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Estado de Minas GERAL

Caso Mari Ferrer: 'A palavra de uma mulher � medida com determinada r�gua moral'


04/11/2020 14:54

Ap�s a divulga��o de imagens da audi�ncia do processo de estupro da influenciadora Mari Ferrer, o julgamento do caso, que ocorreu em 2018, voltou a repercutir nas redes sociais nesta ter�a, 3. Desta vez, o debate veio acompanhado da tese de 'estupro culposo', inexistente no C�digo Penal, mas atribu�da � Promotoria catarinense - que se manifestou pela absolvi��o do empres�rio Andr� Camargo Aranha, acusado pelo crime.

Nas alega��es finais, apresentadas em agosto ap�s a conclus�o do inqu�rito, n�o h� men��o ao termo. No relat�rio, o Minist�rio P�blico de Santa Catarina considerou 'duvidosa' a situa��o de vulnerabilidade da influenciadora naquele dia 15 de dezembro de 2018 e entendeu que faltam provas para confirmar que o empres�rio tinha 'consci�ncia' de que a jovem n�o poderia oferecer resist�ncia a ele.

Do ponto de vista t�cnico, a condi��o da v�tima � relevante uma vez que o crime imputado a Aranha � estupro de vulner�vel - praticado contra menores de 14 anos ou, justamente, v�timas incapazes de oferecer resist�ncia. Por isso, para o MP, teria havido um 'erro do tipo' penal. Nesses casos, o acusado ainda pode ser punido se a legisla��o tiver previsto a modalidade culposa do crime - inexistente em casos de estupro. Por isso, na avalia��o do promotor Thiago Carri�o de Oliveira, respons�vel pelo caso, o empres�rio n�o pode ser punido.

"N�o restou comprovada a consci�ncia do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se juridicamente, por n�o comprovado o dolo do acusado no tocante a tal estado ps�quico alegado pela ofendida ap�s os fatos. Pelo que consta no processo, n�o restou comprovado que o acusado tinha conhecimento a suposta incapacidade da v�tima", diz um trecho da manifesta��o do MP.

A advogada Thais Rego Monteiro, especialista em crimes ligados � liberdade sexual, explica a argumenta��o da Promotoria.

"Reconhece-se a 'conjun��o carnal e atos libidinosos diversos', mas no entendimento do promotor, n�o houve conhecimento do acusado acerca da incapacidade da Mariana. Por isso, o MP pediu em alega��es finais a absolvi��o por atipicidade, fundada em erro sobre elemento constitutivo do tipo. Nesse sentido, a argumenta��o seguiu apontando que n�o h� previs�o legal de estupro culposo. Aqui a discuss�o da capitula��o � relevante justamente por conta da consci�ncia (ou n�o) do acusado sobre a vulnerabilidade da v�tima. Muitos destacam, para discordar do MP, a d�vida que existiria acerca da vulnerabilidade da v�tima, e a maior parte dos argumentos criam uma presun��o de vulnerabilidade. O MP, nesse sentido, entendeu que a presun��o � a de inoc�ncia, e em face da d�vida, pediu a absolvi��o", analisou.

Apesar da confus�o t�cnica sobre o 'estupro culposo', especialistas consultados pelo Estad�o afirmam que a argumenta��o relacionada ao caso n�o � 'inovadora', mas sim a 'velha hist�ria' de, em casos de viol�ncia de g�nero, a palavra da mulher ser colocada em xeque e "medida de acordo com sua conduta sexual e determinada 'r�gua moral'".

A indica��o � da professora de Direito Penal Ma�ra Zapater, que aponta 'salto comparativo' na fundamenta��o usada pelo Minist�rio P�blico para se manifestar pela absolvi��o do empres�rio. Isso porque, o promotor suscitou que, em casos de estupro de vulner�vel envolvendo menores de 14 anos, alguns te�ricos argumentam que a 'confus�o acerca da idade pode eliminar o dolo (n�o se pune por culpa)'. Nessa linha, Oliveira indagou se a interpreta��o n�o poderia se aplicar ao caso daquele 'que mantem rela��o com pessoa maior de idade cuja suposta incapacidade n�o � do seu conhecimento'.

