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Estado de Minas CARNAVAL

Brasil pode ficar sem carnaval pela primeira vez ou hist�ria pode se repetir?

Brasil se prepara para adiar a festa por causa da pandemia do novo coronav�rus


25/10/2020 15:04 - atualizado 25/10/2020 15:20

Carnaval de rua de Belo Horizonte é um dos maiores do Brasil(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Carnaval de rua de Belo Horizonte � um dos maiores do Brasil (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
O Brasil tem chances reais de, em 2021, viver algo in�dito. Desde que os festejos carnavalescos come�aram por aqui — o que, segundo pesquisadores, ocorreu � �poca da chegada dos portugueses, no s�culo 16 —, eles nunca deixaram de ser celebrados no per�odo que antecede a Quaresma, em fevereiro ou no come�o de mar�o.

Por�m, devido � pandemia de covid-19, o adiamento ou cancelamento da festa � debatido pelos governos das maiores cidades do pa�s. Enquanto S�o Paulo adiou para data indefinida e Bras�lia optou por n�o realizar a folia, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Olinda ainda discutem como agir.

N�o se trata de uma decis�o simples. E n�o devido ao preju�zo econ�mico e cultural que ela pode representar, afinal, a sa�de p�blica deve ser priorizada. Mas, sim, porque a estrat�gia pode n�o dar certo. � o que alerta a hist�ria. Afinal, as duas tentativas oficiais de adiar a festa de Momo no Brasil fracassaram. A primeira ocorreu tamb�m por quest�es sanit�rias, em 1892, quando o pa�s lidava com uma s�rie de doen�as, como a febre-amarela. A segunda se deu em 1912, devido � morte do Bar�o do Rio Branco, ent�o ministro do Exterior e tido como her�i nacional.

No fim do s�culo 19, buscando evitar a aglomera��o de pessoas no calor de fevereiro, os governantes decidiram transferir os festejos para junho, no inverno. “Adiaram, por decreto, para o �ltimo fim de semana de junho, que inclusive coincide com as festas de S�o Jo�o. O que aconteceu? Chegou o carnaval, foi todo mundo para a rua, mesmo que houvesse o decreto. A Prefeitura (do Rio de Janeiro, capital federal � �poca) at� tentou fazer controles policiais, fechando as lojas que vendiam produtos tem�ticos, proibindo sal�es onde ocorriam os bailes de abrirem, mas nada disso adiantou”, detalha Leonardo Bruno, pesquisador-orientador do Observat�rio de Carnaval do Museu Nacional.

Recortes do jornal 'O Paiz', publicado no RJ de 1884 a 1930: edição de 2 de fevereiro de 1892 (esq.) anuncia o adiamento. A de 1º de março do mesmo ano (dir.) descreve como foram as festas(foto: O Paiz/Biblioteca Nacional)
Recortes do jornal 'O Paiz', publicado no RJ de 1884 a 1930: edi��o de 2 de fevereiro de 1892 (esq.) anuncia o adiamento. A de 1� de mar�o do mesmo ano (dir.) descreve como foram as festas (foto: O Paiz/Biblioteca Nacional)

Na outra tentativa, o motivo era o luto pela morte do Bar�o do Rio Branco, que aconteceu a uma semana da festa. “O povo sofreu muito e decretou-se o adiamento para dois meses depois, em abril. Em princ�pio, parecia algo sensato, mas, quando chegou o s�bado de carnaval, o povo foi para a rua afogar as m�goas e acabou o luto. Efetivamente, aconteceram dois eventos. Os registros hist�ricos trazem at� uma marchinha que o povo cantava na rua dizendo que, se o bar�o morreu e a gente teve duas festas, imagina quando morrer o general”, conta Bruno.

“Nos dois casos, n�o adiantou nada. A folia aconteceu na data normal e na data transferida. Foram duas transfer�ncias tentadas que n�o tiveram sucesso. Ou foram um grande sucesso e as pessoas tiveram dois carnavais”, brinca Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e criador do Centro de Refer�ncia do Carnaval.

As guerras, a gripe espanhola e o maior carnaval de todos os tempos

As duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) tamb�m n�o impediram a realiza��o do carnaval no Brasil, a despeito de tentativas das autoridades. De acordo com o professor Paulo Miguez, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o pa�s teve participa��o pequena no primeiro conflito, enviando poucos militares � Europa apenas no fim dele, ou seja, ap�s a folia de 1918.

