui menos registros, 1.575. No entanto, � no Pantanal que as queimadas est�o acima da m�dia hist�rica. Em setembro, houve um aumento de 180% dos inc�ndios em rela��o ao mesmo per�odo do ano passado. Com 8.106 focos de calor, o m�s passado bateu recorde hist�rico, desde 1998, quando iniciou o monitoramento do Inpe.
“Se n�s tiv�ssemos um governo que priorizasse a prote��o do meio ambiente, certamente, essa situa��o n�o seria t�o dram�tica agora”, acredita a gestora ambiental do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti. Para ela, a sensa��o de impunidade existente para quem est� no campo agrava o cen�rio. “Apenas 5% das fazendas que est�o cadastradas no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) e colocaram fogo em �rea de floresta foram autuadas. Ou seja, 95% atearam fogo e n�o tiveram nenhum tipo puni��o”, indica.
O governo atribui a culpa da devasta��o no Pantanal � estiagem, diz que a solu��o gira em torno do papel do gado, queima controlada, uso de produtos retardantes do fogo — justificativas questionadas por especialistas. Em audi�ncia p�blica da comiss�o do Senado que trata dos inc�ndios no bioma, o ministro frisou que o governo federal � respons�vel pela fiscaliza��o de apenas 6% da regi�o pantaneira e refor�ou que “o excesso de calor, tempo seco e ventos fortes trouxeram as queimadas”.
A pol�tica negacionista do chefe da pasta do Meio Ambiente � vista como alinhada �s ideias do presidente Jair Bolsonaro. “Capataz � a pessoa que opera as ordens do dono”, avalia a ex-presidente do Instituto Bras�lia Ambiental (Ibram), Jane Vilas B�as. A antrop�loga preocupa-se com o fato de o pa�s perder o protagonismo na diplomacia ambiental. “O Brasil chegou a ter respeitabilidade muito grande no setor.”
Desmonte
O desmonte das institui��es tamb�m � apontado como agravante da situa��o ambiental. O ministro criou um grupo de trabalho para avaliar “sinergias e ganhos de efici�ncia” com a fus�o do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio).
A uni�o � vista como retrocesso pela Associa��o Nacional de Servidores da Carreira de Meio Ambiente (Ascema Nacional). “A extin��o do Instituto Chico Mendes e sua incorpora��o ao Ibama � totalmente inoportuna e problem�tica”, critica a entidade. Em maio de 2020, o MMA publicou portaria substituindo 11 coordena��es do ICMBio por cinco ger�ncias regionais.
O ministro Salles, no entanto, atribui o desmonte aos governos passados. “O nosso esfor�o tem sido o de dar maior efici�ncia ao processo sancionador, de fiscaliza��o ambiental. N�s recebemos o Ibama e o ICMBio com 50% do seu quadro de pessoal faltando, or�amento deficit�rio e problemas graves de infraestrutura. O fato � que n�s estamos tentando arrumar a casa, com o recurso que n�s temos.”
Press�o de todos os lados
A cobran�a por rea��o parte de todos os lados. A revoga��o, por parte do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de regras que garantiam prote��o ambiental, al�m de gerar um embate judicial, mobiliza parlamentares de diversos partidos a unirem-se na tentativa de anular a decis�o. Corre na Justi�a uma a��o civil p�blica do Minist�rio P�blico Federal (MPF) que lista uma s�rie de a��es como omiss�es, pr�ticas e discursos de Salles. Os procuradores acusam o gestor da pasta de improbidade administrativa e pediram seu afastamento.
No entanto, ap�s determina��o do Tribunal Regional Federal da 1ª Regi�o (TRF-1) pela an�lise imediata do processo, o juiz M�rcio de Fran�a Moreira, da 8ª Vara Federal C�vel do Distrito Federal, negou o pedido. Ao Correio, o MPF garantiu que recorrer� da decis�o. No Supremo Tribunal Federal (STF) corre outra a��o movida por parlamentares, que pedem a inconstitucionalidade das �ltimas decis�es de revoga��o do Conama.
Em manifesta��o enviada � Corte, o MMA defende que as revoga��es devem ser mantidas, argumentando que “v�rios dispositivos das resolu��es s�o ilegais, enquanto outros s�o apenas in�teis/pleon�sticos por mera repeti��o dos respectivos dispositivos daquela lei”. O documento, elaborado pela consultoria jur�dica da pasta e pela Advocacia-Geral da Uni�o (AGU), afirma que as mudan�as n�o trazem “qualquer preju�zo ao meio ambiente”, j� que os temas estariam contemplados no C�digo Florestal.
No Congresso, um grupo de 29 deputados federais pressiona a inclus�o da proposta para anular as decis�es do Conam. O projeto de decreto legislativo alega que a revoga��o “coloca em risco a sobreviv�ncia dos seres humanos ao n�o colocar a preserva��o das fontes de �gua como prioridade”.
Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso, Rodrigo Agostinho (PSB/SP), reconhece que emplacar a pauta ser� uma tarefa trabalhosa, por�m necess�ria. “N�o � um di�logo f�cil, porque outras propostas causam obstru��o. Al�m disso, � um projeto que bate de frente com o governo. Conseguimos reunir quase 30 assinaturas para ganhar mais corpo”, explica.