"N�o � cria��o de uma nova tese, mas a apresenta��o do argumento de sempre. A� acho que n�o d� para desconsiderar tudo o que o juiz parece ter levado em considera��o naquela audi�ncia, com as falas do advogado de dizer que ela tirava fotos sensuais, falar que era o ganha-p�o dela. Ou seja, tem todo um estere�tipo que foi colado em cima da imagem dela de v�tima que nada tem a ver com o crime. A rela��o sexual aconteceu, isso � consenso, mas o que se duvida � de que ela estivesse b�bada e que o rapaz tivesse condi��o de perceber isso. � a palavra da v�tima que esta sendo colocada em xeque", afirma Ma�ra.

A indica��o da professora faz refer�ncia �s imagens da audi�ncia do caso, divulgadas pelo site The Intercept, nas quais o advogado Claudio Gast�o Filho, que representa o empres�rio Andr� Camargo Aranha chega a dizer que Mari Ferrer tem como 'ganha p�o a desgra�a dos outros'. Na grava��o, o juiz Rudson Marcos, da 3� Vara Criminal de Florian�polis, n�o interrompe a fala do advogado e o promotor Thiago Carri�o de Oliveira pergunta se a influenciadora n�o queria 'beber uma �gua'.

Em determinada altura do v�deo, a jovem chegou a implorar por respeito.

"Excelent�ssimo, estou implorando por respeito, nem os acusados de assassinato s�o tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que � isso?", pede chorando.

Na mesma linha de Ma�ra, a promotora Valeria Scaranse, coordenadora do N�cleo de G�nero do Minist�rio P�blico de S�o Paulo, diz que o desmerecimento da palavra de v�timas em casos de viol�ncia � uma estrat�gia recorrente. "H� muitas 'marianas' espalhadas pelo nosso pa�s", diz.

Segundo a promotora, em muitos casos de viol�ncia de g�nero, a estrat�gia de defesa consiste justamente em desmerecer a palavra da v�tima.

"Isso acontece n�o s� em casos de estupro, mas tamb�m de agress�es, feminic�dios. H� muitas 'marianas' espalhadas pelo nosso pa�s. Em uma sociedade machista, a viol�ncia contra a mulher � estrutural e estruturante. Esse caso exp�e a nossa sociedade e a necessidade de se definir o que � estrat�gia de defesa e o que � ataque �s v�timas, sua privacidade e intimidade devem ser preservados", aponta.

A coordenadora do N�cleo de G�nero do Minist�rio P�blico de S�o Paulo aponta ainda que h� no Brasil, v�rias normas que protegem a mulher. "A Constitui��o prev� a dignidade da pessoa humana, a Lei Maria da Penha fala em 'direito ao respeito' e a lei processual diz que a v�tima deve ser preservada durante o processo. Esses direitos t�m que prevalecer sobre o direito de defesa, sob pena de o processo se transformar em instrumento de revitimiza��o, ao inv�s de um instrumento para realiza��o da Justi�a", explica.

A Comiss�o Nacional da Mulher Advogada da OAB Nacional tamb�m divulgou uma nota afirmando que o caso de Mariana n�o � fato isolado em julgamentos de crimes sexuais, e mostra a dist�ncia que ainda existe entre os direitos das mulheres no papel e na pr�tica.

"Os n�meros mostram que 75% das v�timas de crimes sexuais em nosso pa�s n�o denunciam. E, por mais que sejam feitas campanhas estimulando que as mulheres denunciem, esse n�mero n�o mudar� enquanto o sistema de justi�a brasileiro n�o mudar estruturalmente como atua no julgamento dos crimes sexuais", diz o texto.

A Comiss�o ainda frisa que a viol�ncia de g�nero n�o pode ser usada como estrat�gia de defesa e que o Minist�rio p�blico e a magistratura n�o podem praticar viol�ncia de g�nero no curso do processo nem quedar omissos diante dela. "A injusti�a cometida contra Mariana Ferrer tamb�m � contra todas as mulheres do Brasil. N�o podemos aceitar esse tipo de postura que criminaliza a v�tima", afirmam as advogadas.

Ma�ra ressalta ainda que o advogado que humilhou Mari Ferrer n�o s� pode ter ferido o C�digo de �tica da Ordem dos Advogados do Brasil, mas tamb�m pode ter incorrido em dano moral. Segundo a professora, o profissional n�o poderia ter usado sua 'conduta' fora do caso como elemento do processo.