� �poca, chegou-se a discutir a realiza��o dos festejos, mas eles ocorreram normalmente. Na Segunda Guerra, contudo, o Brasil teve maior participa��o. “Oficialmente, tudo foi feito para impedir. Recursos p�blicos foram interditados, mas a festa aconteceu mesmo com os pracinhas na It�lia. As muitas proibi��es acabaram dribladas”, explica.

Al�m do fim da Primeira Guerra, 1918 ficou marcado pela gripe espanhola, at� hoje a mais violenta pandemia da hist�ria, que deixou de 20 a 40 milh�es de mortos — mais at� do que a Primeira Guerra, que fez 15 milh�es de v�timas. No Brasil, segundo o Atlas Hist�rico da Funda��o Getulio Vargas (FGV), foram cerca de 35 mil �bitos. At� mesmo o presidente eleito, Rodrigues Alves, morreu v�tima da doen�a antes de tomar posse. � f�cil presumir que, diante da trag�dia, o carnaval n�o fosse realizado. Mas aconteceu exatamente o contr�rio.

A festa de 1919 � tida, at� hoje, como a maior de todos os tempos. “A gripe chegou, arrasou, matou milhares, mas em determinado momento ela foi embora, por volta de outubro, novembro. Isso fez com que o evento do ano seguinte, segundo todos os relatos, tenha sido o mais louco de todos os tempos, dos mais irreverentes que se tem not�cia. O povo foi para a rua com a necessidade de celebrar o fim daquela coisa terr�vel. Al�m disso, depois de uma trag�dia como essas, havia o pensamento de que poderia ser o �ltimo dos carnavais”, narra Miguez.

Carnaval no Rio de Janeiro em 1906: Avenida Central, onde a folia era realizada à época, passou a se chamar Avenida Rio Branco após a morte do barão(foto: Augusto Malta/Acervo IMS)
Carnaval no Rio de Janeiro em 1906: Avenida Central, onde a folia era realizada � �poca, passou a se chamar Avenida Rio Branco ap�s a morte do bar�o (foto: Augusto Malta/Acervo IMS)

As propor��es da maior folia de todos os tempos podem ser tomadas com base nos relatos do escritor Nelson Rodrigues. Apesar de ter apenas 6 anos, ele gravou na mem�ria as cenas daquele ano e, posteriormente, as descreveu em um artigo para o jornal Correio da Manh� — compilado no livro Mem�rias: A menina sem estrela:

O que esperar de 2021 e de 2022?

Diferentemente do que ocorreu com a gripe espanhola, que ficou menos de tr�s meses no Brasil, � dif�cil prever quando a covid-19 — declarada pandemia pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) em 11 de mar�o — deixar� de ser uma amea�a � popula��o brasileira. Portanto, � consenso entre especialistas e autoridades consultados pelo Correio que, nesse cen�rio, n�o h� condi��es de se realizar o carnaval em fevereiro de 2021.


Diante dessa realidade, prefeitos das cidades que costumam receber grande fluxo de turistas para a festa t�m se esfor�ado para encontrar uma data comum. Segunda capital que mais reuniu foli�es em 2020, S�o Paulo foi a primeira a confirmar o adiamento, sem, no entanto, anunciar para quando. Nos bastidores, os gestores municipais trabalham com os meses de maio, junho e julho como possibilidades. Ainda n�o se sabe, por�m, quando o martelo ser� batido.

Pesquisadores alertam que, dado o hist�rico da festa no Brasil e os vastos exemplos de desrespeito ao distanciamento social observados desde o in�cio da pandemia, as autoridades devem levar em conta a possibilidade de manifesta��es espont�neas. “Pode haver uma desmobiliza��o dos festejos formais, dos blocos tradicionais, do desfile das escolas de samba... Essa festa institucionalizada � poss�vel que n�o ocorra, mas acho pouco prov�vel que n�o haja gente na rua. As praias e os bares lotados, hoje, s�o um �timo exemplo disso. O que faria a gente acreditar que daqui a seis meses o povo n�o vai para a rua?”, resume Leonardo Bruno.

Os outros especialistas endossam a opini�o do pesquisador do Museu Nacional. “� muito prov�vel que grupos de amigos, ou at� mesmo pessoas sozinhas, iniciem um tipo de manifesta��o carnavalesca e, naturalmente, aquilo vire um bloco de propor��o maior”, pontua a pesquisadora Rita Fernandes, autora do livro Meu bloco na rua.

