A atual politiza��o de quest�es relativas a uma vacina��o obrigat�ria contra o coronav�rus, assim como a dissemina��o de informa��es falsas sobre efeitos colaterais da imuniza��o encontram paralelo num dos mais not�rios epis�dios de sa�de p�blica da hist�ria do Brasil: a Revolta da Vacina de 1904.
Naquele in�cio de s�culo 20, a politiza��o do tema foi um dos combust�veis para violentas manifesta��es contra a vacina��o obrigat�ria e contra o governo na cidade do Rio Janeiro, ent�o capital do Pa�s. O motim, que durou seis dias, levou � decreta��o de estado de s�tio na cidade e s� cessou ap�s a revoga��o da obrigatoriedade da vacina. Trinta mortos, 110 feridos e mais de 1.500 presos e deportados constam nos n�meros oficiais sobre a rebeli�o.
A revolta, que teve como estopim as discuss�es sobre a lei que tornou obrigat�ria a vacina��o contra a var�ola, surgiu de uma combina��o de fatores que desencadearam um enorme descontentamento popular - e tem, no seu cerne, uma orquestrada campanha de desinforma��o mobilizada por opositores do governo do ent�o presidente Rodrigues Alves e do m�dico respons�vel pela a��o de imuniza��o, o sanitarista Oswaldo Cruz, ent�o secret�rio da Sa�de P�blica. Este �ltimo, alvo favorito das charges dos opositores.
Na guerra pol�tica contra a vacina��o, a oposi��o veiculou uma s�rie de inverdades sobre a vacina. Afirmava que ela causava diferentes males � sa�de, entre eles gangrena, epilepsia, meningite, tuberculose e s�filis. As falsas hist�rias trouxeram � circula��o uma absurda teoria segundo a qual quem tomasse a vacina poderia assumir caracter�sticas de um bovino - crescimento de um chifre, casco ou pelagem do animal. A hist�ria se devia a que, nos prim�rdios da cria��o da vacina, havia um processo de inocula��o da benigna var�ola bovina.
Opositores
M�dicos e pol�ticos, que no passado haviam endossado outras campanhas de vacina��o, engrossaram as fileiras que investiam contra a vacina. O senador Barata Ribeiro e o deputado Barbosa Lima eram exemplos do jogo pol�tico nos bastidores dessa disputa. O Estad�o de 28 de setembro de 1904 publicou aguerrido discurso de Barata Ribeiro no Senado contra a vacina��o: "Ao que parece, o governo tem o prop�sito de alimentar a epidemia desprezando a prophylaxia afim de obrigar o povo a estender o bra�o � lanceta homicida. Queria que o sr. Rodrigues Alves sa�sse da mudez de seu pal�cio e viesse para o meio da popula��o. Elle coraria tamb�m vendo tanta desgra�a (...)". A solu��o proposta pelo senador era aprovar mais leis de cr�dito para constru��o de hospitais.
O deputado Barbosa Lima, um major positivista e florianista, foi governador de Pernambuco e l� fundou o Instituto Vacinog�nico no Estado - mas desta vez ele investiu contra a vacina��o. Para obstruir a vota��o da lei que tornou obrigat�ria, em 31 de outubro de 1904, ele apresentou mais de 30 emendas contr�rias ao projeto.
Com la�os estreitos com o senador e tenente-coronel Lauro Sodr�, que fundou a Liga Contra a Vacina Obrigat�ria, Barbosa Lima � um representante dos setores militares que insuflaram um levante na Escola Militar da Praia Vermelha para derrubar Rodrigues Alves.
Moralismo
No discurso contra a vacina��o, a quest�o moral tamb�m se fez presente. Enquanto as pessoas vacinadas mostravam os bons efeitos da prote��o da imuniza��o, os discursos contr�rios � vacina passaram a enfocar a viola��o do lar pelos agentes sanit�rios. Oswaldo Cruz coordenava ent�o uma a��o de vacina��o feita de casa em casa. A oposi��o passou a dizer que a honra do trabalhador estava em perigo, pois suas esposas e filhas seriam for�adas � desnudar bra�os, coxas e talvez at� as n�degas para os servidores da secretaria de Sa�de P�blica.
Outro vi�s na narrativa dos antivacinas era a viola��o das liberdades individuais. Em um artigo de capa publicado em 17 de julho de 1904, o Estad�o tratou da situa��o de pen�ria em que vivia a sa�de no Rio e criticou os pol�ticos advers�rios da vacina. "Acima de tudo os princ�pios. Que importa que a Peste dizime? (...) A var�ola grassa de modo pavoroso - o hospital de S. Sebasti�o regorgita, n�o h� mais um leito e os carros da assistencia n�o param recolhendo nos bairros pobres as victimas da terrivel molestia."
"O povo, aterrado, disp�e-se � vacina, corre aos postos medicos e justamente quando se vae impondo, pela convic��o, a prophylaxia que tem provado t�o vantajosamente em todo o mundo, homens de prestigio, como os drs. Barbosa Lima, na Camara, e Barata Ribeiro no Senado, insurgem-se contra a medida salvadora."
Redu��o da imuniza��o
A campanha contra vacina��o levou o caos �s ruas do Rio. N�o derrubou Rodrigues Alves, mas foi eficiente em reduzir a vacina��o. Entre maio e julho de 1904 o n�mero de vacinados mostrava-se numa curva ascendente: foram cerca de 8.200 pessoas vacinadas em maio, e 23.021 em julho. Com a discuss�o sobre a obrigatoriedade da vacina e as disputas derivadas do debate sobre a lei, em agosto o registro caiu para 6.036 vacinados. Em final outubro, dias antes da revolta, o registro era de apenas 1.138.
A recusa popular � vacina��o foi amplamente sentida, mesmo antes da aprova��o da Lei n� 1261 de 31 de outubro de 1904, que tornava a vacina��o obrigat�ria. As campanhas de imuniza��o j� eram usadas com sucesso em pa�ses da Europa, mas seu uso no Brasil era pequeno e a popula��o ainda desconfiava de seus efeitos. "A onda de insatisfa��o instaurou a desordem nas ruas. Poucos se submetteram � vaccina��o.", contava o jornal.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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