"N�o � elemento de prova do processo a conduta dela fora do caso. N�o interessa como � a vida sexual dela. Ela n�o teria que responder perguntas, como ele dizer ' voc� � virgem mas voc� faz isso no instagram' e ela ter que responder algo do tipo 'quem � virgem n�o � freira'. Ou seja tendo que dar satisfa��es da sua vida sexual de como ela exerce sua sexualidade como se isso fosse elemento de prova em um processo", aponta a professora.

A seccional de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil notificou Cl�udio Gast�o da Rosa Filho para investigar poss�veis desvios �ticos.

A advogada e professora do IDP M�nica Sapucaia Machado defende ainda que caso de Mari Ferrer exp�e o 'machismo como estrat�gia processual'.

"O pedido de absolvi��o do Minist�rio P�blico em conson�ncia com o v�deo publicado do julgamento nos mostra como para o Judici�rio a mulher ainda � o outro. Mais do que a base de sustenta��o da decis�o o que impressiona � o sil�ncio do MP e do ju�zo enquanto o advogado de defesa humilha a v�tima, retirando sua condi��o sujeito de direito. Os homens desse processo autorizaram que a v�tima continuasse a ser violentada".

Omiss�o e falha

Criminalistas consultados pelo Estad�o apontam ainda 'omiss�o' na postura dos agentes envolvidos na audi�ncia do caso Mari Ferrer. A Corregedoria Nacional de Justi�a abriu procedimento disciplinar para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos.

Para o advogado Daniel Gerber, o juiz Rudson Marcos, da 3� Vara Criminal de Florian�polis, falhou ao permitir que uma v�tima fosse submetida a um ataque por parte da defesa. "Ataque este n�o previsto na lei processual penal. N�o existe nenhum artigo que ordena, que regula ou que faz men��o a debates entre advogado e v�tima", explicou.

O advogado Adib Abdouni diz ainda que o magistrado permitiu um 'inescus�vel quadro de constrangimento e humilha��o' e que o advogado de Aranha 'dissociou-se flagrantemente do seu dever de urbanidade'.

COM A PALAVRA, O MINIST�RIO P�BLICO DE SANTA CATARINA

A 23� Promotoria de Justi�a da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a pr�tica de atos de viol�ncia ou abuso sexual, tanto � que ofereceu den�ncia criminal em busca da forma��o de elementos de prova em prol da verdade. Todavia, no caso concreto, ap�s a produ��o de in�meras provas, n�o foi poss�vel a comprova��o da pr�tica de crime por parte do acusado.

Cabe ao Minist�rio P�blico, na condi��o de guardi�o dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condi��o de autor ou v�tima. Neste caso, a prova dos autos n�o demonstrou rela��o sexual sem que uma das partes tivesse o necess�rio discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resist�ncia, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situa��o, pressupostos para a configura��o de crime.

Portanto, a manifesta��o pela absolvi��o do acusado por parte do Promotor de Justi�a n�o foi fundamentada na tese de "estupro culposo", at� porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jur�dico brasileiro. O r�u acabou sendo absolvido na Justi�a de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulner�vel.

O Minist�rio P�blico tamb�m lamenta a postura do advogado do r�u durante a audi�ncia criminal, que n�o se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos t�o sens�veis e dif�ceis �s v�timas, e ressalta a import�ncia de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.

Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justi�a interveio em favor da v�tima em outras ocasi�es ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do Advogado, o que n�o consta do trecho publicizado do v�deo.

O MPSC lamenta a difus�o de informa��es equivocadas, com erros jur�dicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse poss�vel defender a inoc�ncia de um r�u com base num tipo penal inexistente.

COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTI�A DE SANTA CATARINA

O caso est� sendo devidamente apurado em procedimento instaurado na Corregedoria-Geral da Justi�a, em 30/9/2020, por meio do Of�cio n. 125/2020/CGJUFR/DEV/SNPM/MMFDH, datado de 25/9/2020, oriundo da Secretaria Nacional de Pol�ticas para as Mulheres, recebido naquele �rg�o Correicional em 29/9/2020, �s 18:31h. Ressaltamos que a apura��o dos fatos envolvendo a conduta do advogado Claudio Gast�o Filho n�o se encontra dentre as atribui��es deste �rg�o, que se restringem aos atos praticados pelos membros do Poder Judici�rio.

COM A PALAVRA, OS DEMAIS CITADOS

At� reportagem busca contato com os citados. O espa�o est� aberto para manifesta��es.


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