“� tudo muito in�dito, s�o muitas vari�veis. A �nica coisa que se tem certeza � que n�o d� para ser irrespons�vel e n�s, que fazemos isso de forma organizada, motivarmos um carnaval em um momento em que ele n�o pode acontecer”, ressalta Fernandes, que tamb�m � fundadora e presidente da Sebastiana — Associa��o Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro da Cidade de S�o Sebasti�o do Rio de Janeiro — liga que re�ne alguns dos mais tradicionais blocos do Rio.

Sobre a possibilidade de um adiamento, por�m, os pesquisadores t�m opini�es divergentes. Para Paulo Miguez, a mudan�a de data pelo menos amenizaria os impactos econ�micos: “A transfer�ncia atende a dois interesses: � vontade de fazer festa, mas, especialmente, � economia da festa. O carnaval afeta desde o nanoneg�cio, do cara que vai para a rua catar latas de cerveja, at� aqueles que trabalham nos camarotes, nos trios, os m�sicos. Com o adiamento, toda essa ind�stria cultural vai poder se organizar, com perdas, mas vai fazer o que n�o foi feito em fevereiro”.

Rita Fernandes, por outro lado, lembra que a Ter�a-feira Gorda � apenas o �pice de uma celebra��o que come�a muito antes, com as festas de pr�-carnaval, em janeiro, e defende que o evento fique para 2022. “Se a gente n�o puder fazer na data, o que fizermos depois ser� apenas uma celebra��o, n�o, o carnaval. � muito dif�cil recriar esse esp�rito carnavalesco. N�o d�, por exemplo, para pensar em tirar o r�veillon do fim do ano”, avalia.

“A gente tem que respeitar o ciclo das festas tradicionais. N�o concordo com o adiamento. Entendo a necessidade pelo lado de quem move uma economia forte em rela��o a isso, como � o caso das escolas de samba. Talvez seja importante por mover uma cadeia produtiva enorme que precisa ser ativada. Mas, uma folia fora da data seria apenas uma express�o”, acrescenta.

Independentemente de ser realizado no meio de 2021 ou apenas em 2022, o pr�ximo carnaval deve repetir o que houve em 1919, ap�s a gripe espanhola, acredita Miguez. “Ser� o maior de todos os tempos, celebrando a vit�ria da vida e da ci�ncia”, projeta o docente da UFBA. “Baco e Momo (figuras das mitologias romana e grega, respectivamente, ligadas a festas e celebra��es) v�o ficar nos devendo este ano, mas v�o preparar algo grande para o pr�ximo”, completa.

Preju�zos v�o al�m do financeiro

Quando se fala nos preju�zos que um adiamento ou cancelamento do carnaval podem causar, � f�cil pensar no aspecto financeiro. E ele, de fato, tem um peso enorme. Somente neste ano, Salvador, S�o Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Olinda (PE) reuniram 43,5 milh�es de foli�es, segundo dados das secretarias estaduais, compilados pelo Minist�rio do Turismo. A movimenta��o na economia foi de cerca de R$ 8 bilh�es, de acordo com a Confedera��o Nacional do Com�rcio (CNC).

A incerteza acerca da realiza��o da festa em 2021 j� come�a a mostrar impactos. As reservas em hot�is est�o praticamente zeradas nessas cidades, a venda de abad�s em Salvador est� bem aqu�m do que se costuma registrar a esta altura do ano, assim como a procura por passagens a�reas para os destinos mencionados. “Houve uma mudan�a de comportamento dos viajantes. As compras de passagens para os destinos nacionais tradicionalmente mais procurados para o carnaval apresentaram queda significativa no �ltimo trimestre”, explica, em nota, a empresa de revenda de bilhetes a�reos MaxMilhas.

� preciso, por�m, levar em considera��o, tamb�m, o impacto cultural. O Brasil ser afamado como a terra do carnaval n�o � em v�o. Al�m de ter alcan�ado marcos globais — em 1995, o Galo da Madrugada, em Recife, foi considerado o maior bloco carnavalesco do mundo pelo Guinness Book, mesma publica��o que reconheceu a folia em Salvador como o maior carnaval de rua do planeta em 2005 —, o pa�s tem os festejos intimamente ligados � constru��o de sua hist�ria.


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